Sobre política

Fico espantado, até meio escandalizado, quando ouço nego dizendo que não gosta de política. Como pode??? Como é possível alguém preferir acompanhar novelas, seriados, campeonatos de futebol ou gamão, se temos a política, meu deus do céu?
Meu interesse pela política foi despertado precocemente: Aos sete anos, nas eleições para governador de 1982. Aquele, aliás, foi um ano de descobertas para mim: fui ao cinema pela primeira vez (Lagoa Azul num dia, Loucos De Dar Nó no outro), a primeira Copa do Mundo (tinha apenas três anos em 78, não ligava para futebol, não ligo muito até hoje). Dentre todas essas pequenas revoluções, no entanto, o que mais me impressionou foi saber que as pessoas podiam juntar-se num determinado dia para escolher seus governantes. E foi então que peguei gosto pelo Horário Eleitoral, que mantenho até hoje. Lembro-me até do resultado daquela eleição: Franco Montoro, então no PMDB (depois fundou o PSDB, e agora que morreu partido nenhum o aceita), foi eleito. Reynaldo de Barros, do PDS (que depois mudou pra outro nome que não me vem a memória, e hoje é o PPB do Maluf) ficou em segundo. Em terceiro, o ex-presidente Jânio Quadros, do PTB. Em quarto, nosso presidente Luiz Inácio Lula da Silva, do PT. Por último, Rogê Ferreira, do PDT. Meus pais votaram no Montoro, mas lembro-me muito claramente do meu pai dizendo que se Hélio Bicudo fosse o candidato petista, com Lula de vice, votaria no PT sem dúvida. Guardei aquilo na cabeça e comecei a prestar atenção naquele barbudo que não me parecia tão assustador quanto diziam.
Com a vitória esmagadora da oposição por todo o país, o regime militar estava definitivamente enfraquecido. E em 1984 surgiu a campanha pelas eleições diretas para presidente. O “Diretas Já” tomou conta do Brasil, a frase “Eu quero votar pra presidente” virou o mote de todos os cidadãos. Chorei quando a emenda pelas diretas, de autoria do deputado Dante de Oliveira, foi derrubada pelo Congresso. Mas não havia tempo para chorar: Começava a briga no Colégio Eleitoral, com Tancredo Neves candidato da oposição. Não lembro direito como funcionou isso, houve preliminares, parecia um campeonato na base do mata-mata. Só sei que acompanhei junto com minha amiga Luciene (eu com 9 anos, ela com 13) a disputa entre Tancredo e Paulo Maluf. Terminou com a vitória de Tancredo, e saímos gritando para a rua. Fizemos um monte de músicas bobas xingando o milico da vez, João Figueiredo.
Chegou o dia da posse de Tancredo, em 85, mas ele não foi empossado: teve um piripaque e foi internado, enquanto seu vice, José Sarney, o substituía. No dia 21 de abril (dados oficiais, ninguém sabe nada), morria Tancredo. E lá ia eu chorar de novo. Foram cinco anos de Sarney, e todos sabemos o desastre que foi. Mas ainda tínhamos esperança em 28 de fevereiro de 1986, quando foi lançado o Plano Cruzado. A economista Maria da Conceição Tavares chorava na TV, emocionada com os novos rumos do país. O presidente convocava os “brasileiros e brasileiras” para uma batalha contra a inflação. E no primeiro momento foi isso mesmo que se viu: consumidores munidos de tabelas de preços fiscalizando os estabelecimentos, gente fechando supermercados e cantando o Hino Nacional. Enlouquecemos todos: Não havia mais inflação, nossa moeda valia mais que o dólar, maravilha! Mas desandou, a inflação voltou mais forte que nunca, nada deu certo. No final do ano houve eleições novamente, com o PMDB se consolidando na posição de maior partido do país. Naquelas eleições o mais importante era eleger bons representantes para o Legislativo. Afinal, seriam eles os homens responsáveis pela nova Constituição. Ninguém foi bem informado sobre isso, no entanto, e os picaretas de sempre acabaram eleitos, com honradas exceções, como Ulysses Guimarães, que veio a ser presidente da Assembléia Constituinte e Lula, então deputado federal mais votado da história. A nova Constituição ficou pronta em 5 de outubro de 1988.
E finalmente, em 1989, o povo teve a oportunidade de eleger seu presidente. Tudo corria bem, com políticos tradicionais (Ulysses, Covas, Maluf, Aureliano Chaves, Lula, Brizola) na disputa. Mas a mídia descobriu o então governador de Alagoas, Fernando Collor de Melo, emprestando a ele a figura de austero, moralizador, messias. A disputa foi acirrada entre ele e Brizola até a última semana. Mas Lula surpreendeu na última hora e acabou indo para o segundo turno com Collor. O povo votou com medo e deu no que deu: Um maluco na presidência, confisco das cadernetas de poupança, bandalheira nunca vista em Brasília, e impeachment depois de dois anos de mandato. Nossa primeira eleição presidencial depois de quase trinta anos fora um fracasso. Dela ficou o fortalecimento de Lula e os candidados folclóricos: Há quem não se lembre de Marronzinho e Pedreira, mas não há como esquecer o Enéas, por mais que se queira. Surgido naquele ano, o candidato do PRONA ganhou visibilidade nacional e hoje é o deputado federal mais votado da história, suplantando o recorde de Lula (ou de Maluf, não lembro direito).
Com o impeachment, foi a vez de Itamar. Topete, a volta do Fusca, Lilian Ramos sem calcinha ao lado do presidente. Tempos engraçados, os do Itamar. Mas foi então que surgiu o Plano Real, que ficou definitivamente associado ao Ministro da Fazenda na época, o sociólogo Fernando Henrique Cardoso, que soube muito bem deitar na cama.
Primeiro em 1994, quando ganhou já no primeiro turno, deixando Lula a comer poeira. Motivo de festa: O povo havia aprendido, e elegia um intelectual, um homem equilibrado e honesto para a Presidência. FHC tinha tudo para ser a maior figura da política nacional de todos os tempos, mas preferiu trocar seu lugar na História pela garantia de mais um mandato. Vendeu a alma (suspeito que até o corpinho) para conseguir fazer passar a emenda da reeleição. Triste. Concorreu em 1998 novamente, contra um Lula desmotivado. Ganhou novamente no primeiro turno, mas não com a mesma folga de 94. O povo começava a perceber que nem só de Plano Real vivia o “hômi”.
No segundo mandato, a base de apoio a FHC foi se esfacelando. O PSDB tinha dificuldades para escolher o candidato à sucessão. A morte de Mario Covas abriu um rombo no partido, que demorou para recuperar-se. E com tanta gente boa no tucanato, foram escolher justo o Zé Serra. Oras, todo mundo sempre soube que uma levantada de sobrancelha do Covas (ou do Paulo Renato, com aquelas sobrancelhas imensas) tem mais carisma que o Serra, mesmo que ele se esforce muito.
Deu no que deu: escaldado pelas derrotas, com o comando de sua campanha e uma ampla base de apoio, cercado de pessoas confiáveis e com um bom histórico, Lula finalmente chegou lá.
Porra, eu não sei como tem gente que não se emociona com essas coisas e prefere assistir corrida de fórmula 1…

