Momento de louvor?

No começo deste ano, fiz uma série de posts com o título de Momento de louvor, cujo conteúdo consistia simplesmente numa letra de Chico Buarque acompanhada por uma outra de Marcelo Camelo (aqui, aqui e aqui). Isso surgiu primeiro porque o Credo ali do lado era: “Só Chico Buarque é deus, e Marcelo Camelo é o seu profeta”. A idéia real, porém, era mostrar como há um mesmo clima nas composições de ambos, mas é claro que logo surgiu quem me acusasse de querer comparar os dois. Ora, não haveria nada de mais absurdo: aos 27 anos, Chico Buarque já havia feito o disco Construção; Marcelo Camelo ainda está muito longe disso. O fato, porém, é que a influência é inegável. E, com tanta influência voando por aí, temos que agradecer aos céus pelo Camelo ter escolhido direitinho.
Bom, o negócio é que eu estava ouvindo Los Hermanos ontem e reparei que havia deixado passar duas músicas que guardavam muitas relações com outras do Chico. Aí vão elas:

A voz do dono e o dono da voz

Até quem sabe a voz do dono
Gostava do dono da voz
Casal igual a nós, de entrega e de abandono
De guerra e paz, contras e prós
Fizeram bodas de acetato – de fato
Assim como os nossos avós
O dono prensa a voz, a voz resulta um prato
Que gira para todos nós

O dono andava com outras doses
A voz era de um dono só
Deus deu ao dono os dentes, Deus deu ao dono as nozes
Às vozes Deus só deu seu dó

Porém a voz ficou cansada após
Cem anos fazendo a santa
Sonhou se desatar de tantos nós
Nas cordas de outra garganta
A louca escorregava nos lençóis
Chegou a sonhar amantes
E, rouca, regalar os seus bemóis
Em troca de alguns brilhantes

Enfim, a voz firmou contrato
E foi morar com novo algoz
Queria se prensar, queria ser um prato
Girar e se esquecer, veloz

Foi revelada na assembléia – atéia
Aquela situação atroz
A voz foi infiel trocando de traquéia
E o dono foi perdendo a voz

E o dono foi perdendo a linha – que tinha
E foi perdendo a luz e além
E disse: Minha voz, se vós não sereis minha
Vós não sereis de mais ninguém

(O que é bom para o dono é bom para a voz)

Chico Buarque

Cadê teu suín-?

Cadê teu repi
Quem é teu padri
Onde é que tu to
Cadê teu suin
Guitarra não po
Desista mole
Quem é que te indi
Cadê teu suin

Com que sobreno
Melhor ir sain
Dou nem mais minu
Tô nem mais
Ainda tem a cora
Gentinha atrevi
Da cá sua vi
Da cá seu suin
Guilhotina?
Eu que controlo o meu guidom
Com ou sem suin
Com ou sem suin
Com ou sem suin

Guichê só de ven
Da lá toma no
Tamanha revan
Cheio de vingan
Santinha cecili
Andou me esquecen
Dou rima por p
Hão de ter o suin

Acerta esse tom
Zera essa reza
Aumenta o vo
Calma com o andamen
To insatisfei
Tomara que venh
Aquele refr
Hão de ter o suín

Marcelo Camelo

Agora falando sério

Agora falando sério
Eu queria não cantar
A cantiga bonita
Que se acredita
Que o mal espanta
Dou um chute no lirismo
Um pega no cachorro
E um tiro no sabiá
Dou um fora no violino
Faço a mala e corro
Pra não ver banda passar

Agora falando sério
Eu queria não mentir
Não queria enganar
Driblar, iludir
Tanto desencanto
E você que está me ouvindo
Quer saber o que está havendo
Com as flores do meu quintal ?
O amor-perfeito, traindo
A sempre-viva, morrendo
E a rosa, cheirando mal

Agora falando sério
Preferia não falar
Nada que distraísse
O sono difícil
Como acalanto
Eu quero fazer silêncio
Um silêncio tão doente
Do vizinho reclamar
E chamar polícia e médico
E o síndico do meu tédio
Pedindo para eu cantar

Agora falando sério
Eu queria não cantar
Falando sério

Agora falando sério
Eu queria não falar
Falando sério

Chico Buarque

O pouco que sobrou

Eu cansei de ser assim
Não posso mais levar
Se tudo é tão ruim
por onde eu devo ir?
A vida vai seguir
Ninguém vai reparar
Aqui neste lugar
eu acho que acabou
Mas eu vou cantar pra não cair
fingindo ser alguém
que vive assim de bem
Eu não sei por onde foi
Só resta eu me entregar
Cansei de procurar
o pouco que sobrou
Eu tinha algum amor
Eu era bem melhor
Mas tudo deu um nó
e a vida se perdeu
Se existe Deus em agonia
manda essa cavalaria
que hoje a fé me abandonou

Marcelo Camelo

Os mais espertinhos já devem ter notado que eu já me utilizei de O pouco que sobrou uma vez, colocando-a ao lado de Gota d’água. Eu nem lembrava, só fui ver agora. Acho que o fato de no começo deste ano achar que a letra do Marcelo Camelo falava de amor, e de agora ouvi-la pensando em questões existencias e coisa e tal, só demonstra o quanto eu consegui mudar (para pior) em tão pouco tempo. Eu tinha algum amor / eu era bem melhor.

2 comments

  1. Pois e, eu amo de todo meu coracao o velho Chico. Estou comecando a conhecer bem Los Hermanos agora (ha uns 4 meses, vai). De bom, acho que fica o que vc falou. Antes eles se inspirarem no Chico do que fazerem como outros por ai.
    Beijos.

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