O salário de Jacó

Jacó agora já parou com esse negócio de Florentina, Florentina, Florentina de Jesus… Peraí, que que eu tô falando? Ah, comecei a escrever escutando a música. De novo:
Jacó agora já parou com esse negócio de fazer filhos. Ao menos por enquanto. A preocupação dele: já trabalhara 14 anos para conquistar o direito de se casar com a mulher que amava. Agora era hora de sumir da casa do tio/sogro explorador, Labão.
— Lobão?
ESCUTA AQUI! De uma vez por todas: não é Lobão, nem Lambão, nem LaBamba. O nome do cara é Labão! Entendeu??? LABÃO!
Como eu ia dizendo, Jacó estava cansado do abuso, e foi falar com Labão:
— Tio, vim aqui pra me despedir. Vou voltar pra minha terra. Não fique bravo, deixe-me ir, você sabe o quanto trabalhei para você.
— Mas Jacó! Que que é isso, rapaz? Pelamordedeus, se você gosta mesmo do seu velho tio, fica aqui comigo. Você é um filho para mim! Além do mais, depois que você começou a trabalhar aqui, meus rebanhos têm se multiplicado muito, a ponto de alguns mais maldosos chegarem a insinuar que você anda cobrindo minhas cabras e ovelhas…
— COMO É QUE É???
— Hum… Bem.. Cê sabe… Tantos filhos, quatro mulheres… O povo fala, entende? Mas esquece isso, é tudo maledicência dessa gente invejosa. O que eu quero mesmo é te pedir para ficar aqui comigo.
— Tio, o pouco que você tinha agora é muito, tudo pelo meu trabalho. Estou trabalhando há catorze anos para você, tendo em troca apenas a mão de suas duas filhas, sendo que uma eu nem queria. Já não sou mais moleque, tenho onze filhos (e uma filha!) para sustentar, preciso receber alguma coisa pelo meu trabalho.
— Ah, mas isso é fácil de resolver! Olha, eu tenho uma sobrinha que…
— Não, tio, porra! Se liga! Não quero mais mulher pra me aporrinhar o juízo, já me bastam Raquel e Léia, que herdaram o seu sangue ruim.
— Tá bom, tá bom… Fala aí quanto você quer ganhar.
— Quero dinheiro não.
— Não quer dinheiro?
— Não.
— Tô entendendo mais porra nenhuma.
— Te conheço, tio. Se eu te pedir pagamento em dinheiro eu sei que você vai dar um jeito de me roubar.
— E vice-versa…
— Pois é, e vice-versa. Então, como somos dois ladrões, vamos fazer de um jeito que um não possa roubar o outro: Vou passar pelo seu rebanho separando todas os animais que sejam salpicados, manchados, malhados, xadrezes…
— Peraí, nunca vi cabra xadrez.
— Só para o caso. Como eu dizia, vou separar essas ovelhas e cabras do seu rebanho, e esse será o meu salário, bem como todos os animais que nascerem salpicados, manchados…
— … malhados, xadrezes, estampados, listrados, com bolinhas, já entendi.
— Isso aí. Então não tem como eu te roubar: se você olhar para o meu rebanho e vir qualquer bicho branco, pode me prender por roubo.
— E vice-versa ao contrário.
— Isso aí.
— Aceito sua proposta, me parece muito boa. Você é um cara inteligente, Jacó. Você vai longe!
Mas Labão, como já estamos cansados de saber, era um grande filho-da-puta: Naquele mesmo dia resolveu antecipar parte da herança dos filhos. De que forma? Entregou a eles os animais de seu rebanho que tinham as características especificadas por Jacó para seu pagamento. Grande jogada: deixando para os cuidados de Jacó apenas animais brancos ele reduzia em muito as expectativas do sobrinho/genro, uma vez que um bode branco cruzado com uma cabra branca tinha pequenas possibilidades de gerar uma cria manchada, ou salpicada, ou etc. etc. etc.
Feita a malandragem, para se garantir, mudou suas tendas para um lugar que ficava a três dias de caminhada de onde Jacó ficaria cuidando do rebanho do tio.
No dia seguinte Jacó acordou animado e foi logo para o rebanho para começar a selecionar seus animais. Imaginem a cara do coitado quando viu aquele rebanho todo branquinho… Ficou com raiva, claro, mas também era malandro e sabia reconhecer um golpe de mestre.
— Bom, dei uma de otário, beleza. Agora é correr atrás.
Utilizando-se de seus vastos conhecimentos de engenharia genética, inventou um jeito de forçar os animais a parirem filhotes crioulinhos. Agora, imaginem quão toscos eram os conhecimentos de engenharia genética naqueles tempos… Pois é. Havia uma crença segundo a qual colocar à vista dos animais que estivessem cruzando um objeto de determinada cor podia fazer com que os filhotes nascessem daquela cor. Até hoje fala-se disso às vezes, aí pelo interior e tal. Então: Jacó pegou umas varas e começou a descascar tiras delas, de forma que ficavam listradas. Botou essas varas nos bebedouros do rebanho, que era onde os animais iam beber (obviamente) e comer (no segundo sentido). Assim, os animais cruzavam olhando para as varas listradas e as fêmeas pariam filhotes listrados, malhados, aquela coisa toda.
Depois de um tempo, quando o rebanho já contava com um bom número de crioulinhos, ele fazia suas cabras e ovelhas ficarem na frente dos animais brancos que estivessem cruzando, causando assim o nascimento de mais animais para si.
E Jacó não se contentava apenas com isso: milênios antes de Darwin, ele já sabia que casais fortes gerariam filhotes fortes e casais fracos gerariam filhotes fracos. Então quando via animais fracos cruzando, não colocava as varas listradas em sua frente, nem os fazia olhar para seu rebanho. Assim os animais fortes eram de Jacó e os fracos eram de Labão.
Com tanta esperteza, além de dar um chapéu no tio, Jacó enriqueceu muito, teve grandes rebanhos, servos, servas, camelos e jumentos. E ainda tinha a herança de Isaque para receber, não vamos nos esquecer disso.
O enriquecimento de Jacó, como era de se esperar, causou ciúmes a Labão e seus filhos. Mas falaremos disso outro dia.

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