Na-na-ni-na-não. Não vou falar de novela outra vez. Essa Torre de Babel é outra história da bíblia. Gerações depois do Dilúvio, um grande grupo juntou-se nas planícies do Oriente. E disse deus: “Eis que os homens juntaram-se nas planícies do Oriente”. E toda a humanidade falava a mesma língua. E disse deus: “Eis que todos falam a mesma língua”. E disseram uns aos outros: “Eia, edifiquemos uma torre cujo topo chegue até o céu e habitemos nela, para que não sejamos espalhados pela Terra”. E disse deus: “Epa…”. Ora, a ordem de deus era justamente essa, que crescessem e multiplicassem e enchessem a Terra. Enfurecido, deus resolveu acabar com tudo. Mas eis que o serviço de Relações Públicas o fez ver que seus atos impensados em momentos de cólera faziam seus índices de popularidade afundarem cada vez mais. Então, sendo sutil pela primeira vez na História, deus confundiu as línguas dos homens que, sem se entenderem mais, desistiram da construção da torre e espalharam-se pela Terra, que era o que o hômi queria desde o começo.
Os lugares bíblicos têm nomes com significado, como Betel, que significa “luz” e Brasília, que significa “Quem tem padrinho não morre pagão”. Esse lugar onde seria erguida a torre passou a chamar-se Babel, que significa “que puta zona virou isso aqui”.

Se logo na sua segunda geração a humanidade já promovia tamanha zona, imaginem a esculhambação depois de dez gerações. E olhe que neguinho vivia muito naquela época. Adão, o primeiro homem, viveu 930 anos! Enoque, que deve estar lá pela sétima geração, viveu 365 anos e foi levado pro céu sem morrer, e seu filho, Matusalém, viveu 969 anos. E pensar que hoje em dia chamamos qualquer um que chegue aos oitenta de Matusalém, pobres velhinhos…
Mas é de Noé que quero falar. Noé é o décimo dos patriarcas, como podemos ver naquelas intermináveis genealogias bíblicas que parecem o Para Todos do Chico Buarque, com Noé cantando: O meu pai era Lameque/Meu avô, Matusalém/ O meu bisavô, Enoque/ Meu tataravô, Jarede, bom vocês já sabem onde isso vai parar, dez caras que viveram pra cacete em ordem cronológica inversa até Adão.
Quando Noé estava com 500 anos (recém saído da adolescência, portanto), deus o chamou para tomar umas e conversar. Perguntou da patroa, das crianças, Noé disse que Sem, Cam e Jafet eram os filhos que ele tinha pedido a deus, aliás queria muito aproveitar a ocasião para agradecer, e sua família, seu deus, como é que vai? E deus disse que não tinha família, aliás, tinha um filho, mas era uma carta que ele queria jogar só em último caso, o que levava ao assunto que o trouxera até ali: Estava arrependido de ter criado o mundo e a humanidade, os homens portavam-se de forma escandalosa, matavam-se uns aos outros, enganavam-se, traíam-se, blasfemavam contra deus, e aposto cem ovelhas com você como botaram água nesse ketchup. Resumindo, deus resolvera destruir tudo com uma grande inundação, matar todo mundo afogado. Mas Noé era um cara legal, boa praça, e deus determinara que ele seria o pai da nova humanidade. Pegou um guardanapo e começou a desenhar: “Tá aqui, ó. Você vai construir essa caixa grande, botar uma porta, uma janelinha, uma rampa e encher a caixa com um casal de cada espécie de todos os animais”. Noé olhou o desenho, olhou pra deus pra ver se ele não estava brincando, olhou pro desenho de novo, coçou a barba e disse “Tudo bem”. Deus ficou muito feliz, pediu outra rodada e deu um prazo de cem anos para que Noé concluísse a empreitada.
No dia seguinte, com mil britadeiras dentro da cabeça e uma sede que dava vontade de beber todo o dilúvio, Noé se deu conta da sinuca de bico em que havia se enfiado. Era tarde demais para lamentar, no entanto, então chamou os filhos e perguntou o que eles achavam de um cruzeiro marítimo só de casais. Os três, claro, acharam supimpa. “Então peguem as ferramentas, que vamos construir o raio do barco”.
E passaram-se cem anos. Na hora de botar os animais dentro da arca, Noé percebeu que ali é que começava o trabalho de verdade. Tomou um porre homérico, embora Homero nem sonhasse em nascer naquele tempo, e foi pegando uns bichos a esmo. Pegou uns cachorros, umas cabras, umas vacas, galinhas, enfim, esses bichos de criação. Deus olhou lá de cima, viu que era trabalho demais pro cara e resolveu dar uma força. Sabia que seria impossível, por mais que quisesse, enfiar tudo quanto era animal na tal arca de Noé. Então fez uma seleção dos bichos que mais gostava, botou todo mundo em fila e foram entrando na arca. Bom, é claro que na arca já viviam os animais de sempre, cupins, formigas, traças, lesmas, baratas de todos os tipos, ratos. E os animais carregavam suas pulgas, carrapatos, vermes. Com essa nem deus contava.
Mas o negócio é que começou a chover, inundou tudo e Noé, sua esposa, seus filhos e suas noras passaram 40 dias navegando sem rumo. Depois desse tempo, as águas começaram a baixar e a arca encalhou no monte Ararat, na Armênia. A família ainda levou um tempo para sair, pois tinham uma partida de pôquer para terminar (“Ninguém sai! Ninguém Sai!”). Mas acabaram por sair, pois precisavam repovoar a terra. Além do mais, o cheiro da bicharada tornava-se insuportável. Saíram e deram de cara com o arco-íris no céu. Deus explicou a Noé que aquele arco representava o pacto que ele fazia com a humanidade a partir de então, de nunca mais destruir a terra pelas águas (inventando aí, de quebra, o contrato com letras miudinhas: “O que não me impede de, quando me der na telha, destruí-la pelo fogo, pelos terremotos, pela fome, pela peste ou outro meio que me aprouver”).
Todos viveriam felizes, se Noé meses depois não plantasse uma vinha, enchesse a cara mais do que nunca e amaldiçoasse um de seus filhos. Viu deus que tudo recomeçava, fez “tsk, tsk, tsk” e começou a se arrepender de novo.
Ah, e Noé viveu até os 950 anos.

