Fui até o fumódromo (que minha amiga Tereza chama, muito apropriadamente, de depressório) e ele já estava lá, empoleirado no encosto da poltrona.
— Me dá um Marlboro aí, mané.
— Desde quando urubu fuma?
— Você faz perguntas demais. Me arruma um Marlboro.
— Tô fumando Lucky Strike.
— Serve.
Estendi o maço pra ele, que pegou um cigarro com o bico e ficou olhando pra minha cara.
— Que foi agora?
— Você está me vendo?
— Estou, oras.
— Eu por acaso tenho mãos?
— Ué, o que isso… Ah.
Acendi o cigarro pra ele, que ficou fumando em silêncio enquanto olhava pela janela.
— Deve ser uma merda, não?
— O quê?
— Ficar assim. Preso ao chão o tempo todo, tendo esse céu todo pra voar.
— Ah. A gente se acostuma.
— Mesmo porque não há alternativas, não é mesmo?
— Pois é.
— Mas e aí, pensando muito na vida, ou melhor, na morte?
— Como de hábito.
— Mentira. Depois da nossa conversa de ontem você começou a pensar mais.
— É, acho que sim. Como você sabe?
— Ah, nós sabemos muitas coisas. Olhar tudo lá da altura onde voamos nos dá uma visão geral privilegiada. E comer carniça nos dá noção exata do interior das pessoas.
— Vocês não comem pessoas. Comem animais mortos.
— E qual a diferença? Fígado, estômago, intestinos, até o coração que vocês tanto prezam, é tudo igual em homens e animais. Aliás, essa é uma distinção que só vocês fazem. Para nós, é tudo a mesma coisa. A única diferença é que vocês, muito delicados, não conseguem lidar com a idéia da morte como fim de tudo. Aterrorizados pela visão de semelhantes sendo devorados por urubus, abutres, chacais e hienas, inventaram de enterrar seus mortos. E quando descobriram que nem sob a terra eles estavam livres da voracidade dos que se alimentam de cadáveres, inventaram religiões e deuses que prometem uma vida depois da morte.
— Você fala como se tivesse presenciado tudo.
— Nossa tradição oral é bem mais eficiente que a de vocês. Além do mais, eu já vi o terror e o ódio nos olhos de vocês ao verem um urubu se alimentando de um homem.
— Você VIU isso???
— Oh, sim. É a lei natural, sabe? Vocês tentam esconder seus mortos, mas sempre sobram alguns para nós. E nesse dia havia um cadáver flutuando no rio. Eu pousei sobre seu ventre inchado e comecei a comer. Quase fui morto.
— Você não fez isso!!!
— Ah, claro que fiz. E se fosse uma capivara, seu terror seria menor? Quer saber como foi?
— Não!
— Sim, você quer saber.
— PÁRA!
— Eu comi o olho dele.
— PÁRA! PÁRA!
— Estourou no meu bico feito uva madura.
— PÁRA COM ISSO!!!
— Você não consegue lidar com a realidade, não é? Pois vá tomando providências. Garanta-se para não acabar morrendo afogado, ou nalgum lugar remoto. Porque estaremos lá.
— Acho melhor você ir embora agora.
— É, também acho.
— Só mais uma pergunta, já que você sabe tanta coisa: Quando é que eu vou largar essa obsessão pela morte?
— Nunca mais.
— Nunca mais?
— Nunca mais.
— Isso foi uma resposta ou uma citação?
— Tá ficando esperto, mané. Todo urubu tem seu dia de Corvo. Tchau.
Se a gente que é pombo não fala, ninguém fala…
AH! Hindus não enterram seus mortos. Deixam-no em cima de um pilar, para que os urubus os comam.
Se eu falar o que vejo e sinto ou melhor se um dia alguem tiver as experiências que tenho quase toda noite vão acreditar que existe sim vida após a morte
Careca, tem certeza que foi só cigarro?????????
:-X
Esse post me deu uma fome…
“quoth the raven: nevermore!”
oProfeTa!
Já sei!!! Se você for levar a sério aquela ‘possibilidade’ de parar com ‘esse negócio de Biblia’ por aqui, o blog terá que mudar de nome… Hummm…. Que tal Urubu Me Bica, ou O Urubu Filosófico ou até Zeca Urubu Nú…
Só num concordei com o Urubu quando ele disse disse “E quando descobriram… inventaram religiões e deuses que prometem uma vida depois da morte.”
