A praga sobre os primogênitos e a instituição da Páscoa

— Aí, Moisés, pode melhorar essa cara aí, que dessa vez nós vamos botar pra quebrar.
— A-Ai… Q-qual é o p-plano a-a-agora?
— Cara, cê não tem idéia. Vai ser foda. O Faraó vai pedir penico, ah vai! Vai implorar pra vocês irem embora logo. E a partida de vocês será o maior desejo de todos os egípcios. Cês vão pedir dinheiro, jóias, tudo pra eles, e eles vão dar, só pra se verem livres de vocês logo. Putz, tô até ansioso.
— Po-porra, q-que que cê t-tá m-ma-matutando aí.
— A melhor de todas as pragas, Moisés! A melhor! E você vai agora mesmo anuciá-la ao Faraó.

* * *

O Faraó era a própria imagem da desolação, mais jogado do que sentado sobre o trono, o rosto encovado e o corpo emaciado pela fome, os olhos perdidos numa meditação profunda, ou talvez fossem só os delírios da febre. E foi nesse estado que Moisés e Arão o encontraram quando entraram no palácio.
— F-F-Fa-Faaaaaaaaa… F-F-Fa-Fe-Fi-Faaaaaaaaaaaaaaaaa… Fa-Fa-Faaaaaaaaa…
— Pára. Por Osíris, pára. Deixa seu irmão falar. Por favor.
— Moisés, xacomigo. Hoje a gente vai ser curto e grosso, Faraó. Seguinte: Javé vai vir aqui embaixo pra matar geral. Todos os primogênitos morrerão.
— Todos o quê???
— Primogênitos, Faraó. Os filhos mais velhos. Cê tá mal mesmo, hein? Bom. Todos vão morrer, desde o seu filho mais velho até o primogênito do motoboy. Nem as primeiras crias dos animais vão escapar. Cês tão fodidos. Haverá no Egito um choro tão alto como nunca se viu. E ainda nem falei a parte mais legal: Com o povo de Israel nada vai acontecer, que é pra você ver de uma vez que o negócio é sério.
— É i-i-isso aí, s-seu f-f-fi-filho da p-puta! S-seus o-o-of-oficiais vão s-se a-ajoelhar na mi-minha f-f-frente, i-i-implorando pra e-eu ir e-e-e-embora e l-le-levar m-meu po-povo junto. Co-corno ma-manso!
— Caralho, Moisés, eu já não disse que não queria mais ouvir sua voz?
— Ah, n-não q-quer, é? E-então se p-p-prepara! F-filho da pu-puta!
Moisés saiu muito puto do palácio e foi falar com deus.
— T-tá da-dado o r-re-recado. E a-a-agora, Ja-Javé?
E agora, Javé?/a festa acabou/a luz apa…
— Po-poupe-me.
— Tá, beleza. Então. Moisés, não sei se eu comentei alguma vez, mas o negócio é que eu tô meio cego. Cê sabe como é isso, ficar velho é uma merda. Mas eu vou ter que sair pelo Egito matando os filhos mais velhos de todo mundo e tal. Vai ser à noite, e não vou conseguir distingüir egípcio de hebreu mas nem a pau.
— P-porra, e-então n-nos f-f-fodemos? A-ainda b-bem que A-Arão é m-ma-mais ve-velho…
— Calma, Moisés, calma! Tava aqui pensando nisso e acho que vou dar um jeito. Assim: A partir de agora, esse mês em que estamos passará a ser o primeiro mês do calendário de vocês. Pois bem. Todo dia dez desse mês, quando todos estiverem com o salário no bolso, todo pai de família vai comprar um cordeiro. Se a família for pequena para um cordeiro, chamará a família vizinha. Atenção para o detalhe: Este cordeiro, ou cabrito, terá que ser macho, com um ano de idade, sem nenhum defeito. Vocês vão pegar o cordeiro e guardar até o dia 14, quando ele será morto. Então vocês vão comer a carne assada, acompanhada de pão sem fermento e ervas amargas. E vão dar umas pinceladas no batente da porta com o sangue do cordeiro. Tá acompanhando até aqui?
— T-tô. Q-que po-porra é e-essa? S-si-simpatia?
— Mané simpatia! Tô tentando criar um símbolo aqui, percebe? Cês vão comer tudo, raspar o prato. Se sobrar alguma coisa, será queimado. E cês vão ter que comer vestidos para viagem, e com pressa. Percebeu o símbolo aí, percebeu?
— N-não.
— Ai meu caralho… É pra simbolizar que vocês estão com pressa de ir embora, porra! Então. Isso aí é a Páscoa.
— T-tá. Mu-muito bo-bonito. Mas o q-que t-tem a v-ver c-com o ne-negócio da ma-matança?
— Arrá, aí é que entra a minha esperteza. Tutano, Moisés! Cuca! Na hora em que eu estiver passando pra matar essa gente toda, antes vou sentir o cheiro da casa. Se tiver cheiro de sangue, das duas uma: Ou eu já passei e fiz o serviço, ou é casa de hebreu e está com sangue na porta.
— P-pô. De v-vez em q-quando cê d-dá u-uma de-dentro… B-boa.
— Eu tô te falando, Moisés! Ao contrário daquele herege lá do Jesus, me chicoteia! eu tô no meio de um surto criativo. Aliás, acabo de ter uma idéia pra outra celebração. Na Páscoa vocês vão jogar fora todo o fermento que tiverem em casa. Durante uma semana vocês só vão poder comer pão sem fermento.
— P-por quê?
— Quer saber mesmo? PORQUE EU QUERO ME DIVERTIR, PORRA! Gosto de ver vocês sofrendo. Nada pessoal. Agora vai comunicar esse negócio todo aí pros líderes do povo, que é pra todo mundo fazer direitinho. Não quero ver depois nego reclamando que o filho morreu porque não entendeu que era pra passar o sangue do cabrito na porta. Vai lá.
Moisés foi e explicou como era esse negócio de Páscoa e Festa dos Pães Asmos.
Asnos?
— Calaboca.
* * *