Pois é, pois é, acho que não vai dar certo esse negócio de recontar a bíblia. Meu texto está ficando maior que o original, e nem está tão legal quanto eu pensei que pudesse ficar. Então vou contar o Gênesis, talvez um pouco do Êxodo e depois eu paro.
Ah, e faltou dizer uma coisa: Lá atrás, beeeeeeeem antes do princípio de tudo, quando deus dormia, seu sono era embalado pela voz e pelo violão de João Gilberto. Não me perguntem como, mas era.

Passaram-se os anos, Eva já era uma senhora respeitável e Adão um velho safado. Levavam aquela vida besta, Adão saía para trabalhar, Eva ficava cuidando dos filhos e dos primeiros netos. Viviam sem grandes preocupações a não ser as brigas constantes entre os dois filhos mais velhos, Caim e Abel. Como se sabe, Abel era pastor de ovelhas e Caim era agricultor, e viviam discutindo sobre qual das duas ocupações era mais nobre e útil. Abel era apegado aos pais e carinhoso com os irmãos; Caim era o terror das mulheres (suas próprias irmãs e sobrinhas, que era o que se podia arranjar, dadas as circunstâncias da época). Abel era apaziguador por natureza; Caim não resistia à tentação de entrar numa briga. Apenas uma vez chegaram a um consenso: Por sugestão de Caim, formaram uma dupla sertaneja. Pela primeira vez pareciam irmãos de verdade e animavam as festas da imensa família com seu talento nato. Abel entusiasmou-se tanto que até se esqueceu do tênis de mesa, que tinha sido a sua sugestão de dupla, mesmo porque ninguém ainda tinha tido a idéia de inventar a bolinha.
Mas, como era de se esperar do temperamento de ambos, a harmonia durou pouco. Os irmãos começaram a brigar em todos os ensaios, e nos shows um queria aparecer mais que o outro, com agudos, glissandos, scats e outros malabarismos vocais para impressionar a platéia e irritar o irmão.
Vendo deus que a dupla de que era empresário ameaçava desmontar-se, resolveu tirar a prova dos nove e convocou os dois para um concurso. Cada um devia apresentar uma canção de própria escolha, e o que se saísse melhor seria aceito como líder, sem discussão. Ambos aceitaram.
Chegado o dia do concurso, com uma numerosa platéia (lembremo-nos que os tempos eram outros, as pessoas viviam mais e não tinham muito o que fazer além de sexo, o que levava a taxas de natalidade absurdas), Abel foi o primeiro a apresentar-se, com a música Segura Na Mão De Deus. Cantou a última estrofe de um jeito meio sincopado e terminou com um agudo impressionante. O coro de “Já ganhou!” durou dez minutos. Ainda no meio da ovação dirigida ao irmão, Caim subiu ao palco. Olhou com ódio para o público e começou sua interpretação intimista e sofrida de Se Eu Quiser Falar Com Deus, e foi tão aplaudido quanto Abel.
