Acho que já demos bastante tempo pro Jacó pensar, né? Pois o bicho pensou bastante. Labão tinha duas filhas: Léia e Raquel. Algumas traduções da Bíblia dizem que Léia tinha os olhos ternos, outras que os tinha enfermos, outras ainda se referem aos olhos de Léia como “sem brilho”. Vamos falar a verdade: Era vesga, zaroia, olhava o peixe e fritava o gato, a pobre da moça. Em compensação, sua irmã Raquel era bonita e gostosa (“formosa de porte e de semblante”, mas é sempre bom atualizar as coisas). Jacó, é claro, estava apaixonado por Raquel, e se saiu com essa:
— Tio, vou trabalhar para você por sete anos, e o único pagamento que quero em troca é a mão de sua filha Raquel.
— Ué, que que você vai fazer com a mão da menina, Jacó?
— Ah, tio, piada velha não! Cê entendeu: quero me casar com Raquel.
Os olhos de Labão brilharam. Ia ter um empregado trabalhando de graça por sete anos, e no fim ainda ia casar a filha com um sobrinho rico. Sua irmã, Rebeca, já fazia parte daquela família. Se Raquel entrasse nessa também, quando Isaque morrese boa parte de sua gorda herança seria da família dele, Labão. Mas é claro que ele não ia deixar transparecer sua alegria com a proposta de Jacó:
— Hum… Casar com minha filha? Sei não… Bom, melhor entregar minha filha a você do que a outro vagabundo. Digo, a qualquer vagabundo. Beleza, negócio fechado.
E assim Jacó trabalhou de graça por sete anos para poder casar-se com Raquel, e esse tempo todo passou como se fossem poucos dias, de tanto que ele a amava.
Cumpridos os sete anos, Jacó foi falar com Labão:
— Tio, já trabalhei o tempo estipulado, agora falta o senhor honrar sua parte no contrato.
— Beleza, Jacó! Beleza!
Mas Labão ficara mal acostumado. Os lucros que obtivera com um jovem robusto trabalhando com entusiasmo sem pagamento algum eram bastante atraentes. E ele pensava em ter em sua família uma fatia maior ainda da herança de Isaque. Então chamou todos os homens do lugar e preparou um banquete. Todo mundo comeu e bebeu até cair pelos cantos. No fim da tarde, adivinhem o que Labão fez? Exatamente: entregou Léia a Jacó, aproveitando-se da bebedeira do sobrinho. Jacó levou Léia para sua tenda e mandou ver, claro. Deve ter gritado “Raquel, Raquel!” a noite toda, e a vesguinha lá, firme. De manhã, com uma ressaca desgraçada, Jacó olhou para o lado e levou um susto ao ver Léia olhando para ele, ou melhor, olhando para o outro lado da tenda, bom, vocês entenderam. Ficou puto, claro, quem não ficaria? Foi correndo falar com Labão.
— Ô, seu velho filho-da-puta! Que porra é essa? Então eu trabalho sete anos de graça para você, só para poder me casar com Raquel, e você me entrega a Léia? Tá querendo morrer?
Mas Labão era macaco velho:
— Jacó, Jacó, não é nada disso. Aqui na nossa terra o costume é casar a filha mais velha primeiro, então eu não podia casar Raquel antes de Léia.
— Porra, você teve sete anos para arrumar um marido pra vesguinha!
— E você acha que eu não tentei, Jacó? Ninguém quis a menina, tenha piedade! Vamos fazer o seguinte: Você cumpre a semana das bodas com Léia, e depois pode se casar com Raquel, desde que trabalhe para mim os próximos sete anos.
Jacó quis matar o tio ali mesmo. Mas era um homem apaixonado, coitado, e aceitou a sacanagem toda só para poder casar-se com a mulher que amava. E dessa vez Labão cumpriu a palavra (não era nem louco de não cumprir, se aprontasse mais o sobrinho lhe comia o fígado): depois da semana das bodas, entregou Raquel como esposa a Jacó, que em troca trabalhou mais sete anos para ele. E, claro, amou Raquel muito mais do que Léia.
Isso é que é amor, né não? O cara trabalhou catorze anos pela mulher! E a gente com preguiça até de mandar umas flores…