15 comments

  1. Ahhh… melhor do que a virada do Jaˆnio em cima do FHC nas eleiço˜es pra prefeito, e´ o tricolor perdendo de 2×0 enfiar 5 gols nos bagos do Vasco…

  2. As pessoas na˜o percebem uma coisa: poli´tica afeta a vida delas. 2 a 0 no Vasco, no Fluminense ou em quem seja na˜o. Futebol pode ser uma o´tima diversa˜o, mas so´ afeta aos donos de clubes, jogadores… Quem lucra com isso. Poli´tica afeta a todos. Mas eu acho que as pessoas sa˜o mansas demais aceitam tudo sem questionar, sabe? Aumentaram os impostos, nem fica sabendo. Mesmo porque na˜o se importa de pagar mais, na˜o veˆ alternativas. Ou sa˜o burras mesmo, nunca pode-se exluir essa hipo´tese…

  3. FFHHCC disse que vai doar a biblioteca dele pra FFLCH. Sera´ que os livros que ele escreveu e nos mandou esquecer esta˜o inclui´dos?
    Ah, fo´rmula 1 e´ legal, vc na˜o precisa pensar, so´ assistir.

  4. Colocada desta forma, a poli´tica e´ interessante. Mas quando a gente leˆ que os deputados querem aumento pra R$17mil (e teˆm 14o e 15o sala´rios, coisa que eu na˜o sabia), tudo perde a graça.
    Vai la´, Marco Aure´lio. Vira poli´tico e faça isso porque voceˆ gosta e na˜o pelo $ 🙂
    Acho que e´ isso que falta : poli´ticos que gostem realmente da poli´tica e na˜o do status, mordomias e sala´rio.

  5. Na˜o digo que poli´tica e´ um assunto sem importaˆncia, so´ que na˜o gosto. Na˜o da´, sinto muito. Pra um publicita´rio que, a cada dois anos passa seis meses imerso na criaça˜o de campanhas eleitorais pra pessoas repulsivas (90% dos poli´ticos) e o resto do tempo falseando as falcatruas que o governos eleitos fazem, simplesmente e´ impensa´vel se apaixonar pelo assunto.

  6. Tambe´m tive meu desencanto pela poli´tica um momento. Mas tambe´m chorei pelo Lula. E o melhor para mim, nesse momento, e´ que temos um presidente “ser humano” e na˜o apenas um paleto´ e uma gravada.

  7. Poli´tica e´ coisa se´ria sim senhor. Mas na˜o podemos viver so´ de coisas se´rias. Diversa˜o e´ fundamental, mesmo sendo boba e todos no´s sabemos disso. Se fosse assim o nu´mero de pessoas que visitam seu blog na˜o seria ta˜o grande. Elas buscam diversa˜o. Por que enta˜o na˜o parar com isso e fazer um blog se´rio que so´ fale de poli´tica e problemas sociais ? A audieˆncia cairi´a absurdamente! Enta˜o vamos continuar nos divertindo. Lendo blog e vendo futebol ou ate´ fo´rmula 1. Mas nunca se alienando dos reais problemas do nosso mundo. Na˜o precisa acompanhar absolutamente tudo de poli´tica, mas pelo menos saber o mi´nimo pra na˜o cagar na hora de votar e poder cobrar no futuro.

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