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Cheguei agora há pouco em casa. Peguei o ônibus lá na Berrini às 17h30 e cheguei aqui quase às oito da noite. Trânsito, greve de ônibus, caos. Mas tudo bem, porque nos dias normais eu levo uma hora e meia para chegar. Uma hora e meia dentro de um ônibus ouvindo o Radar da Nova FM, o pior programa de rádio do mundo. E por quê? Porque eu sou um derrotado, porque escolhi essa vidinha medíocre, essa bestagem toda. Apesar do meu terno e da minha gravata de 50 reais, sou um bóia-fria. Saio de casa quando ainda está escuro para pegar o ônibus que atravessa a cidade recolhendo meus colegas bóias-frias, muitos deles sinceramente contentes em sê-lo. Essa entidade onipotente e disforme chamada Mercado não passa de uma fazenda. Sim, você pode sair quando quiser, desde que pague suas dívidas no armazém da fazenda. Mas você nunca vai pagar, porque o armazém já está em você, porque o mercado inventa necessidades que você acolhe alegremente, porque o salário que você ganha está longe de ser alto mas garante a você o cheque especial e o cartão de crédito para compras parceladas, e as parcelas vão se empilhando. Você nunca paga suas dívidas, então você está preso à fazenda para sempre, e a fazenda te suga, a fazenda come o seu rabo todo dia, e você agradece a deus pela fazenda enquanto conta as pregas que lhe restam.
Eu devia estar contente porque eu tenho um emprego, sou o dito cidadão respeitável e ganho dois mil reais por mês, mas eu acho tudo isso uma merda muito grande. Porque a fazenda se dá ao direito de mandar embora quatro de meus amigos como quem espreme uma espinha. Porque o administrador da fazenda só quer mesmo saber de passar pelos corredores assoviando e ignorando os bóias-frias.
Então quando eu vejo um moleque feito o Pelezinho, que além de ser inteligente pra caralho é um músico dos mais talentosos, eu tenho ganas de descer o braço no filho da puta até ele aprender que não deve se resignar a ser subordinado de um derrotado feito eu, que ele deve esfregar seu talento na fuça do mundo e dizer “Eu tô fora dessa porra”.
Alguns dizem que eu escrevo bem. Eu escreveria bem, se me dedicasse a isso. Ah, mas não, estou ocupado demais fodendo a minha vida.

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