Estou lendo Cidade de Deus, livro em que foi inspirado o filme do qual eu não paro mais de falar. Ainda estou bem no começo, mas aconselho: Se você ainda não viu o filme, não leia o livro. Capaz de você desistir do filme, de tão chato, pretensioso e preciosista que é o livro, ao menos nessas primeiras 50 páginas. O autor, Paulo Lins, faz uma tentativa desastrosa de prosa poética na narração, e os diálogos na gíria da malandragem soam falsos. Isso sem falar de alguns trechos que são pura encheção de lingüiça com pretensões de alta literatura, como este, que serve como um prólogo para a narração propriamente dita:
“Poesia, minha tia, ilumine as certezas dos homens e os tons de minhas palavras. É que arrisco a prosa mesmo com as balas atravessando os fonemas. É o verbo, aquele que é maior que o seu tamanho, que diz, faz e acontece. Aqui ele cambaleia baleado. Dito por bocas sem dentes nos conchavos de becos, nas decisões de morte. A areia move-se nos fundos dos mares. A ausência de sol escurece mesmo as matas. O líquido-morango do sorvete mela as mãos. A palavra nasce no pensamento, desprende-se dos lábios adquirindo alma nos ouvidos, e às vezes essa magia sonora não salta à boca porque é engolida a seco. Massacrada no estômago com arroz e feijão a quase palavra é defecada ao invés de falada.
Falha a fala. Fala a bala.
Pelamordedeus, esse é o tipo de coisa chata e sem rumo que me faz fechar um livro sem dó. Não sei como o roteirista Braulio Mantovani consegui transformar essa prosa estagnada num filme movimentado, quase vertiginoso.