A menor máscara do mundo

— Sabe o que é isso aqui? — Mateus tira o nariz vermelho da gaveta e o mostra para a própria imagem no espelho — É a menor máscara do mundo.

Ele põe o nariz e sorri. Faz cara de choro. Faz careta. A maquiagem está ótima.

— Quem eu sou, o que eu penso. Meu CPF, minhas dívidas, meus vícios. Tudo isso escondido atrás dessa bolinha vermelha. Engraçado, né?

O reflexo olha. Pituco tomou o lugar de Mateus.

— Já volto — diz Pituco. — Vou buscar o Treze.

Ele sai. É uma manhã nublada, triste. Mas o palhaço tem compromissos. Uma festa infantil. Locução e palhaçadas na porta de uma loja no Centro. E… só. As pessoas não buscam mais os palhaços como antigamente. “Muita gente hoje em dia tem medo de palhaço”, ele pensa, e suspira.

A festa é aquilo de sempre. Cambalhotas. Mágicas. Doces. Nem sinal do Treze. A festa termina, Pituco recebe seu dinheiro, agradece. Entra no carro. Na esquina seguinte, para num semáforo. O motorista do carro ao lado pergunta onde estão os outros.

— Que outros?

— Palhaços, pô! Carro de palhaço, deve ter pelo menos uns quinze aí dentro, né não?

Pituco dá uma risada falsa. Olha para o carro. Um carro daqueles populares, como o de Mateus, como tantos outros. Todos igualmente sem graça. No banco de trás, um menino de uns 7 anos. Ele nota que Pituco olha e mostra o dedo do meio. Pituco sorri. É o Treze.

O coração do palhaço dispara. “Calma”, ele pensa. “Muita calma”. Respira fundo, faz uma breve oração pedindo calma. Tira o nariz por um instante para enxugar o suor,

[não pituco por favor não não não]

põe o nariz de volta. Mateus covarde. O sinal abre, o carro ao lado avança com uma buzinadinha camarada. Pituco acena, conta até três, vai atrás.

Está com sorte. O carro embica numa casa duas quadras à frente. O portão é baixo. Bom. Casa térrea. Melhor ainda. Pituco manobra, vai embora. Ainda é cedo. Além do mais, ele tem outro compromisso. E mais tarde tem que passar em casa. Limpar o quartinho, verificar as correntes e o isolamento acústico, alimentar o Doze.

Amolar as facas.

O Doze… Amanhã ele será história, uma lembrança que foge rapidamente, um fardo com pedras nos bolsos no fundo de um rio. Ele já imagina os próximos dias com o Treze. E sorri.

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