Outra vez no Morrão

A maravilhosa vista. A construção verde no centro é a fábrica da Panco, antiga Seven Boys. Estão ainda na foto a minha casa e a do Maguila, única celebridade da região.


Hoje o menino — chama-se Rubens — veio me mostrar sua bicicleta. Disse que deu cinco reais “pro ôme”, e ele lhe deu a bike. Estava toda quebrada, o pai consertou. Sentada no banco ao lado estava uma senhora de uns setenta anos. Claro que a velha puxou assunto comigo, velhos gostam de mim:
— Esse menino é doido! Olha como corre com a bicicleta, é perigoso ser atropelado, ou cair lá embaixo. A mãe não cuida, tá lá dentro, deitada. Só véve deitada.
— A senhora é avó dele?
— Sou sim.
— E a mãe dele é sua filha?
— É não. — aqui ela tapou a boca com a mão esquerda para dizer em tom de confidência — Ela é amigada. Mora com…
Aqui a velha levantou dois dedos da outra mão. Entendi que a morena tem dois homens. Achei justo: queria ver quem é que dava conta daquilo tudo sozinho.
— Ah…
— Então eu fico aqui cuidando dos meninos… Ó lá a irmã dele chegando. Tadinhas dessas crianças…
Nisso o moleque já estava dando voltas de bicicleta pela calçada. Enquanto ele pedalava, parando às vezes para me explicar por que sua bicicleta é tão veloz, a avó continuava:
— Um dia eu ainda dou uma paulada na canela dela, quebro-lhe a perna.
— Sei… — assustado.
O garoto perdeu o controle e bateu num arbusto florido. Chorou um pouco, depois veio trazendo uma flor feia.
— É pra minha mãe.
— Essa aí tá murcha — disse a avó, levantando-se para pegar outra. Enquanto escolhia uma flor mais vistosa, continuou — Quando eles vieram pra cá fizeram de tudo pra gente ir embora. Mas eu não vou, ora! Aqui é minha casa. Sabe? Logo que eles chegaram esse homem que mora com ela quis bater no meu marido.
— Nossa.
— Pois é. Mas eu não deixei. Deixei nada! E venha ele me encher o saco pra ver o que acontece. Pego assim — fez o gesto de quem destronca a cabeça de um frango — torço o pescoço dele e jogo aqui do barranco.
— Hum.
— Eu não sou daqui, sabe? Sou daqui não. Sou de Guaratinguetá. Vixe, ali é o povo mais ruim que existe, o mais ruim! E eu nasci lá. Aprendi a ser assim também, né?
— Pois é.
— Torço o pescoço e jogo do barranco. Vem ele mexer comigo, quero ver!
— É… Olha, eu vou ali. Preciso trabalhar.
— Ah. Trabalha onde?
— Trabalho em casa.
— Ah, assim que é bom. Vá com Deus, meu filho.
— A-Amém.
Voltei pra casa com medo da velha. Mas amanhã eu volto, é claro.

O escadão maldito

39 comments

  1. Rapaz, cuidado nessa onda de se meter com mulher dos outros que já têm filho de um terceiro, pra pegar uma “sogra de adoção” pra lhe torcer o pescoço. A menos que você seja o presidente, invente uma guerra qualquer e despache os dois maridos de “dona flor”, juntamente com a sogra braba para o Front…

  2. Eu acho um barato esse tipo de pessoa que nunca te viu mais gordo e já vai contando a vida inteira pra você. O mês passado, meu marido e eu precisamos viajar até Albuquerque, uma cidade que fica à 6 horas de carro, de onde moro. Na estrada, havia uns 2 quilômetros em construção e nós, sortudos, é claro, chegamos naquele trecho bem na hora que os carros que vinham na direção contrária, estavam seguindo o carro-guia. Bom, a mulher que controlava o trânsito, com a plaquinha de STOP, embaixo de um sol de lascar (uns 39ºC), se aproximou do carro e começou a puxar conversa. Depois de uns 20 minutos, ela já tinha nos contado a vida inteira dela e do marido, até o quanto ganhava para ficar parada ali 12 horas por dia… Agora me diz: isso é que é tédio, não?
    Beijocas, Be.

  3. Nossa, que espaço gostoso! Já tá nos meus favoritos. Li vários posts, e já espero pelo próximo “capítulo” da novela “O Morrão”. Essa velhinha violenta tá a fim de vc, eu garanto. Seria legal receber uma visita tua na minha “casinha”… Até a próxima!