Terminado o concurso, deus subiu ao palco para anunciar o vencedor. O resultado justo seria o empate, mas Caim arriscara-se cantando uma música cuja letra chegava a questionar a existência de deus, vejam só. Movido mais por despeito do que por critérios musicais, deus anunciou Abel como vencedor e entregou a Caim o Troféu Abacaxi. Abalado com a injustiça e a ironia cruel de tudo aquilo, Caim arrebentou o violão na cabeça de Abel e saiu correndo do palco. Abel morreu como conseqüência de traumatismo craniano grave, e deus condenou Caim ao pior dos estigmas: sair pelo mundo sem destino, cantando em churrascarias.
Com isso, deus criou o exílio e Caim inventou o assassinato e inaugurou essa tradição de sempre morrer um nas duplas sertanejas.

Ao chegar à terra para começar a cumprir sua sentença, Lúcifer olhou em volta e foi obrigado a concordar com deus: De fato, tudo era bom. Bom demais. Perfeitinho, sabe? Um pé no saco, pra falar a verdade. “Bom, tá na hora de agitar um pouco isso aqui”. Pra começar, foi logo mudando de nome, não aconselhado por alguma numeróloga, mas pelo desejo de mudar mesmo tudo. De lá pra cá ele ganhou tantos apelidos que já não temos como saber qual foi esse primeiro nome; chamemo-lo Canho.
Pois continuando a observar as coisas da Terra, o Canho interessou-se logo pela vida do primeiro casal. O homem, apesar maior e mais forte, era dominado pela mulher. “Adão, meu pé tá doendo”, e lá ia ele massagear os pés de Eva; “Adão, quero fazer uma feijoada hoje, me traz um mamute”, e Adão ia pegar mamute na unha; “Adão, vai pentear macaco”, e lá ia o pobre diabo (não confundir com o Canho, que não era pobre nem rico) com seu pente de osso tentar organizar a fila de orangotangos e bugios impacientes por um penteado.
“Hum, já vi quem é que manda na parada por aqui…”, pensou o Canho. Já sabendo que deus, por pura diversão, havia proibido o casal de comer do fruto de uma certa árvore do Jardim do Éden, entrou no corpo de uma cobra inocente que ia passando e foi falar com Eva.
— Ô! Ei! Psiu! Mulé!
— O que é isso? Desde quando cobra fala?
— Você nasceu semana passada e tá pensando que já sabe de tudo, é? Escuta, minha filha, é verdade que deus proibiu vocês de comerem do fruto daquela — apontando com o chocalho — árvore?
— Sim, é verdade.
— Que absurdo… Mas por que isso?
— Ele diz que teremos o conhecimento do bem e do mal se provarmos do fruto.
— Ora, e você quer melhor que isso, conhecimento? Vocês vão saber tudo sobre as coisas da terra, do céu e do mar, o movimento das estrelas, o ciclo das chuvas e das marés, vocês poderão construir moradas resistentes e confortáveis. Deus não quer porque tendo o conhecimento vocês também conhecerão a natureza dele, e o bichão morre de medo disso.
— Não vem com papo. Estamos proibidos e pronto.
— Hum… Vocês vão saber os números da Mega Sena sempre que acumular…
— Não.
— Você vai saber quais serão as tendências da moda do próximo verão meses antes…
— Ôpa.
Bom, o resto todo mundo já sabe: deus ficou muito puto por ter perdido uma nota no Bolão do Fruto Proibido, amaldiçou o homem, a mulher e a cobra (que não tinha nada com isso), expulsou todo mundo do Éden e ainda criou a segurança truculenta ao colocar anjos e espadas flamejantes guardando o portão do jardim.

