Merecidas férias

Eu nunca entendi esse negócio de correr. As pessoas dizem “Vou correr no fim-de-semana” e eu me espanto: correr de quê? Atrás do quê? Vão correr por correr? Mas que coisa mais estúpida! Não entendo, não aceito. No entanto, sempre me garantiram que era bom para a saúde, que o sedentarismo da vida moderna nos leva à cova (ou à urna no aparador da lareira, para os mais afortunados) antes do esperado. Sempre me calava ante esse argumento, mesmo porque as pessoas o diziam com um olhar de desdém dirigido à minha barriga cuidadosamente cultivada.
Calava-me, sim, mas agora creio ter encontrado um contra-argumento imbatível. Para começar, vejam a figura (cliquem para ampliar, por favor):


Pois muito bem, vamos começar pelo simpático Australopithecus anamensis nosso primeiro tataravô a descer das árvores. Chamemo-lo Aristeu. Aristeu desceu da árvore enquanto seus irmãos gritavam “Não! Não! Volta, maluco” lá do alto. Ele era um explorador, porém, e desceu. Botou os dois pés e as duas mãos no chão. Depois, tentando obter uma postura mais ereta, espreguiçou-se e respirou fundo o ar da pradaria. Foi nesse momento que veio o tigre-de-dentes-de-sabre e o mandou pra dentro da pança, que é essa a lei da selva.
Somos teimosos desde o início, porém: Adão, irmão mais novo de Aristeu, queria fazer o mesmo apesar do fiasco do primogênito. Esperou um tempo e, quando se sentiu pronto, desceu da árvore e nem olhou em volta: saiu logo correndo para a árvore mais próxima. Os outros o seguiram, e assim começou nossa história de correria.
Porque, vejam, em quase cinco mihões de anos a situação mudou pouco. A árvore genealógica da espécie foi lançando seus ramos, e o habitante de cada um deles continuava correndo dos predadores. A criação de utensílios, instrumentos e armas foi um passo importante, porque pudemos começar a caçar outros animais, mas será que isso foi bom? Além de correr dos predadores, agora nos impúnhamos a tarefa de correr atrás da caça. E tome correria para lá e para cá.
As armas foram se sofisticando e nossa habilidade para a caça se aprimorando conforme o cérebro crescia, até chegar ao ponto em que não precisávamos mais nos preocupar tanto com os predadores. Começamos a morar em palafitas, abandonando o nomadismo que vinha desde as cavernas, e desenvolvemos a agricultura. Mais esforço: sair para caçar, depois ajudar o vizinho a construir sua palafita, depois arar a terra, semear, colher. Só trabalho, trabalho, trabalho.
Essa rotina de esforço físico nos perseguiu desde o começo. O Homo habilis não lhe escapou, nosso malfadado irmão de Neanderthal também não, e mesmo nós, orgulhosos Homo sapiens, vivemos boa parte de nossa curta história (o pedacinho vermelho do topo da árvore) nesse corre-corre de caçar, pescar, plantar e construir.
Entretanto, o desenvolvimento da tecnologia não parou quando descobrimos que polir pedras era melhor do que lascá-las, muito pelo contrário, de maneira que hoje boa parte dos humanos pode viver sem qualquer esforço físico. Essa situação é recentíssima mesmo se considerarmos apenas a Era Contemporânea: o sedentarismo, que no século XIX seria privilégio da nobreza, do clero e de um ou outro comerciante, hoje está ao alcance de qualquer mané que se disponha a botar uma gravata ao redor do pescoço e sorrir abobalhadamente para todos. E quando isso começou? Eu diria que há uns cinqüenta anos. Se considerarmos que cinco milhões de anos se passaram desde que Adão desceu da árvore, podemos dizer que trabalhamos 8.300 anos para ter, enfim, um mês de férias.
Não venham, portanto, criticar meu sedentarismo: meus antepassados trabalharam muito para que me fosse possível passar o dia inteiro sem fazer qualquer esforço físico. Sair por aí correndo, levantando peso, praticando esportes, seria como cuspir na linha evolutiva de minha espécie.

24 comments

  1. Nossa com um argumento desses eu até to pensando em cancelar a academia também, mas uma pergunta, correr pro bar nos fins de semana para tomar cerveja é esforço fisico?

  2. Fazer exercícios realmente nunca fez bem mesmo a ninguém. Veja o exemplo da minha avó.
    Quando ela tinha 80 anos, o médico mandou ela caminhar dois quilômetros por dia, hoje ela tem noventa anos e ninguém sabe onde ela está….

  3. Concordo em partes.
    Correr por correr ou malhar por malhar é realmente algo inútil.
    Assim estamos transformando nosso corpo no fim, sendo que ele deve nos servir e não o contrário.
    Se for fazer atividade física escolha algo que te faça aprender uma coisa nova, como natação, artes marciais ou bolinha de gude.

  4. eu naum acho q ele desceu por curiosidade, acho q ele desceu pq estava entediado, de saco cheio de ficar segurando num tronco o dia inteiro sem fazer nada a naum ser descarcar frutinhas. E algum dia, um dos seus descendentes vai olhar pra propria pança, pensar: “q chatisse” e descer da rede enquanto o populacho o discrimina: “não, não! volta maluco”

  5. Concordo plenamente, acho também que nosso inchaço abdobnal deveria ser considerado como um atributo a mais para a seleção do sexo oposto, visto que uma grande reserva de gordura significa uma farta quantidade de alimentos, o suficiente para a garantia de uma boa prole. abraços

  6. pois é, usamos oq temos em mãos( ou na barriga). gordo convícto e conformado que é, tem mesmo é que se valer de todo dom da retórica recebido por Javé e defender-se desses altletas traidores de Darwin. mto bom o texto

  7. Prezado senhor,
    Comunico-lhe que deixarei de usar a seção PROFETAS em protesto a não atualização do link referente ao Malvados, haja vista que já havia requisitado a V.Sa. a atualização do mesmo. Sendo assim, requisito a devolução de R$ 49,40, referente a mensalidade já paga do mês de 03/2k5 do uso de serviço de links de sua renomada empresa.
    Sendo só para o momento,
    Namaste.
    Duprevênio Lamprajelba.
    P.S.: Saudades de você, seu puto!

  8. Eu corro quase todos os dias…no começo foi ruim, ainda é chato, mas eu preciso correr para me sentir bem…viciou geral…..sou meio neurótica, e correr livra minha cabeça de pensamentos obsessivos por 12 minutos

  9. Ah, sentadinho aqui estou mais seguro… Correr pra que? Ah sim, correr risco de ser assaltado, atropelado, tropeçar, distender algum músculo, e muito mais!
    Férias já! Hehehe.

  10. Hum… Sabe que eu gostei? é verdade que hoje em dia não vale a pena correr: você pode correr mais rapido que uma bala de revolver? não… a caixa de lazanha congelada se esconde debaixo da gondola do supermercado quando você aparece? não…
    Cara, você tem razão… Acho que devemos fazer a Desmaratona de São Silvestre.

  11. Fantástico! Deu até uma vontade de ir pra casa tirar um cochilo.
    Mas, Marco Aurélio, o sexo feminino precisa continuar essa entediante tarefa de cuidar do corpo. Afinal, eu quero continuar comendo bundinhas malhadas.

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