  4. Desde o ano passado q visito seu blog (sempre q posso) mas hj resolvi comentar:
    PS: Não consegui comentar no blog, por isso mando este e-mail… Não sei se o problema está no meu computador ou no seu blog.
    Engraçado,como um homem que é capaz de escrever isso aí embaixo, pôde ser tão retraído (no bom sentido) nesses dois diálogos?
    Imaginei a cena e te vi sentado no banco com as mãos entre as pernas e atento a tudo, como alguém q não é desse mundo e só faz estágio aqui na terra. Veio só observar os costumes dos meros mortais.Acho que fora daqui do seu blog vc é meio ET.
    Olha só:
    Marco Aurélio em seu planeta JMC:

  5. Posso levar seu coração comigo?
    A pergunta foi feita à queima-roupa, e o pegou de surpresa. Ele quis explicar que bem que gostaria, mas acontece que seu coração estava dormindo, e não sabia se seria um bom negócio acordá-lo agora. Porém, quando ia falar, viu que o danado do coração já estava encarapitado no ombro dela, olhando-o com aquela cara de “Deixa, vai…”. Então apenas respondeu:
    — Leva, ué.
    O coração deu uma pirueta de alegria.”
    Um mestre no que diz respeito a atrair olhares e mentes p seu blog.
    Agora, no mundo dos normais:
    — A senhora é avó dele?
    — E a mãe dele é sua filha?
    — Ah…
    — Sei… — assustado.
    — Nossa.
    — Hum.
    — Pois é.
    — É… Olha, eu vou ali. Preciso trabalhar.
    — Trabalho em casa.
    — A-Amém.
    Curioso, pertinente, reservado e tímido.
    “Preciso trabalhar.” Vc não consegue ficar muito tempo longe do seu mundo não é? É mais gostoso.Mais acolhedor.
    Pô, só pq foi minha primeira vez deu bode, tive q colocar em duas partes…

  6. Bem. Eu tinha resolvido dar uma de criança e me retá com esse blogueiro que atende pelo belo nome de Marco Aurélio, pelo fato do digníssimo ter me chamado de PORRA e CHATA.(ahhhh)
    Mas, depois destes dois incríveis posts resolvi ser mais cara de pau e retomar a minha chatisse de sempre. Prometo (mão no peito) solenemente que vou me controlar mais.
    Tira uma foto desse tal de Morrão aí Marco!
    Beijos de sua fã INCODICIONAL.
    NOTÍCIA:
    FALTAM 28 DIAS PARA O BENDITO AÍ CHEGAR NA BAHIA…

  7. Saudações Onanista Geriátrico!
    Acho bom vc exercitar as artes da conquista… Vai que um dia te “sobe a cabeça” e você dá um kreu na velha! HIEAhiahiHAiaIH….
    Beijundas!

  8. Hahahah Marquinho, dessa vez eu realmente PASSEI MAL de tanto rir. Fico imaginando você, a velha, o garoto… o texto tá maravilhoso, vc tá escrevendo pra caralho (tá, isso já nem é mais novidade, né, menino?).
    Só não entendi muito bem cadê, afinal, o pai do moleque. Loirice depois de um dia inteiro de translation é fueda. Mas no próximo texto eu entendo, tenho fé!
    Beijos e saudades,

  9. A vó do garoto sabe que a “nora” tem dois homens e um deles, que não é filho dela, quer bater em seu marido?
    Uau! mais Rodrigueano impossível!

  10. Você sabe que eu morava quase na sua esquina (tá, uns quarteirões mais pra frente, mais pra periferia), mas, ah!, a fábrica da Seven Boys… putz… :’)
    E eu já subi esse escadão.
    A fábrica… 🙂
    Seu puto.

  11. velho, aqui perto de casa tb tem morrão, escadão e paisagem pra se olhar lá de cima. mas não tem mãezona gostosa! só uns nóias no meio do escadão.
    tá bem legal esse seu cotidiano no morrão… dá um jeito de tirar uma foto da carnuda, tipo camera escondida!

  12. Sir Marco,
    Seu texto me lembrou o Drummond:
    CIDADEZINHA QUALQUER
    Casas entre bananeiras
    mulheres entre laranjeiras
    pomar amor cantar.
    Um homem vai devagar.
    Um cachorro vai devagar.
    Um burro vai devagar.
    Devagar… as janelas olham.
    Eta vida besta, meu Deus.
    (C.D.A)
    Devagar, essa velha ainda laça seu coração de pedra!
    🙂

  13. Eu se você apresentava a véia para seu pai,já pensou,uma torcedora de pescoço junto com um arrasador de capoeirista…Ia dar uma dupla e tanto,quem sabe acabava com toda a criminalidade local…

  14. Comentar em post antigo não é muito normal, mas não resisti… Dá pra ver minha casa na foto!!!!
    Ai, passei a tarde inteira lendo o Balde de Gelo. Tuuuudo, desde o primeiro dia. E acho que vou passar a noite por aqui!
    Beijos

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