(I Reis 17)
No último capítulo (lá se vão três meses), vimos que a situação no Reino do Norte ia de mal a pior. Enquanto Judá vivia tempos de calmaria, com o piedoso Asa no trono, em Israel cada rei coroado era pior que seu antecessor. Essa série culminou com Acabe que, não contente em permitir que o povo adorasse outros deuses, empenhou-se ele mesmo em irritar a Javé. Para começar, casou-se com Jezabel, e passou a adorar o deus Baal. Não só isso: o rei mandou erguer um templo em Samaria em honra a Baal, para concorrer com o templo de Jerusalém, dedicado a Javé.
Lá de cima, Javé assistia a tudo isso e tentava manter-se calmo. Sentia um tremor no canto do olho direito e no lábio superior, e procurava conter-se. Sabia que, se deixasse sua ira manifestar-se de forma plena, destuiria não só Israel, mas, no mínimo, metade do Sistema Solar. Então respirava fundo, contava até 10 trilhões, e tentava escolher um profeta que pudesse enfrentar a audácia de Acabe. Pensou, pensou, e acabou escolhendo Elias.
Elias era um profeta da pequena cidade de Tisbé, em Gileade. Era um bom rapaz, trabalhador, disciplinado. Pouco conhecido fora de sua cidade, surpreenderia a todos quando começasse a falar em nome de Javé. Perfeito. Feita a escolha, Javé foi ter com o profeta.
— ELIAS!
— Quê?
— MANÉ “QUÊ”! SABE QUEM ESTÁ FALANDO?
— Assim, pela voz, não. Se você aparecesse ia facilitar um bocado.
— EU SOU O QUE SOU!
— Eu também, ué. Aquela pedra ali também. Que coisa… Olha, eu tenho mais o que fazer e…
— CALABOCA! EU SOU É DEUS, TÁ ME OUVINDO? DEUS!
— Deus, é? Qual deles? Tem um monte por aí, sabe como é.
— SOU O ÚNICO DEUS, PORRA! JAVÉ!
— Ah, esse. O que manda, Javé?
— Você não vai ficar nem um pouco impressionado, caralho?
— Deveria?
— …
— …
— Cê tá falando sério?
— Ah, puta que pariu, até o Senhor? Por que é que todo mundo me pergunta isso?
— É essa sua postura, Elias.
— Que que tem minha postura?
— Esse seu jeitão aí, sei lá. Meio… cínico.
— Você acha?
— Cê tá falando sério?
— ARGH!
— Bom, vamos parar de papo furado. Você sabe que Acabe está fazendo de tudo para me irritar. Casou-se com aquela vadia, construiu um templo para Baal, vive naquelas surubas sagradas e não sei que mais. Eu quero que você vá lá e acabe com isso.
— Ah, é só isso? Que bobagem!
— …
— Ok, ok. Continue.
— Quero que você vá ao palácio e dê um recado a ele. O resto a gente vê depois.
Foi assim que, no dia seguinte, Elias foi ao palácio falar com o rei.
— Acabe! Trago um recado de Javé para você!
— Peraí, peraí, peraí… Quem você pensa que é para vir aqui falar comigo nesse tom?
— Sou Elias, e trago a seguinte mensagem: não vai cair chuva, nem mesmo sereno, até que eu ordene que a chuva volte.
— Hein?
— É isso. Vem uma grande seca por aí. Só vai voltar a chover quando eu mandar.
— Porra, tu é manda-chuva, é?
— …
— Rapaz, cê tá falando sério?
— TÔ, PORRA!
— COMO É QUE É? GUARDAS! Capem esse feladaputa!
Elias ia perguntar se o rei estava falando sério, mas achou melhor sair correndo. Correu até encontrar um lugar para se esconder, e estava encolhido, recuperando o fôlego, quando ouviu a voz de Javé:
— ELIAS!
— PORRA! Quer me matar de susto?
— Epa, foi mal. E aí, como foi lá com o Acabe.
— Falei o que você me mandou falar.
— O lance da seca? Eita! E ele?
— Adorou, disse que é mesmo um cara muito mau, e que merecia isso.
— Sério?
— CLARO QUE NÃO! O FELADAPUTA MANDOU ME CAPAR!
— Ah… Calma, Elias. Faz o seguinte: conhece o riacho de Querite, pra lá do Jordão?
— Conheço.
— Então. Vá praqueles lados, e se esconda por lá. Mesmo com a seca, você vai ter o que comer e o que beber, não se preocupe.
