E as férias de deus acabaram. Já era hora! Não que alguém tenha sentido falta: durante sua ausência, as coisas aqui embaixo continuaram a zona de sempre. Mas o cara resolveu voltar, quem é que ia impedir?
Só que deus logo percebeu um detalhe: Jacó não era bobo feito seu avô, Abraão. Chegar só prometendo uma grande descendência e o lero-lero de sempre não seria suficiente pra impressionar o cara. Deus pensou, pensou, fez brainstorms com sua equipe, encomendou pesquisas e concluiu que ia ter que apelar para os efeitos especiais.
O momento era perfeito. Jacó saíra de Berseba a caminho de Harã, na Mesopotâmia, onde morava seu tio Labão. No fim da tarde do primeiro dia de caminhada, resolveu dormir onde estava e continuar a viagem de madrugada. Escolheu uma pedra para servir como travesseiro e dormiu. E sonhou com uma escada que ia da terra ao céu, e os anjos subiam e desciam por ela.
— Nossa — pensou Jacó —, parece cenário da Broadway!
— Puta que pariu — pensou deus — o desgraçado descobriu. Tenho que ficar esperto com esse cara.
Deus pigarreou, e caprichou na voz de trovão:
— Jacó! Ô, Jacó! Quem fala com você é Jeová!
— Quem?
— Jeová! Javé! O Senhor dos Exércitos! O Todo-Poderoso!
— Hum… Nunca ouvi falar não.
— Ô caraio… Aquele sacrifício foi a pior idéia que já tive, Isaque ficou com raiva de mim e não me apresentou a você. Eu sou o deus de seu avô, Abraão. Estou aqui para renovar a promessa que fiz a ele. Seus descendentes serão mais numerosos que a areia da praia! Toda a Terra será abençoada através de seus filhos! Você voltará a esta terra, e ela será a terra de seu povo. E não vou te abandonar até que todas essas promessas se cumpram!
— Nem quando eu for ao banheiro?
— Você entendeu. Tá feita a promessa, é isso aí. Tchau.
Deus retirou-se meio frustrado. Aparentemente não causara em Jacó a impressão desejada.
Jacó acordou do sonho e pensou: “Porra, que foi aquilo? Esse lugar até parece assombrado! Quem será esse tal de Jeová? Bom, por via das dúvidas, não custa nada dar uma bajulada nele, quem sabe o negócio todo é verdade. Não tenho nada a perder”.
Pegou então a pedra que tinha usado como travesseiro e a pôs em pé como um pilar. Depois derramou azeite sobre a pedra, dedicando-a ao deus que acabara de conhecer. E aqui entra mais uma vez a esperteza de Jacó. Vejam só a promessa que ele fez a deus:
— Se o senhor me acompanhar nessa viagem, e me der água e comida, e me fizer voltar na boa pra casa do meu pai, então o senhor será o meu deus.
Deus, tão acostumado a ser obedecido sem questionamentos, ficou confuso ao levar essa invertida. Não bastava dizer que era deus, que era o tal, que mandava e desmandava, que tinha a seu serviço anjos coreógrafos da Broadway. Com Jacó o negócio ia ser bem mais difícil. O vigaristazinho safado o estava tratando como se ele fosse o gênio da lâmpada. Pela primeira vez em sua vida (se é que se pode chamar de vida) deus pensou seriamente em aposentar-se