Acne

“O presente é tão grande, não nos afastemos.
Não nos afastemos muito, vamos de mãos dadas”

(Carlos Drummond de Andrade – Mãos Dadas)

“Lembro, Pedro, aqueles velhos dias
quando os dois pensavam sobre o mundo
hoje eu te chamo de careta
e você me chama vagabundo.”

(Raul Seixas – Meu Amigo Pedro)

Amizade real é como acne: uma doença que aflige a todo mundo na adolescência, e depois some sem deixar rastros. Insistir em manter as amizades da adolescência é algo doentio, parecido com ter saudade das espinhas purulentas. E no entanto eu, que nunca tive espinhas, insisto nessas amizades. Telefono vez em quando, mando e-mails sempre. O que encontro do outro lado é invariavelmente um mundo estranho a mim: a vida adulta, as preocupações de gente grande, o apartamento, o casamento, os filhos. Comparando minha vida com a dos velhos amigos, sinto-me cada vez mais patético: eles transpuseram a muralha da maturidade, enquanto eu continuo do lado de cá, e achando aquilo tudo muito estranho e alheio a mim. Casamento? Sou muito novo para isso!, e me esqueço que quase trinta anos de vida já foram pelo ralo. Eles têm lá seus empregos, uns são promovidos, chegam a gerentes, metem-se nas trincheiras da política corporativa. E quanto a mim? Escrevia quando adolescente, escrevo ainda. No trabalho não me empenho: não faz o menor sentido para mim, o trabalho. Eu seria menos patético se exibisse meu rosto — já meio velho, coitado — crivado de erupções.
E agora até a pobrezinha da Ana Julia entra na dança:
— Minha sobrinha nasceu, venha vê-la!
— Minha sobrinha já está com um mês e você ainda não veio visitá-la. Venha, venha!
— Ana Julia está com quatro meses, rapaz! Sorri o tempo todo, vive observando tudo, tá linda demais. Você precisa passar lá um dia desses…
Sinto-me como a mulher que pede esmolas no metrô com uma criança no colo, esperando que isso desperte a compaixão de quem olha. Mas não dá, não dá! O piso do apartamento, a decoração da igreja, o DJ da festa, tudo isso lota a agenda dos velhos amigos. E eu, que nunca tive agenda (não para anotar compromissos, pelo menos), olho e não compreendo: então é isso a amizade na vida adulta? Apenas um crachá que se espeta no peito de certas pessoas, “Este é meu amigo desde o segundo grau, aprontamos cada uma!”?
Para quê?

34 comments

  1. Po, cara, eu entendo você. Digamos que eu tb estou me sentindo assim. Outro dia fiquei pensando, as amigas mais chegadas casaram e só saem de casa com os bobos dos maridos. Os amigos que eram casados, com quem saia pra um cineminha e tal, agora que se separaram só saem com as namoradas… Mas que coisa! Depois brigam e correm ao telefone, lembram-se dos “sortudos” solteiros… risos.. só rindo muito disso!

  2. amigo marco, sabe que concordo contigo?
    a diferença é que os meus amiguinhos da “adolefência” cravaram punhais na minhas costas quando fui lutar pela sobrevivência.o motivo desconheço, não sou e nunca fui de péssimo caráter. sempre fui uma grande amiga, pode crê….
    hoje, acredito que os amigos de verdade a gente encontra na maturidade.

  3. Marco, concordo com você em parte.
    Apesar das vidas se afastarem, se cada um fizer um pequeno esforço a amizade consegue continuar, não a mesma amizade, mas amizade de toda forma.
    A maioria das minhas amigas estão casadas e com filhos… enquanto eu, beirando os 30, vivo “em pecado” com um fariseu há 4 anos e ainda digo às pessoas que é meu namorado. Me sinto uma estranha…

  4. sabe o que eu tenho percebido com grande tristeza? que amigo é aquele que te procura quando precisa de alguma coisa e que não atende o telefone com medo que você vá fazer o mesmo.
    e pensar que eu só queria ter notícias.
    não sei mais se eu quero ter amigos.

  5. O que eu fico mais indignado é que eu cuspia na cara de quem tinha a tal “maturidade” ou de quem queria tê-la, e hoje me pego fazendo as mesmas coisas…Minha vida tornou-se a mesma repetição patética que eu sempre abominei quando era mais novo…

  6. A vida é assim mesmo. As pessoas mudam muito. As vezes é muito, muuuuuito estranho. De repente você percebe que aquele amigo que no passado tinha tantas coisas em comum não parece mais em nada com você. Ou alguns simplesmente somem. Enquanto isso continua aquele vai e vem de pessoas na vida da gente. Praticamente todos os dias pessoas aparecem e somem. E eu nem mesmo sei se consegui me acostumar com isso ainda.

