O meu guri

Então, seu moço. Esse menino nasceu antes do tempo. Nasceu de surpresa, aquela cara de fome. E eu nem tinha escolhido o nome pro danadinho ainda. Aí fui levando, né? Não sei como, mas fui levando. E ele foi ficando aí, sempre mirradinho, sempre daquele jeito. Lembro um dia que ele, bem pequeno ainda, chegou da rua, me olhou assim bem no olho, sabe?, e falou: “Mãe, um dia eu chego lá”. Sério demais da conta, o senhor precisava de ver. Ah, o meu guri…
Agora é assim: sai e não sei quando volta. Trabalha demais, coitado. Quando chega em casa é todo espavorido, suado, mas sempre sorrindo. E toda vez me traz algum agrado só pra me deixar sem graça. Já me deu tanta corrente de ouro que eu ia precisar de outro pescoço pra usar todas. Uma vez me trouxe uma bolsa. Linda, linda. Mas o senhor acha que era só uma bolsa, moço? Que nada! Uma bolsa recheada, completa: chave, caderneta, terço, patuá, lenço. Até documento tinha! Olha só, não sou mais indigente! Hehehe, esse guri…
Parece que tá se dando bem no trabalho, viu? Chega aqui no morro com cada carregamento, é coisa eletrônica, material de construção, coisa pra carro, jóia, tudo! Fico até agoniada; com tanto assalto por aí e o guri com essa responsabilidade toda. Quando ele demora a chegar, acendo uma vela e rezo pra Deus proteger ele. E quando ele chega é uma festa. Somos só nós dois, moço, então um ajuda o outro. Tem noites que ele deita no meu colo aqui no sofá e a gente conversa um tempão… Depois acaba os dois cochilando. Aí quando eu acordo de madrugada, cadê? Já foi trabalhar, o danado! Ê, guri!
E saiu até no jornal, sabia? Verdade! Não saiu o nome dele, só as, como é que chama?, iniciais. Mas já é alguma coisa, né? Tá começando a ficar famoso. Quer ver, peraí… Olha, moço, olha que lindeza! Uma pena terem tapado os olhos dele, mas tudo bem. Eu não disse no começo, moço? Ele disse que chegava lá! Olha aí, seu moço, olha aí! É o meu guri!

23 comments

  1. Aê Marco toda vez que escuto essa música eu choro (coisa de viado né?), é que nasci pobre (na favela) e acho que consegui chegar em algum lugar (nem tanto), fico emocionado mesmo… é foda.
    Mandou muito bem!!!!!
    Abraços cara e vê se dá as caras no ICQ seu porra!!!!!!!!!!!!

  2. Dá-lhe Chico, mas com a Beth Carvalho cantando é maravilhosa essa música. Mas olha, com a música nunca tive vontade de chorar não. Agora assim, com você escrevendo em prosa, “num vô ti mintí pro sinhô” que eu fiquei bem emocionadinha. ô guri que escreve bem!
    Beijinhos,

  3. ô marco, desculpa aí, parece que eu só comento desgraça (da última vez falei sobre aquele seu “plágio” involuntário do “funeral blues”, do auden, lembra?).
    mas é que estes comments d”o meu guri” estão maravilhosos, não resisti. eu devo ser meio mau-caráter mesmo… rsrsrs
    bom, acho que a gente vai se conhecer em breve, amigos comuns em visita…
    abraço!

  4. Cara, tô com uma vontade gogantesca de te dar um beijo na boca, daqueles bem obcenos! É que sinto um puta tesão por cara culto e inteligente, o inteligente eu já tinha sacado, mas agora, fechou com cheve de ouro! Chico em prosa é demais! Parabéns!!!!!!!

  5. Sabe cara! meu professor de português pediu uma análise do texto meu guri, daí na aula falei mais ou menos como vc escreveu, em como o povo é sofrido e o lance da ingenuidade também, cara ele achou um absurdo, disse q eu tava delirando rsrsrsrs, eu vejo como vc, pena q o tal professor acha que o mundo é muito sujo para se ter pessoas ingênuas. Falei sobre a indigência e os documentos para afinal se ter uma identificação, mais uma vez ele não concordou. Putz!!! Tú é o cara… fiquei mesmo feliz de ver teu maravilhoso texto.beijos

  6. oie nino..só vim te agradecer pela bela compreensão do texto!
    noss,me ajudou pra caramba quanto à análise
    valeu msm..parabéns!

  7. Gente, me desculpem, mas vocês não entenderam nada da música. O guri é bandido e a mãe não percebe, ele traz até bolsa com documentos porque foi roubada. Ele sobe o morro com gcarregamento, etc fruto de roubo. A mãe, ingênua,com pouco estudo, achando que o filho está trabalhando, pegando no batente e ele está roubando, por isso ele traz tanta corrente de ouro pra ela. No final o menino aparece no jornal não porque se deu bem na vida, pelo contrario, ele aparece morto no meio do mato e a legendo no jornal só com as iniciais é porque ele é menor de idade. Ele, realmente chegou lá, no destino de todo bandido que é a cadeia ou a morte, no caso dele a morte. Mas a mãe, mesmo assim, achou que estavam exagerando, fazendo alvoroço demais.
    Galera o menino não era gente boa e trabalhadora de jeito nenhum. Abraços a todos.

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