Permitam que eu explique minha relutância em começar logo essa história de Sodoma e Gomorra. Primeiro, é um episódio confuso: Abraão vê três caras, e o narrador algumas vezes se refere a eles apenas como “os varões” e outras como “o Senhor”. Isso, é claro, tem dado nó na cabeça de teólogos das três grandes religiões monoteístas. Para uns são dois anjos e deus, para outros é deus se manifestando na forma de três homens, porque o cara é foda e pode se manifestar do jeito que quiser. Além da confusão, é uma história meio comprida, então vou dividir em partes.
Pois bem: estava Abraão sentado na entrada da tenda, por um lado criando coragem pra encarar Sara pelada (uma mulher de noventa anos, imaginem, e naquela época! Se fosse hoje, era capaz até de a Penthouse chamá-la para um ensaio, feito uma Dercy Gonçalves semítica, mas não naqueles tempos, que eram bem mais respeitosos) e tentar logo fazer o tal do filho que deus tanto prometia; mas no fundo torcendo para que deus olhasse bem para o ridículo da situação e dissesse: “Deixa isso pra lá, vem pra cá, que que tem, já tem o Ismael aí, fica ele e tudo bem”. Pobre Abraão, não tinha como saber que era mera vítima das Pegadinhas de Jeová…
Eis que ergueu os olhos e viu três homens embaixo de uma árvore. Como ele soube que se tratava de uma manifestação divina, ou de deus e dois anjos, ou de três anjos, não se sabe, mas correu pra lá pra dar aquela bajulada. “Ô, seus moços, fiquem aí um pouco, eu falo pra velha fazer um bolo, mato uma vitela aí e faço um churrasco, coisa rápida e vocês seguem viagem de barriga cheia, que é sempre melhor”. Os três aceitaram e lá foi o velho preparar tudo “Vai, Sara, faz um bolo aí que temos visita”. Sara fez o bolo, porque não é de hoje que os homens levam amigos pra casa sem avisar antes. Abrão ordenou a um criado que preparasse uma vitela, coisa fina. Tudo pronto, levou a refeição para os varões (não é o que vocês estão pensando com suas mentes poluídas, seus hereges).
Conversa vai, conversa vem, Abraão perguntando como andavam as coisas no céu, os caras perguntando onde tinha um lugar bom pra pescar por ali, essas coisas. Então perguntaram: “E a patroa, Abraão, cadê?”. “Ta ali, ó, na porta da tenda”. Então disse o Senhor (tão vendo? São três caras, e de repente muda e é o Senhor que fala, depois são os três, uma confusão): “Dia desses eu volto aí pra visitar o moleque de vocês que ainda vai nascer”. Ora, imaginem a Dercy, digo, Sara, com noventa anos ouvindo isso. A menopausa já tinha passado fazia muito tempo. E ela pensou: “Como é? Que que esses porras tão falando?”. Ah, não, isso seria a Dercy mesmo. Sara pensou: “Mas eu, com noventa anos, meu velho já nas últimas também, vou eu lá ter vontade de fazer menino com ele a essa altura do campeonato?”, e começou a rir (Vejam que naquela época todo mundo ria de deus, agora não pode mais, vai entender). E perguntou o Senhor (que são os três caras, ou um só, sei lá): “Que negócio é esse? Não se tem mais respeito? Sua mulher ri de mim assim, na cara dura?”. Sara, querendo dar uma de esperta disse que não tinha rido. “Por que ta falando isso agora? Eu vi você rindo”. “Não ri”. “Riu”. “Não ri”. “Riu”. “Não Ri”. Bom, percebendo que a conversa desse jeito ia longe, disseram os anjos: “Sara, ide à merda, eis que temos mais o que fazer além de ficar nessa discussão que mais parece diálogo do ‘Chapolim’”.
Começaram a se afastar, mas Abraão gostava de tomar intimidades e foi seguindo os caras. Porra, tava certo: Três anjos aparecem no seu quintal, comem da sua comida, brigam com sua mulher e depois saem sem falar o que estão fazendo por aqui? Ah, não, inaceitável! E Abraão foi atrás e perguntou o que tava rolando. Os três se olharam, pensaram, e resolveram contar: “Andam falando barbaridades de Sodoma e Gomorra. Dizem que nessas cidades ninguém segura a putaria, tá uma zona aquilo. Então viemos pra ver, se for verdade eles tão na roça, se não for a gente já fica sabendo”. E retomaram o caminho.