A taça de José no saco de Benjamim

Seus hereges pervertidos, não é nada disso que vocês estão pensando! Os dois eram irmãos, esqueceram?
Bom, deixamos a cambada toda jantando na casa de José. Os irmãos de José haviam voltado ao Egito para levar Benjamim para que José libertasse Simeão, lembram? Não? Ah, vão lá reler os capítulos anteriores. Lembraram? Então vamos tocar o barco, que eu quero ver se termino a porra do Gênesis logo. Se eu soubesse o trabalho que isso ia dar, nem começava. Ai meus bagos.
Pois bem. Os irmãos comeram feito uns porcos e chegou a hora de voltarem para casa. Não podiam deixar o velho Jacó sozinho muito tempo. Enquanto arrumavam as coisas para partir, José foi falar com seu despenseiro.
— Menino, depressa! Encha os sacos dos rapazes!
— Tá bom. AÊ, HEBREUS! CÊS SÃO TUDO BOIOLA! U-HU! BANDO DE VIADO! O PAI DE VOCÊS É UM CORNO! A MÃE DE VOCÊS TÁ NA ZONA! VOCÊS LAMBEM CHAP…
— Que que cê tá fazendo, por Osíris??? (Consegui falar “por Osíris”, u-hu!!!)
— Enchendo o saco deles, seu Safnath. Não foi o que o senhor pediu?
— Ai meu cu. Estou falando dos sacos de mantimentos, macaca.
— Ah, de mantimentos… Desculpa aí.
— Toma cuidado, se continuarmos com esse tipo de piadinha manjada, ninguém mais vai ler o Jesus, me chicoteia! Como eu ia dizendo, encha os sacos deles de comida até a boca. E coloquem o dinheiro deles de volta nos sacos. E no saco do mais novo, além do dinheiro dele, coloque aquela minha taça de prata linda.
— Tem certeza, patrão? O senhor gosta tanto daquela taça.
— Calma menino, já pensei em tudo. Você acha que eu ia me desfazer assim da taça que o Faraó me deu? Vai, caminha, faz o que eu mandei. E depois que eles tiverem saído da cidade, você vai fazer o seguinte…

