Ahab tinha Moby Dick, Batman tem o Coringa, eu tinha a Periplaneta americana. Com seu formato aerodinâmico, sua velocidade e capacidade de fuga, seu habilidade de vôo e sua lendária resistência, a barata de esgoto era meu oponente de todas as horas, o ser que eu mais detestava e que mais queria varrer da face do planeta. Vez em quando, durante surtos dessa obsessão, encontrava em meu caminho baratinhas minúsculas. Eram tão lentas e estúpidas que eu por muito tempo as considerei filhotes de minhas inimigas. Só depois de me mudar para o apartamento gigante eu fui descobrir que se tratava de outra espécia, Blatella germanica, e que sua aparente incapacidade era na verdade um disfarce sob o qual se escondia um ser muito mais inteligente do que as baratonas e, confesso, do que eu.
Comparar as duas espécies é comparar um hipopótamo a um puma. As baratas de esgoto só têm tamanho e rapidez, enquanto as baratinhas têm inteligência e estratégia definida. Devido a seu tamanho, podem se enfiar em qualquer buraco (por isso durmo sempre vestido). A fêmea não deposita seus ovos por aí: anda carregando sua ooteca até perto da hora da eclosão. Cada ovo gera várias ninfas, que vão desse estado até a maturidade sexual em pouco tempo. Com um ciclo de reprodução tão rápido, a velocidade de adaptação da espécie para resistência aos inseticidas é uma covardia.
Um dia antes da mudança, minha mãe foi a portadora de más notícias: havia encontrado uma baratinha no apartamento. Antes de matá-la, insistiu em saber sobre os outros membros da família. Ela, porém, limitava-se a fornecer número e patente. Maldita.
Após a mudança, comecei a encontrar as pequeninas eventualmente, sempre matando-as sem grandes problemas. Depois do casamento, outro problema: Ana Cartola ainda não viu barata nenhuma, e pensa que eu ando tento alucinações.
A gota d’água veio na semana passada. Os leitores fiéis hão de lembrar de minha paixão por pão sovado e Amendocrem. Pois então: após muito bater perna pelo arouche, finalmente encontrei minhas iguarias no mercado do japonês secreto (não perguntem). Na noite seguinte, encontrei uma blatella desgraçada tentando burlar os complexos mecanismos de segurança (dois nós na embalagem de plástico) para ter acesso ao pão feito do suor do meu rosto (eca). Era demais para mim: declarei guerra.
Desde esse dia, tenho tentado de tudo. Esvaziei três latas de inseticida e as baratinhas continuam aparecendo. Ontem eu e minha espôusa ficamos até de madrugada limpando a casa e distribuindo gotas de um certo gel baraticida. Hoje de manhã, as gotas de gel estavam intactas (a não ser por uma: esbarrei numa gaveta e destruí a isca das baratas, que naquela hora provavelmente assistiam à cena na segurança de uma das muitas fendas entre os azulejos, rindo da minha cara).
Não estranhem, portanto, se eu não aparecer mais por aqui. Prevejo que essa obsessão por minha nêmesis vai me tomar todo o tempo.

Marco Aurélio está prestes a completar 28 anos. É uma idade avançada. Marco Aurélio pensa que já está mais do que na hora de sair da casa dos pais e ir fazer sua vida. Marco Aurélio faz planos para se mudar no máximo até o próximo ano.
— Marco! — chama o pai — Não quer tomar café não? Comprei pão sovado.
Hum… Talvez 28 anos nem seja uma idade tão avançada assim. Pão sovado…
Assim fica difícil, porra!