Jacó e Rebeca enganam Isaque e fodem a vida de Esaú

Às vezes eu reclamo do Beto, mas meu irmão caçula é gente boa. Já o Esaú não podia dizer a mesma coisa. Vejam só o que aprontaram com ele e o pobre do Isaque, nosso amigo tocador de berimbau.
Isaque já estava bem velhinho e tinha ficado cego. Um dia chamou Esaú para conversar.
— Esaú, já estou velho demais, posso bater as botas de uma hora pra outra.
— Mas pai, nem inventaram as botas ainda, o máximo que o senhor pode fazer é bater as sandálias.
— Não me interrompe, moleque. Como eu ia dizendo, estou prestes a peidar no fubá, como já dizia Earl Tonon. Então eu queria te pedir um negócio: pega aí o seu arco, vai lá para o mato caçar algum bicho. Voltando pra cá, prepare um guisado daquele jeito que eu gosto, que é pra eu te dar a minha bênção.
Esaú saiu logo para o campo. Gostava muito do velho e era um prazer para ele satisfazer esses pequenos caprichos de Isaque. Mas o que nenhum dos dois sabia era que Rebeca tinha escutado toda a conversa atrás da tenda. “E daí?”, perguntarão vocês. Ah, os ardis femininos… Rebeca foi correndo contar pra Jacó o que tinha ouvido.
— Então essa é sua chance, meu filho. Vai até o nosso rebanho e pega dois cabritos bons. Traz os dois pra cá. Eu vou preparar um guisado do jeitinho que seu pai gosta, você leva pra ele, e ele te abençoa em vez de Esaú.
— Mas mãe, como é que o pai vai acreditar que eu sou o Esaú? Ele é peludo feito o Tchaca do Elo Perdido, e eu sou liso. Se o pai me apalpar, aí fodeu, vou pegar fama de salafrário e ainda corro o risco de ser amaldiçoado.
— Primeiro, olha a linguagem na frente da tua mãe, moleque. E se ele te amaldiçoar, que a maldição caia sobre mim. Só faz o que eu te mandei, não discute com a mamãe.
(Pra vocês verem, os judeus ainda não existem nessa altura, mas já temos aqui uma idiche mamma).
Jacó fez tudo conforme a orientação da mãe e ela preparou o guisado. Depois Rebeca pegou as melhores roupas de Esaú e fez com que Jacó as vestisse. Para dar o toque final, pegou a pele dos cabritos e com elas cobriu os braços e o pescoço do filho.
— Pronto, filho, agora vai lá levar o guisado para o seu pai, duvido que ele não caia nessa.
Jacó pegou o guisado e levou para a tenda de Isaque.
— Pai!
— Oi. Qual dos dois que está aí, é Jacó?
— Sou Esaú, pai, tá lesado das idéias? Vai, levanta o rabo velho daí e vem comer o guisado que eu preparei pra você.
— Ué — a desconfiança aumentando —, como foi que você encontrou caça tão rápido?
— Ah, o seu deus mandou o bicho ao meu encontro, nem tive trabalho.
Isaque ainda pensou “Meu deus o cacete!”, mas deixou passar. Estava com uma pulga do tamanho de um hamster atrás da orelha.
— Chega aqui perto, filho, pra eu te apalpar e ver se é Esaú mesmo.
Jacó nem titubeou (Rá! Consegui usar mais essa palavra! Quero ver quem me segura agora!).
— É, filho… A voz e a falta de respeito são de Jacó, mas o cheiro é de Esaú, os braços também. Fala a verdade pra mim, meu pai foi vítima de umas pegadinhas que abalaram nossa relação, por isso que eu sou assim desconfiado: Você é Esaú mesmo?
— Sou, pai! Tá ficando doido?
— Tô não, filho.
— Tonon?
— Eu disse TÔ NÃO! Só me faltava essa, cego e com um filho surdo. Agora só me falta Jacó ficar mudo. Hum… Não seria mal. Mas desculpe, estou divagando. Chega pra cá esse prato, deixa eu comer essa caça que meu filho preparou com tanto carinho.
Jacó entregou a ele o prato e trouxe também vinho (não se pode contar sempre com a sorte, embebedar a vítima é sempre uma boa estratégia). Isaque comeu, bebeu e disse:
— Chega mais perto, meu filho, dá um beijo aqui no seu velho.
Jacó veio e o beijou. Vejam só que esse negócio de traidor beijoqueiro não foi invenção de Judas. Sentindo de perto o cheiro do filho, Isaque não teve mais dúvidas e deu sua bênção:
— Ah, filho, você tem o cheiro do campo! Que deus faça seu campo farto, que nunca te falte nada. Que as nações se curvem diante de você, que seus irmãos te sirvam. Malditos sejam aqueles que o amaldiçoarem, benditos os que o abençoarem.
Ah, a vida… Foi Jacó sair da tenda do pai, feliz pelo sucesso de sua trairagem, e Esaú chegou do campo. Com o animal que caçara preparou no capricho um guisado para o velho e foi levar para ele.
— Pai! Ô, pai! Levanta daí, vem comer o guisado que eu fiz pro senhor.
— Quem é que tá aí?
— Como assim, quem é? Sou eu, pai, Esaú, seu filhão! Não lembra que o senhor me pediu um guisado do que eu caçasse?
Isaque começou então a tremer, com aquela sensação que temos quando alguém trai nossa confiança, mas ainda não queremos acreditar que seja verdade.
— Quem foi então que acabou de sair daqui? Quem foi que me trouxe um guisado e foi abençoado por mim?
Ao ouvir isso, Esaú deu um grito cheio de amargura, feito algum bicho pego numa armadilha.
— Ô meu pai, por favor, me abençoa também!
— Mas filho, seu irmão veio aqui, me enganou, e levou a bênção que eu tinha guardado pra você.
— Ah, mas não é à toa que o nome desse moleque é Jacó! Já é a segunda vez que ele me engana: primeiro roubou minha primogenitura, agora veio até aqui, na crocodilagem, e roubou minha bênção. Porra, pai, cê não reservou bênção nenhuma para mim?
— Esaú, eu já coloquei você para servir Jacó na bênção que dei a ele, e ainda o abençoei com a promessa de fartas colheitas. Que que eu vou fazer por você, meu filho?
— Caralho, pai, será possível que você tem uma bênção só? Vai, te vira, dá seus pulos, quero ser abençoado também. Me abençoa, pai.
Esaú começou a chorar alto. E vocês sabem como é de partir o coração ver um homem crescido chorando. Isaque pensou, pensou, e se saiu com essa:
— Você viverá longe das terras boas e da chuva. Você vai viver da sua espada, e será escravo do seu irmão. Mas quando você se revoltar, será livre.
Tá, tá, não é grande coisa como bênção. Mas foi o que Isaque pode arranjar. O quê? Se Esaú ficou bravo com o irmão? Bravo é pouco! Esperem só pra ver…

* * *

NOTA: A bênção plena que Isaque deu a Jacó e a bênção capenga que deu a Esaú são, na verdade, bênçãos para seus descendentes. Quando ele diz que Esaú servirá a Jacó, portanto, significa que os edomitas servirão aos israelitas (Jacó ainda vai se chamar Israel, tenham paciência que a gente chega lá).

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