Sim, eu concordo com os críticos: ele é arrogante, pretensioso e vaidoso ao emitir suas opiniões sobre tudo quanto é assunto, ao compor coisinhas ininteligíveis cheias de citações obscuras, ao escrever artigos prolixos para os jornais. E também apóio o movimento “Caetano Veloso Lambeu Minhas Bolas”, da FTB (Fundação Tocadores de Berimbau), coordenada pelo Sr. Risadinha.
Mas não posso concordar com esses patetas que pensam que podem ignorar toda a obra de Caetano Veloso apenas com base nos grandes e irritantes defeitos do autor. De uns anos pra cá, virou coqueluche entre os detratores de Caetano ridicularizar a letra de A Luz de Tieta, tema do filme baseado no livro de Jorge Amado. É sempre a mesma história: “Caetano Veloso? Oras bolas, que talento tem um cara que escreve algo como ‘Eta, eta, eta, eta/É a lua, é o sol,/É a luz de Tieta, eta, eta’?”. Ah, como isso irrita! E pensar que a letra é belíssima:
Todo dia é o mesmo dia,
a vida é tão tacanha
Nada novo sob o sol
Tem que se esconder no escuro
quem na luz se banha
Por de baixo do lençol
Nessa terra a dor é grande
e a ambição pequena
Carnaval e futebol
Quem não finge,
quem não mente,
quem mais goza e pena
É que serve de farol
O refrão serve ao propósito de ser cantado em cima do trio elétrico, como pede o ritmo da música. O que nos leva a outro ataque que desferem contra Caetano: Ele se aproveitaria de modismos musicais para promover seus discos e shows. Nada tão imbecil: O Tropicalismo consistia nisso mesmo, na incorporação dos clássicos brasileiros à bossa-nova e à música estritamente comercial. Então quando Caetano Veloso canta “Um Tapinha Não Dói” no show, ou grava uma música em ritmo de axé, ou canta música brega, ele está apenas sendo fiel às suas origens. A coerência de sua carreira reside justamente nessas incoerências. Lúcio Ribeiro escreveu ano passado que só então Caetano Veloso descobrira o hip-hop, depois que a onda passou, e falava do rap como se fosse a última novidade. Pura desinformação: “Haiti”, do disco Tropicália 2 é um rap composto em 1991, portanto uma década antes. Outra coisa que o Lúcio Ribeiro faz questão de lembrar a todo tempo é o fracasso do último disco de Caetano, Noites do Norte, alardeando ser esse o fim de sua carreira. Ora, quando Lúcio ainda estava nas fraldas, Caetano gravou um disco chamado Araçá Azul, que ainda hoje detém o recorde de devoluções, de tão mal recebido que foi. O disco Muito foi outro fracasso estrondoso, e olhe que é nesse disco que estão clássicos como “Terra” e “Sampa”.
Bom, ainda há outros que dizem que Caetano Veloso está acabado, que já não compõe como antigamente, e apenas vive do próprio passado, das composições dos anos setenta pra trás. Para estes, nenhuma resposta melhor do que a letra de “Livros”, do disco quase homônimo (Livro), de 1997:
Tropeçavas nos astros desastrada
Quase não tínhamos livros em casa
E a cidade não tinha livraria
Mas os livros que em nossa vida entraram
São como a radiação de um corpo negro
Apontando pra a expansão do Universo
Porque a frase, o conceito, o enredo, o verso
(E, sem dúvida, sobretudo o verso)
É o que pode lançar mundos no mundo.
Tropeçavas nos astros desastrada
Sem saber que a ventura e a desventura
Dessa estrada que vai do nada ao nada
São livros e o luar contra a cultura.
Os livros são objetos transcendentes
Mas podemos amá-los do amor táctil
Que votamos aos maços de cigarro
Domá-los, cultivá-los em aquários,
Em estantes, gaiolas, em fogueiras
Ou lançá-los pra fora das janelas
(Talvez isso nos livre de lançarmo-nos)
Ou o que é muito pior por odiarmo-los
Podemos simplesmente escrever um:
Encher de vãs palavras muitas páginas
E de mais confusão as prateleiras.
Tropeçavas nos astros desastrada
Mas pra mim foste a estrela entre as estrelas.