A arma secreta (e ridícula) dos israelitas

(I Samuel 17:12-40)
Os israelitas estavam em seu acampamento, apavorados com a proposta de Golias. Entre eles estavam Eliabe, Abinadabe e Siméia, os três filhos mais velhos de Jessé. O caçula, Davi, ainda não tinha idade para ir à guerra, mas ia ao acampamento todos os dias para tocar sua harpa e fazer o papel de moço de recados entre o pai e os irmãos. Jogo rápido, porque ele tinha que voltar para tomar conta das ovelhas.
Durante quarenta dias Golias desafiou o exército israelita. Todas as manhãs ele vinha até a borda oposta do vale, cruzava os braços sobre o tórax enorme, e bradava seus insultos. Ao final, repetia a proposta: os israelitas deveriam escolher um homem para lutar contra ele, e neste combate estariam decididos a guerra e o destino de ambas as nações. Um dia, preocupado com essa situação, Jessé chamou Davi, entregou a ele dez quilos de trigo torrado, dez pães e dez queijos, e disse ao filho:
— Davi, estou preocupado com seus irmãos. Eliabe é grande e forte, tenho medo de que o escolham para ir lutar contra o tal gigante. Então eu quero que você vá até o Vale do Carvalho levando esse trigo e esses pães para seus irmãos, e esses queijos para o comandante do exército. Veja se Eliabe, Abinadabe e Siméia estão bem.
— Pode deixar, pai.
Na manhã seguinte, Davi deixou um empregado tomando conta das ovelhas e foi para o Vale. Chegou justamente na hora em que israelitas e filisteus estavam alinhados dos dois lados, trocando os insultos habituais:
— Sua mãe é tão feia que faz cebola chorar!
Lech zayen et ima shelcha, benzona!
— HEIN???
— “Vá foder tua mãe, filho-da-puta” em hebraico!
— FELADAPUTA!
— Apelou, perdeu! HAHAHAHAHA!
— Ah, é? Peraí…
Enquanto isso, Davi deixara os mantimentos com o oficial responsável pelas bagagens, correndo em seguida para a frente de batalha. Chegou bem a tempo de ver os filisteus dando passagem para seu grande herói, Golias. Bastou o gigante aparecer para todos os israelitas correrem para suas tendas. Cambada de bundas-moles, esses israelitas. Davi, um tanto envergonhado do comportamento de seus compatriotas, foi falar com os irmãos:
— Vocês estão bem?
— O que é que você acha, Davi? Todo dias somos humilhados por esse gigante de merda, e o jeito é…
Eliabe foi interrompido pelo trovejar da voz de Golias, que mais uma vez gritava seu desafio.
— Ué. É isso que ele quer? Alguém que vá lutar com ele?
— E VOCÊ ACHA POUCO? Viu o tamanho do cara???
— Ah, ele é grande. Mas não é dois.
— Sei não, sei não…
Sabendo que os irmãos mais velhos o desprezariam, Davi achou melhor conversar com os outros soldados que estavam por perto:
— Vocês tão sabendo de alguma recompensa? O que ganha quem matar esse filisteu pagão incircunciso filho de uma quenga velha?
— Calma, rapazinho, calma… Mas corre por aí que o rei dará ao homem que derrotar Golias uma gorda recompensa e a mão de sua filha. Ou seria só uma recompensa e a mão de sua filha gorda…? Hum. Alguma coisa assim. Além disso, isentará de impostos a família desse suposto homem valente.
— Interessante…
Porém Eliabe ouviu a conversa do irmão com o soldado, e ficou puto:
— Ô, moleque! Quem é que está tomando conta das suas ovelhas lá no deserto, hein? Seu convencido! Tá achando que é quem? Veio aqui só para ver a batalha, né? Moleque dos infernos!