* * *

Amanhecia quando os onze filhos de Jacó começaram a viagem de volta para casa.
— Tão vendo? Tudo deu certo. Quero ver a cara do pai quando a gente chegar com o Simeão, o Benjamim e tudo isso de comida. Agora sim o véio vai confiar na gente.
— Porra, já não era sem tempo. O pai é foda, pega muito no pé, não sei porque isso.
— Hum… A gente vendeu o filho dele como escravo. E depois falou pra ele que o moleque tinha morrido. Não será por isso?
— Ah, mas isso foi há tantos anos! Aliás, por onde andará o José, hein?
— Já deve ter morrido. Escravo não vive muito, cês sabem. Mas imaginem se ele estivesse com a gente agora, pegando essa estrada poeirenta.
— “Ai, esse vento estraga meu cabelo”, “Ui, esse sol vai a-ca-bar com a minha pele”, “Nossa, esses jumentos…”.
— É mesmo, ia ser um inferno. E os sonhos então? “Meninos, sonhei que vocês estavam todos pelados. Aí eu vinha por trás e…”. Ih, quem é que tá vindo ali?
É o despenseiro, porra
— Quem falou isso?
— Foi o Chicoteia. Tá com mania de se meter nas histórias agora. Ignora que ele para. Mas olha lá, é o despenseiro mesmo. Fala, despenseiro!
— Falo porra nenhuma! Eu odeio minha vida, sabiam? Além de ser o único personagem nessa merda a não ter nome, ainda tenho que agüentar desaforo de hebreu. Vocês são loucos? A gente recebe vocês como iguais, serve um banquete farto, vocês comem que nem umas putas velhas, bebem até cair, se divertem. E como retribuem? Roubando a taça de prata do patrão, a taça que ele usa para fazer adivinhações! Vocês não têm jeito mesmo!
— Cê tá bem lôco, despenseiro? Cheirou meia? Porra, pra que a gente ia fazer isso? Voltamos ao Egito com o cu na mão para resgatar o nosso irmão…
— Ô, isso dá samba-enredo! Voltamos ao Egito com o cu na mão/Pra quê, pra quê?/Pra resgatar o nosso irmão/Numa aventura sem iguaaaaaal.
— Calaboca, Issacar. Então, cê tá doido, cara. A gente não era nem besta de roubar nada. Porra, até trouxemos de volta o dinheiro que apareceu nos nossos sacos da primeira vez. Faz o seguinte: revista os sacos e…
— Eu não vou botar a mão nesses…
— OLHA A PIADINHA SEM GRAÇA!
— Ok.
— Revista os sacos. Qualquer um de nós que estiver com a taça que você falou, morre. E digo mais: seu patrão pode pegar os outros dez como escravos. Beleza?
— Ôpa, calma! Não é pra tanto. Se eu achar a taça com algum de vocês, pego o mequetrefe como escravo e os outros podem ir embora.
— Tanto faz. Não roubamos nada mesmo.
O despenseiro começou a revistar os irmãos, do mais velho para o mais novo. E encontrou a taça no saco de Benjamim.
— Ih, cambada, agora fodeu.
— Putz, lá vamos nós falar com o governador do Egito de novo…
Os irmãos voltaram para o palácio de José. Judá era o mais apreensivo de todos. Não era pra menos, já que ele havia se responsabilizado pelo retorno de Benjamim. No palácio, José veio falar com eles:
— Hum. Estou decepcionado com vocês, sabiam? Fiz de tudo por vocês, e pra quê? Pra vocês roubarem minha taça, essa obra de arte que o Faraó me deu. O que vocês estavam pensando? Não sabem que eu sou adivinho, que ia saber do roubo mais cedo ou mais tarde? Vocês me matam assim! Olha, estou pálido! Minhas mãos tremem, minha cabeça dói! Olha isso! Estou passando mal! Meus sais! Meus sais! Hum… Ahhhh…
— Ah, meu senhor, o que podemos dizer? Somos seus escravos, é tudo o que podemos fazer para tentar reparar o mal que causamos.
— Ah… Hum… Ei, peraí, não é pra tanto! Tolinhos… O menino que roubou a taça fica aqui pra ser meu escravinho. Os outros podem voltar pra casa do papai.
Então Judá, quase morrendo de nervosismo, se adiantou para falar com José.
— Meu senhor, não fique puto comigo, mas eu tenho que falar. O senhor sabe que nós éramos doze irmãos, sendo dois filhos da mulher que nosso pai mais amou na vida. Um deles já morreu faz muito tempo, e o outro é esse menino cabeça oca aí que roubou sua taça. Agora o senhor imagine o quanto nosso pai é apegado a esse garoto. É a razão da vida dele. É o único que ele trata bem, que nós outros ele só chama de songo-mongos.
— E com razão.
— Pois é. Mas então. O velho não queria deixar o menino vir de jeito nenhum, porque o irmão dele estava com a gente quando desapareceu, então o pai não confia, sabe? O Ruben, esse grandão aí, que é nosso irmão mais velho, chegou a dizer que o pai podia matar os dois filhos dele se a gente não voltasse com Benjamim são e salvo, e nem assim o velho se convenceu. Então eu, cheio de lábia, sabe como é, joguei uma conversa nele. Dei todas as garantias, falei que a gente fez cagada mesmo com o José (era esse o nome do nosso irmão que morreu), mas isso já foi há muito tempo, e que já era hora dele dar um voto de confiança pra gente, essas coisas. Falei tanto, fiz tantos juramentos, que ele acabou concordando. Mas eu conheço meu pai. Ele deve estar sem dormir há várias noites esperando a gente voltar com o filhinho dele. Se a gente aparecer sem esse menino, meu senhor, nosso pai morre. Não é exagero não, a gente mata o velho se fizer isso. Nós já quase matamos ele quando aconteceu o negócio todo com José, já causamos desgosto demais ao velho, isso não se faz. Então eu proponho ao senhor o seguinte: deixa o Benjamim ir com os outros e eu serei seu escravo. Meu pai não merece tanta tristeza na idade dele.
José ficou comovido com o discurso de Judá. Não sabia que ainda era tão presente na vida da família. Não conseguindo conter a emoção, ordenou que todos saíssem da sala, ficando apenas ele e os irmãos.
— Meninos, vocês não me reconhecem. Tudo aconteceu há muito tempo.
— O que o senhor está dizendo, seu Safnath-Paneah?
— Vocês são burros? Olhem bem para mim! Não reconhecem seu próprio irmão? Eu sou José, porra!

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