Wrong!! A religião existe pela pela necessidade humana. O ser humano é um conjunto baseado em três pilares: Físico, Mental e Espiritual!!
Apesar de muitas vezes deixarmos o lado espiritual de lado, quase ignorado, todos temos essa faceta! Temos essa necessidade e carência! E sem esse lado ficamos mancos e pernetas!!
A necessidade de transendência, de vencer a morte!!! E vc Marcurélio sabe disso! Você sabe como vencer a morte. Pode não acreditar mais, etc e tal… Mas a decisão é de cada um… Todos escolhemos no que queremos acreditar!!!
Ufff…
esse urubu ta te zoando!
falou falou falou só pra conseguir um cigarro seu.
Eu curti o comentário final do bicho: “Todo urubu tem seu dia de Corvo”
hehehehe.
Putz, Poe tinha que estar vivo pra ler isso…
Mais sábio do que nunca…
Obs.: Eu nunca mais como uva.
No próximo Marboro que eu comprar, eu quero ver uma foto sua com o Urubu atrás.
Poe deve estar se remexendo na sepultura…
Segundo comentário que faço e já sou citado!
hehe
Muito bom, mesmo! Gostei!
“URUBU ME BICA”!!!!! Caráááááiiiii!!!!
HAHAHAHAHAH… GASPGASPHJGS….
HAHAHAHAHAHA…..
Esse profeta…
Não penso muito na morte em si, mas na passagem do tempo.
É muito opressor.
O tempo passando já é uma cobrança.
.. devaneios…
Mas seu diálogo com um urubu letrado, conhecedor de Allan Poe foi genial. ^^
Meus parabéns!
Cabeça, você esta indo bem nesse papo “animal”. Já da pra começar um blog, como falou o Profeta um pouco atras.
Que tal:
“Em busca da capivara perdida”
ou “O urubu a capavira e o anta”
ou “Papo Cabeça”
ou “Conversa à margen do Rio Pinheiros ”
ou Tiete, que é mais famoso.
De qualquer forma, não pare, prossiga no papo.
Boa Sorte
Nem todos os urubus do mundo são tão sábios assim, eu acho. Mas, com certeza, só esse aí cita Edgar Allan Poe. Bom texto.
Como assíduo leitor, tenho que expressar minha opinião:
esse foi um dos melhores textos q tu já escrevestes!
muito bom, a frase final foi fabulosa, deixou algo não explícito no ar… ao terminar a conversa vc sabe q não acabou… enfim!
mandou bem!
Genial … simplesmente , genial .
“Estourou no meu bico feito uva madura.”
foi a melhor!
ahahhahahah
ehehehhehehe
Imagine se vocês estivessem fumando aquele alpistizinho gostoso…….
UHU
Sem comentários! (isso é positivo :-))
Sem comentários! (isso é positivo :-))
só queria saber que tipo de acido ou outro alucinogeno vc ta usando pra achar que ta falando com urubu.
é zuera marco, vc me faz rir. T+
Rapaz, não me leve a mal. Mas o q Paulo Coelho e José Sarney estão fazendo na ABL, enquanto vc tem q se contentar com JMC? Se bem, como disse a Folha, vc aqui tem um papel muito mais importante do q tomar chá: congregar toda a comunidade blogueira do país. Vê só: eu tô aqui em Natal e sou teu fã, não vivo sem vc (sem viadagem, por favor).
genial, marcurélio!!!
não tinha como deixar o “never more” de fora…
quer saber de uma coisa? esse Urubu é meu ídolo!!!
Ai cara sem demagogia, enquanto todo mundo dizia que estava morrendo de rir, que você é um bom escritor, fizeram até comparações com o Paulo Coelho, ele escreve ficções, você escreve realidades, e quando leio estes ultimos textos envolvendo esse urubu vejo que você está depressivo, que sente a morte dormindo ao seu lado, cara sai dessa, nem sei por que desse desanimo, mas cara você vai voltar a “voar” como sempre “voou”; liberdade!!!!
muito bom… mesmo…