— Coé, Eliabe, coé? Pega leve! Será que eu não posso nem fazer uma pergunta? Eu, hein…
Eliabe deu um muxoxo e foi cuidar de sua vida. Davi, por sua vez, saiu andando pelo acampamento, sondando aqui e ali para saber como seria recompensado o israelita que matasse Golias. De todo mundo ouviu a mesma resposta, com uma ou outra variação. De tanto ele perguntar, alguns soldados resolveram ir falar com Saul sobre o que acontecia:
— Majestade, parece que há um rapaz aí no acampamento interessado na recompensa prometida a quem matar o gigante.
— Ah, é? Que beleza, alguém mais maluco do que eu… Traga o tal rapaz aqui, quero falar com ele.
Os soldados saíram e voltaram trazendo Davi. Saul levou um susto:
— Mas você, Davi? O que está fazendo aqui?
— Seu Saul, eu acho uma vergonha o povo de Israel ter medo desse filisteu. Eu vou lutar com ele.
— Davi, Davi… Você não pode ir, meu filho.
— Ué, por que não?
— Porque você é só um adolescente, Davi. Olha aí, cheio de espinhas na cara. Aposto que vive se acabando na punheta, e que às vezes até apela pras pobres das ovelhas. Estou errado?
— …
— Pois é. E aquele cara? Aquele gigante, além do tamanho que tem, é soldado desde que tinha sua idade. Você não tem a mínima chance, percebe?
— Permita-me discordar, majestade. Como o senhor sabe, eu sou pastor de ovelhas. Quando vem um leão ou um urso e pega uma das ovelhas, eu vou atrás do bicho, ataco o danado e pego a ovelha de volta. Se o leão ou o urso me ataca, eu agarro ele assim, ó, pelo pescoço, e dou porrada até matar o desgraçado. Comigo é assim, sem dó.
— Hum. Sei. Mata urso, é?
— Mato.
— E leão, né?
— Também.
— E com as mãos nuas, claro.
— Justamente.
— E QUER QUE EU ACREDITE NESSA POTOCA SEM-VERGONHA, DAVI?
— Juro que é verdade! JURO! Deus me ajudou a matar leões e ursos, e também vai me ajudar a matar esse filisteu do pau pelancudo.
— Hum. Pois muito bem. Vá, e que Javé te ajude.
— SÉRIO?
— É, ué.
— VIVA! OBRIGADO, MAJESTADE!
— De nada, de nada. Mas você não vai assim, oras. Vou te dar minha armadura.
— Puxa, que honra…
Saul enfiou Davi dentro de sua armadura, e botou nele um capacete de bronze. Assim guarnecido, Davi pegou a espada de Saul e a colocou na bainha. Foi saindo para ir lutar contra Golias, mas mal conseguia andar enfiado naquela geringonça. Irritado, tirou a armadura e a devolveu ao rei, junto com o capacete e a espada:
— O senhor me desculpe, mas é que eu nunca usei essas coisas e nem consigo andar com isso. Se eu for lutar assim, o gigante me mata e come minha carne chupando de dentro da armadura, feito siri.
— Você é quem sabe, Davi. Tenho nada com isso.
— Obrigado. Agora, se o senhor me dá licença, tenho um gigante para matar.
Davi pegou seu cajado, sua funda (uma espécie de estilingue, só que sem a forquilha), escolheu cinco seixos redondos e lisos no leito do riacho e saiu para enfrentar Golias.

14 comments

  1. Porra, óbvio que ele inventou. Não acredito que hajam muitos dicionários de hebraico por aí. Mas posso estar enganado.
    E agora não sei se critico o texto ou se elogio. É melhor ser chamado de invejoso ou de puxa saco? ¬¬
    Ok, no harm, no foul. Mas não te entendi, Marco.

  2. o diálogo entre israelitas e filisteus está hilário! “Feladaputa!” “Apelou, perdeu! hahahahahaha!”, bom saber que não é só nós que temos síndrome de Tourette… hehehehehe

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