Centenário de Carlos Drummond de Andrade. Eu, que nem sou tão chegado em poesia, tenho a obra completa dele aqui na minha frente. Porque Drummond não é bem poesia. É mais uma coisa que fica entranhada na gente e nunca mais sai. A melancolia por que passo ultimamente tem um pouco a ver com isso: Todo mundo falando em Drummond, o danado resolveu acordar aqui dentro. Então fico pensando nele, nos poemas dele. E penso especialmente nesse aí embaixo, que uma vez a Bárbara disse que tinha a ver comigo. Não sei se tem, mas sempre gostei muito. Aí vai:
Os ombros suportam o mundo
Chega um tempo em que não se diz mais: meu Deus.
Tempo de absoluta depuração.
Tempo em que não se diz mais: meu amor.
Porque o amor resultou inútil.
E os olhos não choram.
E as mãos tecem apenas o rude trabalho.
E o coração está seco.
Em vão batem à porta, não abrirás.
Ficaste sozinho, a luz apagou-se,
mas na sombra teus olhos resplandecem enormes.
És todo certeza, já não sabes sofrer.
E nada esperas de teus amigos.
Pouco importa venha a velhice, que é a velhice?
Teus ombros suportam o mundo
e ele não pesa mais que a mão de uma criança.
As guerras, as fomes, as discussões dentro dos edifícios
provam apenas que a vida prossegue
e nem todos se libertaram ainda.
Alguns, achando bárbaro o espetáculo
prefeririam (os delicados) morrer.
Chegou um tempo em que não adianta morrer.
Chegou um tempo em que a vida é uma ordem.
A vida apenas, sem mistificação.