Dois anos se passaram. José tinha montado uma tenda na prisão, onde interpretava sonhos, jogava búzios, lia tarô e fazia amarração para o amor por módicas quantias. Não era exatamente o que ele queria, ainda sentia saudade dos tempos de glória na casa de Potifar. Mas pelo menos podia usar um turbante púrpura e um diadema E-NOR-ME na testa sem ninguém falar mal, e isso bastava. Já estava com trinta anos e não esperava que a situação mudasse. Mas mudou, e muito.
Um dia José estava deitado em seu catre, descansando um pouco depois do almoço, quando ouviu uma barulheira no corredor. Instantes depois o carcereiro estava na porta de sua cela, e com ele dois guardas do Faraó.
— José! José! Levanta, menino! O Faraó quer te ver!
— O Faraó quer me ver? Ora, me poupe! Brincadeira besta.
— É verdade, José! Parece que ele teve uns sonhos estranhos e nem os maiores sábios do Egito conseguem interpretar.
— Ué, e como ele ficou sabendo que euzinha interpreto sonhos?
— O copeiro se lembrou de você. Contou pra ele como você interpretou direitinho os sonhos aqui na prisão.
— Ah, copeiro desgraçado! Dois anos depois! Bom, deixa pra lá. Quando o Faraó deseja que eu vá até lá?
— Agora mesmo, José.
— AGORA? Ai, minha santa! Eu estou com umas olheiras horríveis, meu cabelo está um desastre, eu estou um trapo! Será que ele não pode deixar pra outro dia não? Eu passo o dia num salão de beleza e aí…
— José, tem que ser agora.
— Tá bom, tá bom! Credo! Deixa pelo menos eu botar uma roupinha, é rapidinho.
[Três horas e meia depois…]
— VAI LOGO, BICHA!
— Calma, seu guarda, calma! Já estou quase pronto! Só falta a echarpe, cadê minha echarpe, minha echarpe… Pronto, achei! Vamos!
No palácio, o Faraó já estava impaciente, andando de um lado para o outro.
— Enfim, chegaram! Por que a demora? Eu não falei que era assunto urgente?
— Falou, Faró, falou sim. E fomos correndo buscar o hebreu na prisão. Mas a bicha levou uma eternidade para se arrumar. E ainda tivemos que agüentar o viado empolgado cantando “Egito, Egito-ê, Faraó-ó-ó-ó” da banda Reflexus o caminho todo.
— Hum… Então é você o hebreu interpretador de sonhos?
— Às suas ordens, alteza.
— Poupe-me da viadagem. Vamos logo ao sonho: Eu estava em pé às margens do Nilo e vi subir do rio sete vacas gordas e saudáveis. Elas vieram e ficaram pastando entre os juncos. E então subiram do rio outras sete vacas. Mas estas eram magras e feias. Mas feias mesmo. Imagina o Costinha pulando corda [valeu, Pelezinho!]. Imaginou? Pois eram piores. Nunca vi vacas tão feias em todo o Egito, e olha que eu conheço essa terra e suas vacas. Essas vacas horrendas e ossudas vieram e devoraram as sete vacas gordas. Engoliram de uma vez só. Mas depois de comer continuaram magras e horríveis do mesmo jeito. Acordei assustado, mas me dei conta que era só um sonho e voltei a dormir. E sonhei com um pé de trigo do qual brotavam sete espigas cheias e boas. Depois delas, brotaram sete espigas secas, mirradas e queimadas. E as espigas secas comeram as boas. Contei os sonhos aos magos do Egito e não houve quem os interpretasse. E você, hebreu, o que me diz?
— Alteza, isso é coisa muito séria! Os dois sonhos são uma coisa só, percebe? As sete vacas gordas e as sete espigas boas são sete anos, e as sete vacas magras e as sete espigas secas são outros sete anos. O Egito viverá sete anos de fartura. Vai ter comida pra todo mundo, uma festa. Mas depois desses sete anos teremos sete anos de fome, mas uma fome que nunca se viu na terra. Se o sonho foi duplicado, então é porque isso vai acontecer logo, os sete anos de fartura já estão começando.
— Hum… Faz sentido, hebreu. Sete anos de fartura, sete anos de fome. Os próximos sete anos serão uma beleza, mas espero não estar por aqui quando vier a fome.
— Vossa Alteza me permite um comentário?
— Pode falar, o que é?
— Eu se fosse Vossa Alteza nomearia alguém para ajudá-lo a administrar o Egito. Essa pessoa coordenaria a provisão de mantimentos durante os sete anos de fartura, armazenando parte das colheitas, para quando vierem os sete anos de fome. Para essa tarefa o senhor vai precisar de um homem de confiança, que tenha demonstrado capacidade de liderança e administração, que seja jovem e inteligente, que seja justo, bonito, sarado…
— Sua idéia é muita boa, hebreu. Excelente, para falar a verdade. Você é um cara inteligente, vai longe. É José o seu nome, não? Muito bem, José, muito bem. Agora só preciso pensar. Quem é que eu vou nomear para esse cargo tão importante…