Como vimos no último capítulo, Rute e Noemi ficaram num impasse, ansiosas enquanto esperavam que Boaz resolvesse o assunto com o parente recém-aparecido na história. Numa coisa Noemi estava mesmo certa: Boaz não dormiria enquanto não resolvesse tudo. Tanto que, logo pela manhã, foi até a porta da cidade e sentou-se ali. Quando o tal parente de Elimeleque ia passando, Boaz gritou para ele:
— Ô, fulano! Venha até aqui!
— E aí, Boaz? Tudo bem?
— Beleza… Espera aí um pouquinho. Tenho um assunto para tratar com você, um negócio sério que vai precisar de testemunhas. Já volto.
Ele saiu e em pouco tempo voltou acompanhado de dez homens dos mais importantes de Belém-Efrata. Os doze assentaram-se, e Boaz expôs o assunto:
— Negócio seguinte: Noemi voltou de Moabe e está vendendo as terras de Elimeleque, seu finado marido e nosso parente. Quando soube disso, achei melhor falar com você, já que é o parente mais próximo do falecido. Portanto, se você quiser comprar essas terras, assuma o compromisso aqui, na frente das autoridades. Porque se você não quiser, eu compro, já que sou o segundo parente mais próximo.
— Hum. Taí, gostei da idéia. Vou comprar as tais terras.
— Muito bem, muito bem. É uma excelente aquisição. Mas tem uma condição para a compra.
— Ah é, é?
— É. Se você comprar a propriedade de Noemi, também deverá se casar com Rute, sua nora viúva, para que as terras permaneçam com a família do finado Elimeleque.
— Epa. Casar, é?
— É.
— Não, peraí. Não tô nessa de casar, não. Nem conheço a moça. Além do mais, isso poderia prejudicar meus herdeiros. Compre você as terras, eu tô fora.
Parece mera covardia do sujeito, mas não: de acordo com uma antiga tradição, uma viúva deveria casar-se com um irmão ou parente próximo de seu falecido marido. Os filhos dessa união seriam considerados filhos do morto. Por uma situação assim é que Deus castigou Onan, lá no Gênesis: tendo se casado com a viúva de seu irmão, ele não queria lhe dar filhos. Então praticava o coitus interruptus, derramando o sêmen na terra sempre que tinha relações com sua esposa. Deus ficou muito puto com isso, e mandou-lhe um raio na cabeça. Bah, a história toda está aqui, voltemos a Boaz.
Bom, já que o tal sujeito não queria casar-se com Rute (e, por conseqüência, dar filhos ao falecido Malom), Boaz não teve outro remédio senão assumir a responsabilidade. Como era costume na época, o tal fulano entregou a Boaz sua sandália como sinal de que o trato estava feito (assinar uns papéis seria bem mais simples, mas quem é que vai querer simplicidade na Bíblia?). Então Boaz, erguendo a sandália para que todos vissem, dirigiu-se a eles:
— Hoje vocês são testemunhas de que comprei de Noemi tudo o que era de Elimeleque e de seus filhos, Quiliom e Malom. Também me casarei com Rute, viúva de Malom, para que seu nome seja sempre lembrado.
Os outros assinaram embaixo (devem ter entregado suas sandálias a Boaz, também):
— Sim, somos testemunhas. Que Javé faça com que essa mulher seja para você como foram Raquel e Léia, que deram muitos filhos a Jacó, tornando-se assim as mães do povo de Israel. Que a sua família seja como a família de Perez.
— Peraí. Perez não é aquele que nasceu porque Judá achou que sua nora era uma prostituta e passou-lhe a vara?
— É.
— Essa nora não era Tamar, que conseguiu ser viúva de dois dos filhos de Judá?
— É.
— Cês precisam melhorar essas bênçãos aí…
— É…
— Humpf.
Apesar da bênção torta, o trato estava feito. Boaz voltou para a casa (e deve ter tido um trabalhão para explicar que não, não tinha entrado para o comércio de calçados, com tantas sandálias nas mãos) e desposou a Rute. Foi um mero casamento de conveniência, como vimos, mas isso não tem importância. O que interessa é que os dois não perderam tempo, e nove meses depois nasceu-lhes um filho. As mulheres da vizinhança, umas fofoqueiras (as mulheres da vizinhança são sempre fofoqueiras) vieram visitar o recém-nascido. E, com a mania de bênçãos que aquele povo tinha, sapecaram logo a delas em cima de Noemi:
— Louvado seja Javé, que lhe deu um neto para cuidar de você! Que ele venha ser famoso em Israel, que saia na Caras e coma tudo quanto é vagabunda! Ele será o consolo de sua velhice, graças à mãe, essa sua nora que é melhor do que sete filhos!
— Er… Tá. Amém.
Noemi pegou o menino no colo, e pôs nele o nome de Obede. Se Obede foi importante? Não, mas ele teve um filho chamado Jessé, que também não teve grande importância. Em compensação, o filho de Jessé foi Davi, aquele que matou Golias e veio a ser o maior dos reis de Israel.
Eu achava que de Jessé tinha nascido a vara, e da vara, nascido a flor.
Pois é, Bárbara. Isso nos leva a crer que o Milton chama Davi de “vara” e Salomão de “flor”. No entanto, se olharmos com atenção para o Davi de Michelangelo, constataremos que o rei de Israel não tinha vara nenhuma. Quanto a chamar Salomão de flor, é sacanagem com um homem que teve mil mulheres…
Eu achava que de Jessé tinha nascido “Porto Solidão”.
É… pra mim o Jessé do “Porto Solidão” era mais simpático apesar de não cantar porra nenhuma. Vcs lembram que ele ia direto no “Qual é a música?”… o Trio Los Angeles era a pedra no sapato do cara!
Bom, desta vez não teve cevada.
e eu que ando precisando tanto de uma sandália nova…
Que beleza se todo livro fosse assim né? Samuel é legal, eu gostei, to quase te alcançando
mas que costume estranho não!!!