A morte de Samuel e a história de Nabal

(I Samuel 25:1)
Vocês se lembram do Samuel? Sim, ele mesmo: o juiz e profeta que ungiu tanto Saul quanto Davi, e que dá seu nome a este e ao próximo livro da Bíblia. Lembram, né? Pois esqueçam: o pobre coitado morreu, luto nacional foi declarado, ele foi sepultado em sua casa, em Ramá, e era uma vez Samuel. Triste vida a dele: teve um começo promissor, ungiu dois reis, foi influente no início do reino de um deles. Quando estava no auge, Deus lhe disse que rejeitava Saul como rei. Ele apenas passou o recado adiante, mas mesmo assim caiu em desgraça. Quando morreu, boa parte do povo já nem se lembrava dele, o último juiz a governar Israel e grande articulador da transição para a monarquia. Triste, triste…
Ainda bem que eu não ia mesmo com a cara dele. Vamos em frente, portanto. Acompanhando Davi que, depois de dar um jeito de comparecer ao funeral de Samuel, desceu ao deserto de Parã. Ali perto ficava o monte Carmelo, e lá ficavam as propriedades de um homem muito rico, morador da cidade de Maom. Seu nome era Nabal, e ele era descendente de Calebe. Sua esposa, Abigail, era bonita e inteligente, mas ele mesmo não passava de um homem grosseiro e mau.
Como Davi estava ali por perto, e sabia quem era Nabal. Ouviu dizer que ele estava no Carmelo supervisionando a tosquia de suas ovelhas, e mandou a ele dez de seus homens com a seguinte mensagem para o rico proprietário:

Caro Nabal,
Saudações a você, tudo de bom para a família e suas posses.
Envio esta mensagem porque soube que você estaria no monte Carmelo tosquiando suas ovelhas. Veja só, em todo esse tempo que eu e meus homens estamos na região convivemos dia e noite com seus empregados. Tornamo-nos amigos, e nós nunca lhes fizemos mal, nem lhes roubamos nada, muito pelo contrário: chegamos mesmo a protegê-los em algumas ocasiões. Pode perguntar a eles.
Bom, o negócio é que minha situação aqui é um tanto difícil, como você deve imaginar. Então eu queria lhe pedir que me recebesse, junto com meus soldados. Viemos em dia de festa, e gostaríamos de ser recebidos em paz por você. Além disso, se você puder nos dar algum mantimento, roupas, essas coisas, ficaremos muito agradecidos.
Abraço dos seus criados e de seu querido amigo
Davi, filho de Jessé.

Davi mandou a mensagem já esperando a resposta positiva. Sua fama crescia a cada dia em todo o Israel, e não havia quem não o temesse e admirasse. Ficou muito surpreso, portanto, ao receber a resposta de Nabal:

davi filho de jesse?? eu naum conhesso nenhum davi como eh que eu vou saber quem eh vc?? huAHuehUehUaHuA. e se vc for um escravo que fugiu isso acontece muito hoje em dia tenho que ficar esperto. o meu pão a minha agua e os bichus que eu matei p/ dar pros meus empregado eu naum vou dar a um bando de cangaceiro que eu naum conhesso ora essa. se liga mew!