Tá bom, tem gente que não vai gostar dessa idéia de deus como um eterno sonolento. Então eu mudo: o cara gostou tanto de criar tudo isso aqui que nunca mais parou, todo dia inventa um negócio. Por exemplo, logo depois de criar a Terra, resolveu fazer um reality show no céu, nos moldes de Big Brother e Casa dos Artistas. O sucesso foi aquele que vocês devem imaginar. Mas logo na primeira semana os participantes votaram em deus pra sair do programa. Muito puto, cancelou o programa, expulsou Lúcifer (que começava a se destacar no grupo, feito um Supla celestial) e o condenou a vagar sobre a Terra. Estava pronta outra de suas invenções: a ditadura.

No princípio criou deus o céu e a terra.
Deus existiu desde sempre, mas sem consciência disso. Sua existência era um sono povoado por sonhos difusos. Mas uma vez ele teve um sonho muito claro: sonhou que tinha criado a luz, o céu, a terra, o sol, a lua, as estrelas, os mares, os peixes, os animais terrestres, as aves, o homem e a mulher. E viu que tudo era bom. O sonho foi tão intenso e tão surpreendente para quem vivia no meio do Nada absoluto, que ele chegou a entreabrir os olhos. Ao fazê-lo, percebeu que tudo havia se realizado. Sem entender o que estava acontecendo, pensou “Só me faltava essa…”, virou pro outro lado e voltou a dormir. E o resto vocês já sabem: tá lá, dormindo até hoje.
Ou então: ele acordou com uma música muito chata na cabeça e decidiu, “Melhor eu fazer alguma coisa, tô ficando irritado com essa merda”.

Talvez agora seja tarde demais, mas fiquei sabendo que esse negócio de blog é uma promiscuidade da porra, eu ponho seu blog no meu blog, aí você põe o meu blog no seu blog, aí nós dois botamos o blog de fulano nos nossos respectivos blogs e fulano faz o mesmo por nós, assim como sicrano e beltrano, que não poderiam ficar fora dessa, por mais que quisessem. Resumindo, é uma lambança entre blogueiros que faria corar o mais empedernido dos gomorritas.
Ora, por favor, sou um rapaz respeitável, de formação protestante tradicional, não devo ser exposto a esse tipo de putaria. A outros tipos, sim, podem expor-me à vontade.

Pois é. Aqui estou eu fazendo blog. Quem diria. Eu não queria fazer blog. Juro que não. Tô falando que não, porra! Imagina, fazer blog… Parece que é algum barulho que o cara faz. “Olha, aquele ali faz blog”. “Sério? Por onde???”.
Triste, triste. Mas meu cérebro anda sofrendo um ataque de escorpiões sádicos e eu preciso fazer algumas punções no pobre coitado pra deixar escorrer o veneno. Ou vai ver nem é nada disso, vai ver é só a viadagem de sempre.
De um modo ou de outro, sejam quais forem as conseqüências, a culpa é da Bárbara, que tanto insistiu para que eu me tornasse essa abjeção, um fazedor de blog. Humpf!