  7. Marco Aurélio, ou xará,
    Segundo o Dicionário Houaiss AMIZADE é um “sentimento de simpatia (por alguém não necessariamente unido por parentesco ou relacionamento sexual), e, mais, é “reciprocidade de afeto”. Diz respeito ao “relacionamento social”, bem como nossa “atitude ou gesto de benevolência, de complacência”.
    Então, não tem problema querer ser “Peter Pan”. Amadurecer é aceitar que se quer permanecer “criança”, ou “voltar a ser criança” (como mandou o Mestre). Logo, é possível, sem entrar no “mundo estranho, do outro lado”, ter uma atitude amadurecida de manter as velhas amizades, aceitando as diferenças de todos, e entre todos, com simpatia e benevolência, mesmo que seja apenas pelo aspecto do relacionamento social.
    Tenho certeza que a Ana Júlia irá adorar tua manifestação de amizade, e tu, mais ainda, quando receberes em reciprocidade, o sorriso dela como manifestação de amizade, mesmo que por pura benevolência dela para contigo.
    Abraços,
    Marco

  8. Meus amigos mais presentes e mais crianças, como eu, conheci adulta. Ou bem criança mesmo: fomos criados juntos e somos todos muito unidos. Os da adolescência, é um “oi, como é que você está? Nossa, quanto tempo faz” e só.
    Eu passei pro lado de cá da muralha há quatro anos, Marco, mas insisto em manter um túnel aberto entre os dois lados. Não quero deixar de viver e passar apenas a existir… mas eu sou assim, alguns “amigos” não são. É por isso que hoje são tão poucos.
    Beijos, adorei o texto e fiquei emocionada, de verdade.

  9. sei lá que muralha é essa que todo mundo tá falando…maturidade é uma palavra grande demais pro meu vocabulário. Minha vida toda até finge que eu sou mais madura mas confesso que só tive sucesso amadurecendo a embalagem, por dentro ainda vou descalça na padaria comprar Chicabom e também me fio nos meus sobrinhos quando o assunto é criança.
    A gente pode abrir um clube Marcuaurélio…

  10. Amei o seu blog… Nem sei o que dizer, me deixou sem palavras!!! Irei te adicionar no meu blog assim meus amigos tbém apreciaram. Aguardo visita. Quanto aos amigos ele são os nossos tesouros ele vão e voltam. São como os passaros, sempre votam pro ninho. Permita-me parabenliza-lo pelo belo trabalho.

  11. Acredite! Hoje tenho mais de 30 e passei por algo semelhante a 10 ou 12 anos, pois os amigos que cultivei estavam com uma vida tão diferente da minha que acabaram se afastando. Muitos dos que conheci neste s 10 anos acabaram se afastando devido a nossas vidas não terem mais muita coisa em comum (emprego, endereço, estas obviedades), mas outros continuam amigos apesar da distância física. Mantenho uma amizade firme a quase 3000 quilômetros (ele aí em Sampa e eu aqui no no Nordeste), além de outras. Admito que não é a mesma coisa, como estar disponível para o fim-de -semana e algo assim, mas entre mortos e feridos, tenho mantido algumas amizades. Não esquenta, pois aqueles que casam se veem em uma rotina tão, extenuante e rotineira (porra!) que acabam não se permitindo muito tempo livre para certas coisas tão “banais”, como tomar uma cerva na padaria com um amigo com a frequencia que ele gostaria. Mas acho que é só administrar isso. Os amigos, se realmente o são, não te largaram. Apenas precisam administrar melhor o tempo

  12. É por essas e outras, que com 43 anos, só tenho uma amiga (20 anos de amizade verdadeira), e como é verdadeira me basta somente essa.
    Beijim.
    Ará

  13. Sabias palavras!
    Sou adepto à teoria (minha mesmo) que algumas pessoas levam mais tempo para amadurecer. Bem, isso foi a uns 6 anos atrás. Agora tenho uma nova teoria: Algumas pessoas simplesmente não amadurecem! Casa, filhos, emprego, posição social… nada disso faz muito sentido. É quase como um Kiwi. Por dentro tá sempre verde. E as amizades? Bem, são como as folhas: Nascem, se desenvolvem e caem enquanto você fica ali, verdinho, verdinho…

  14. Eu entrei aqui pra avisar que tinha recebido um e-mail com esse texto, de um velho jovem amigo e ele é o MAX!!! (creio que este aí de cima)
    haha.. que legal
    Obrigado JMC pela graça alcançada.

  15. Marco, eu me aproximo de você por, além da frágil condição de ser humano e dos anos que não sei quantos tenho pra viver ainda, sentimentos como esse.
    Eu queria ter escrito isso: também tenho uma sobrinha linda e estou espetada feito crachá no peito de algumas pessoas.

  16. Muito poético. Não tenho nem 25, mas tenho uma filha de quase 5… E a única companheira que possuo, é a solidão. Meus amigos além de terem amadurecido, também estão distantes – no sentido amplo da palavra. Acho que você deveria arranjar mulher ou comprar um cachorro (o que der menos trabalho).

  17. Eu tbm esqueci de crescer… Amigos todos casados, ou praticamente. Planejando filhos e tudo. Trabalhos estáveis, abrindo empresas, morando sozinhos, e eu ainda nem consigo me livrar da maldita faculdade, solteiríssima, fico completamente deslocada nas reuniões regadas de casais…
    Beijos

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