“Ler significa aproximar-se de algo que acaba de ganhar existência.”
Ítalo Calvino, em “Se Um Viajante Numa Noite de Inverno”, de 1979.
Sócrates, que Zeus o tenha!, não gostava da escrita. Achava que emburrecia. O argumento era simples: preguiçosos de nascença, os homens acabariam contentes em admirar, decorar e repetir. Um exército de papagaios com as mãos em prece. Curvados diante da esperteza de alguns, os quais tiravam da cachola e das experiências de vida os mais diversos pensamentos. E tinham coragem para registrá-los.
Sócrates —– assim como Buda, Jesus e Gilda (um traveco conhecidíssimo das ruas curitibanas da década de 80) —– desconfiava que livros acabariam com o poder de discernimento da galera. Acabou bebendo cicuta, mas enxergava longe. Previu, quando a última moda era pergaminho de pele de carneiro, algo que só viria a se concretizar com os zeros e uns dos bits e bites.
O problema, talvez, não seja a escrita. Mas os leitores. Explico: não adianta essa história de blog-escarafunchando-as-entranhas-do-eu-que-habita-em-mim se não há intimidade real.
PARÊNTESES: Aos mais assanhados, recomendo o famoso “peraí, não acabei”. FECHA PARÊNTESES.
Intimidade é mesmo um negócio bacana, conquistado devagarinho (ou não), a partir de experiências comuns (ou não), palavras ou gestos (ou não). Eu e o Gil —– que muitos conhecem como Marco Aurélio, Marcurélio, Negão e sabe-se lá mais o quê —– conseguimos isso. Amizade enorme, incondicional. Da boa. Sem teclado.
Tá certo que foi em outros tempos, pré-história da Internet e tal. Mas iria rolar de qualquer jeito. Pq? Pq há pessoas que nasceram pra estar na vida da gente.
Uma foto quer dizer muito pouco —– posso ouvir Cartier-Bresson revolvendo-se no túmulo. Foda-se, ele roubou marfim por muito tempo pra eu ter pena de seus cultuados ossos. É o caso. Não se fiem por aquele post ou mesmo por este texto bobo, escrito em um cibercafé à meia-noite de sexta pra sábado. Com o namorado, o Marcos, por perto (não sou besta de entregar o ouro facilmente, hehehe).
Vem à mente outro exemplo. Muçulmano esclarecido traduz a primeira ordem do Alcorão como “Lê!”. Os outros 95% insistem em dizer que o significado é “Recita!”. Your choice. Your chance. Your mind.
Em suma, dileto leitor, se quiser saber quem sou, não pegue a curva da Estrada de Santos. Comece pelo básico. Mulher, quase balzaca, rocambolesca, com TPMs que podem se estender por meses, um casamento desfeito na bagagem, um namoro engrenado na outra mão, mãe da menina mais linda do mundo, jornalista de economia que gosta de filosofia e outras “ias”, literatura, cinema, computador, música boa e música brega, fliperama, quadrinhos, filme cabeça e filme de porrada (principalmente os feitos à base da macheza, sem tiro nem facada, só nos kung-fu da vida), sapatos de salto, botas (ai, botas!), cabelo tingido, unha de esmalte claro, manguaça boa. Por aí vai.
A gente se fala. O mundo a Deus pertence, o mundo é um moinho, o mundo… somos nós. Ou não.
Beijos,
Jana
PS: Gil, eu te amo. E tô com saudade, meu amigo. Lembra daquela vez que vc mandou uma carta dizendo que eu era um anjo? Mentira. Tô a maior diabona da paróquia.
PS2: Eu adoro PS. Sem PS as cartas perdem o sentido.