Elias ficou em seu esconderijo até anoitecer, e então partiu para a região do riacho de Querite. Javé não mentira ao dizer que ele teria o que beber e o que comer, mas também não dera a informação completa. Para beber, o profeta só tinha mesmo a água do rio. Até aí, nada mau. O pior era a comida: todas as tardes um bando de corvos vinha trazar pão e carne para ele. Desesperado, o profeta se perguntava:
— Quando é que eu vou voltar a ter uma vida normal?
E os corvos respondiam:
— Never more!
Água do rio e comida trazida pelos corvos. O que parecia ser o pior possível piorou ainda mais quando, devido à seca, o riacho secou. Elias foi queixar-se com Deus, que não se deu por achado: disse que tudo estava sob controle, e que ele fosse à cidade de Sarepta, perto de Sidom, que uma viúva lhe daria de comer. Elias foi, e já às portas da cidade encontrou a viúva catando lenha.
— Com licença, senhora. Poderia me dar um pouco d’água para beber? Estou morrendo de sede.
— Pois não, meu filho. Vou ali buscar a água.
— Ah, muito obrigado. Um pãozinho ia bem também.
— Meu filho, eu não tenho mais pão. Tenho um punhadinho de farinha de trigo e um quase nada de azeite. Vim aqui pegar uns pedaços de pau para fazer fogo para cozinhar qualquer coisa para mim e para o meu filho. Depois disso, vamos morrer de fome.
— O que é isso, minha senhora? Seja mais positiva! Pode ir preparar sua comida. Mas antes pegue a farinha e o azeite que ainda lhe sobram e faça um pãozinho para mim.
— Meu filho, não me leve a mal, mas… CÊ TÁ DE SACANAGEM, NÉ?
— Ai, meu saco… Dona, faça o que eu disse. Sou um profeta, e Javé manda dizer que não acabará a farinha da sua tigela nem o azeite do seu jarro até que volte a chover.
— Hum. Sei não…
— Pode acreditar, minha senhora. Pelamordedeus, tô seco de fome e sede!
— Tá bom, vai.
A viúva fez o que Elias tinha dito e, milagrosamente, a farinha e o azeite multiplicaram-se. Por muitos dias, os três tiveram o que comer. Infelizmente, uma dieta de farinha e azeite não é a mais indicada para uma criança, e o filho da viúva morreu. “Efeito colateral”, disse Javé. “Efeito colateral meu ovo, que agora essa velha me mata”, disse Elias. Confabularam por um tempo, e lá foi ele falar com a viúva.
— Me dá aqui esse defuntinho.
— HEIN?
— Me dá o moleque, rápido!
— Você está falando sério?
— PUTA QUE PARIU, E EU IA BRINCAR COM UM NEGÓCIO DESSES?
Sem esperar resposta, o profeta pegou o pequeno cadáver, levou-o para o andar de cima e o deitou na sua cama. Feito isso, clamou aos céus:
— JAVÉ, CARALHO, POR QUE ME FODESTE DESSA FORMA? AGORA A DESGRAÇADA DA VELHA VAI ACABAR COM A MINHA RAÇA! ELA ME HOSPEDOU, ME DEU COMIDA, E TU MATASTE O MOLEQUE DELA. NÃO FODE, JAVÉ!
Enquanto orava, Elias debruçou-se três vezes sobre o menino. Na terceira vez, o menino voltou a respirar e abriu os olhos. Ao ver o profeta sobre ele, gritou:
— PEDÓFILO!
— Pedófilo é uma porra, seu moleque dos infernos. Volta correndo lá pra baixo, e calado, senão eu te mato de novo.
Ao ver o filho vivo novamente, a viúva finalmente reconheceu que Elias era um enviado de Javé. Queria sair pela vizinhança contando o ocorrido, mas o profeta lhe proibiu. Ainda era um fugitivo, afinal, e Javé não dera ordens para os próximos passos. Elias precisaria ser paciente: a seca ainda duraria três anos.
Profano, desacarado, hilário, bem escrito, tomara que você volte logo para que dê mais diversão aos fariseus. Afinal, é dando que se recebe.
Voltou em forma. “Never More” foi ótima. Só um comentário, escreveste “ciar chuva” em vez de “cair chuva”. Deve ser o horário. Ou a idade.
eu não tava dizendo ?!!? era só esperar e Javé lhe mandaria a inspiração para escrever de novo e nos fazer rir… e a ele…
“Não Fode, Javé” ficou demais !!!