Deus olhou o relógio. Meia-noite.
— Gabriel! Ô, Gabriel!
— Pois não, senhor.
— Vou sair pra balada, não sei que hora volto.
— Balada, é? Onde?
— Baladinha leve, nada que se compare ao Dilúvio ou à destruição de Sodoma e Gomorra. Só vou ali no Egito matar uns primogênitos e já volto.
— Ah, legal. Divirta-se.
— Valeu.
A história vocês já devem conhecer: Deus passou pelo Egito, entrando em todas as casas que não tivessem marcas de sangue na porta e matando os primogênitos. De madrugada o Faraó acordou assustado com um barulho. Era o som do choro de pais e mães por todo o Egito lamentando a morte de seus filhos. O soberano levantou-se e foi correndo para o quarto do filho mais velho. E ele também não fôra poupado.
Ainda sem acreditar direito que um deus pudesse ser tão cruel, o Faraó chamou seus oficiais e foram todos falar com Moisés e Arão.
— Vão embora! Sumam daqui vocês, todo esse povo, os animais, tudo! Por mim vocês podem levar até as casas, foda-se, mas desapareçam daqui. Esse deus de vocês é o pior que existe, não quero mais nem ouvir falar desse ser tão filho da puta. Vão embora, vão!
E todo o povo egípcio pressionava os hebreus para irem embora logo. No entanto, percebendo que estavam por cima da carne seca, os hebreus fizeram conforme deus falara a Moisés, e saíram pedindo as riquezas de seus vizinhos egípcios.
— Ô, véio. E aí. Sabe aquele seu balde de gelo todo de prata? Então, gostei dele. Quero pra mim.
— Ah, não! De jeitimaneira! Foi presente da minha falecida mãe.
— Tá bom. Então não vou embora.
— Ô merda! Toma, toma essa porcaria. Agora some daqui!
O golpe foi tão bem aplicado que os hebreus enriqueceram de uma hora pra outra, só nessa brincadeira de chantagear os egípcios. Já ricos, era hora de se prepararem para a longa viagem de volta a Canaã, voltando pelo caminho trilhado por Jacó e seus filhos tantos séculos antes.

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