Davi passou rapidamente da surpresa a raiva. Então a fama de grosseiro e mau de Nabal era justificada. Além do mais, nabal quer dizer tolo, em hebraico. O que esperar de um cara assim? Fosse como fosse, Davi não ia deixar quieto:
— Cangaceiros, é? Ele vai ver só. Homens! Cinjam suas espadas. Nós vamos mostrar a esse desgraçado quem é cangaceiro.
Davi partiu para o monte Carmelo à frente de quatrocentos de seus homens, enquanto os outros duzentos ficavam atrás com a bagagem. O futuro rei de Israel estava emputecido, e determinado a acabar com a raça de Nabal e de quem mais encontrasse pela frente. Porém, um dos empregados de Nabal, já prevendo as conseqüências da petulância do patrão, resolvera falar com Abigail:
— Dona Abigail, a senhora ficou sabendo?
— Sabendo de quê?
— Vixe, uma confusão danada! Sabe o Davi?
— Ai ai… Aham. Claro.
— Então. Ele anda aí pelas redondezas.
— O DAVI? AQUI PERTO???
— É, ué.
— E NINGUÉM ME AVISA? Deixa eu me arrumar, criatura!
— Calma, dona Abigail. O negócio é que o Davi enviou uma mensagem ao patrão, pedindo mantimentos, essas coisas. Uma mensagem muito educada, cheia de saudações e coisa e tal. Eu achei bom, porque quando a gente estava no campo, durante todo o tempo ele tratou a gente muito bem.
— É, ouvi falar que esse Davi é um legítimo cavalheiro. Ai ai…
— Pois então. Mas acontece que o patrão mandou uma mensagem muito da mal educada em resposta, dizendo que não vai ajudar é ninguém, e chamando Davi e os homens dele de cangaceiros.
— NABAL NÃO FEZ ISSO!
— Pois fez!
— Ah, eu mereço ter me casado com essa anta…
— Eu achei bom contar pra senhora, porque falar com o patrão não adianta nada mesmo.
— E fez bem, muito bem. Obrigada. Pode deixar, vou dar um jeito.
Abigail saiu dali e, ajudada por seus empregados, pegou duzentos pães, dois odres cheios de vinho, cinco ovelhas assadas, dezessete quilos de trigo torrado, cem cachos de passas e mais um monte de pasta de figo. Botou tudo em jumentos e ordenou aos empregados que fossem na frente com aquele presente para o aventureiro filho de Jessé. Os empregados saíram, e ela saiu logo depois, montada em seu jumento.
Na direção contrária vinha Davi, resmungando para si mesmo:
— A gente ajuda os outros e ganha o quê? Nada! Só se fode, só se fode! De que me adiantou proteger aqueles filhos de uma quenga? Ah, mas isso não fica assim! Que Deus me castigue se eu deixar nem que seja um homem vivo naquela terra. Ah, eles vão ver o que é bom!
Seu resmungo foi interrompido, porém, pela chegada daqueles jumentos carregados de comida e bebida. Antes que pudesse perguntar aos homens que traziam os jumentos de quem fora tamanha bondade, viu a mulher linda que chegava. A pergunta ficou entalada na garganta enquanto ele contemplava tamanha beleza. Ao vê-lo, a mulher desmontou do jumento rapidamente, e se ajoelhou, encostando o rosto no chão.
— Senhor, escute-me! Por favor, não dê atenção a Nabal. Ele é um bobão, como bem diz seu nome. Eu não vi quando os homens foram levar sua mensagem a ele, por isso não tive como evitar essa presepada. Mas ignore, senhor, e aceite esse presente que eu lhe trago. Por favor, desista de seus planos de vingança. Eu sei que meu marido foi estúpido e o ofendeu, mas pense bem: um dia o senhor vai ser rei, e é melhor que não tenha motivos para se arrepender ou sentir remorso por ter cometido um crime assim. Deixe a vingança nas mãos de Deus, já que ele sempre o protegeu.
— Louvado seja Javé, que mandou você até aqui. Só a sua beleza já me faria desistir da vingança, mas seus argumentos inteligentes acabaram de me fazer desistir dos meus planos. Porque, veja, se não fosse por você, amanhã mesmo todos os homens de Nabal estariam mortos, até os meninos. Como você se chama, minha querida?
— Abigail.
— Ah, que nome lindo? Pois então, Abigail: volte para casa e não se preocupe. Não vou fazer mal a ninguém.
— Obrigado, senhor.
— Eu agradeço. E pode me chamar de Davi.
Abigail saiu dali feliz por dois motivos: tinha livrado as propriedades de um grande massacre, e se encontrado com Davi, o Brad Pitt de Israel naquele tempo. Chegou em casa querendo dizer a Nabal o que acontecera, mas o marido estava comendo como um rei e bebendo como um gambá, então preferiu deixar para depois. No dia seguinte, vendo o marido já sóbrio, contou a ele o ocorrido. Ele, em vez de ficar alegre por ter escapado de morte certa, sentiu tanta raiva que teve um ataque e ficou paralisado. Dez dias depois, morreu.
Quando Davi recebeu a notícia da morte de Nabal, apressou-se em mandar uma mensagem à viúva:

Querida Abigail,
Está ocupada? Se não, será que gostaria de se casar comigo?
D.

Abigail leu a mensagem e corou. Não havia nada que ela quisesse mais. Porém, conhecendo muito bem as regras sociais da época e do lugar, apenas se ajoelhou na frente dos mensageiros, humildemente:
— Eu sou escrava de Davi. Posso lavar os pés de seus empregados.
Tendo dito isso, acompanhou os homens até seu acampamento, indo morar com Davi. O filho de Jessé já havia se casado com uma certa Ainoã, da cidade de Jezreel, e tinha agora duas esposas. Teria três, na verdade, mas Saul já entregara sua filha, Mical, a um tal Palti. Era a segunda vez que Saul tirava de Davi uma filha sua. Como se Davi já não tivesse motivos suficientes para odiar o rei.

15 comments

  1. Olá Marco… Vim até o seu blog através de uma indicação feita por um louco que quis comparar meu simples blog com o seu…

    Bom mesmo o seu blog estando anos-luz na frente do meu gostaria que você desse uma avaliada (apesar de estar desativado a um tempinho e eu ter aderido ao mundo dos flogueiros)… Vlw pela atenção e parabéns pelos textos (é… eles têm certa dose de blasfêmia mas tá valendo rs rs)…

  2. O que eu mais gosto são os nomes, tanto das pessoas quanto das cidades. Ainoã, Jezreel, Mical, Palti – isso só no último parágrafo !!
    Vem cá, tem certeza que isso aí não é o Ceará, não ??

  3. Legal a Biga, não?
    E espertinha também.
    Se bem que esse caso do marido dela ter morrido tão rapidamente assim….
    muito suspeito!! Isso me cheira a uxoricídio…

  4. A resposta de Nabal aos pedidos de Davi foram as melhores, parecia aquelas patys de 14 anos de Brasília conversando num chat IRC, destacando pela rizadinha huAHuehUehUaHuA… também, acho que faltou uma carinha no final da frase: “…a um bando de cangaceiro que eu naum conhesso ora essa. se liga mew! 😉

  5. Texto muito grande. Preguiça de ler. Vou no post abaixo e vc se revolta com os leitores que deixam comentários engraçadinhos. A prateleira caiu no teu pé, foi?

  6. Esse Nabal era Mongol.
    E o David tinha duas mulheres e poderiam ser três e ainda tinha tempo para ser “amigo” do Jonatas!?!? Ave!

Deixe uma resposta