Pois é, pois é, acho que não vai dar certo esse negócio de recontar a bíblia. Meu texto está ficando maior que o original, e nem está tão legal quanto eu pensei que pudesse ficar. Então vou contar o Gênesis, talvez um pouco do Êxodo e depois eu paro.
Ah, e faltou dizer uma coisa: Lá atrás, beeeeeeeem antes do princípio de tudo, quando deus dormia, seu sono era embalado pela voz e pelo violão de João Gilberto. Não me perguntem como, mas era.

Passaram-se os anos, Eva já era uma senhora respeitável e Adão um velho safado. Levavam aquela vida besta, Adão saía para trabalhar, Eva ficava cuidando dos filhos e dos primeiros netos. Viviam sem grandes preocupações a não ser as brigas constantes entre os dois filhos mais velhos, Caim e Abel. Como se sabe, Abel era pastor de ovelhas e Caim era agricultor, e viviam discutindo sobre qual das duas ocupações era mais nobre e útil. Abel era apegado aos pais e carinhoso com os irmãos; Caim era o terror das mulheres (suas próprias irmãs e sobrinhas, que era o que se podia arranjar, dadas as circunstâncias da época). Abel era apaziguador por natureza; Caim não resistia à tentação de entrar numa briga. Apenas uma vez chegaram a um consenso: Por sugestão de Caim, formaram uma dupla sertaneja. Pela primeira vez pareciam irmãos de verdade e animavam as festas da imensa família com seu talento nato. Abel entusiasmou-se tanto que até se esqueceu do tênis de mesa, que tinha sido a sua sugestão de dupla, mesmo porque ninguém ainda tinha tido a idéia de inventar a bolinha.
Mas, como era de se esperar do temperamento de ambos, a harmonia durou pouco. Os irmãos começaram a brigar em todos os ensaios, e nos shows um queria aparecer mais que o outro, com agudos, glissandos, scats e outros malabarismos vocais para impressionar a platéia e irritar o irmão.
Vendo deus que a dupla de que era empresário ameaçava desmontar-se, resolveu tirar a prova dos nove e convocou os dois para um concurso. Cada um devia apresentar uma canção de própria escolha, e o que se saísse melhor seria aceito como líder, sem discussão. Ambos aceitaram.
Chegado o dia do concurso, com uma numerosa platéia (lembremo-nos que os tempos eram outros, as pessoas viviam mais e não tinham muito o que fazer além de sexo, o que levava a taxas de natalidade absurdas), Abel foi o primeiro a apresentar-se, com a música Segura Na Mão De Deus. Cantou a última estrofe de um jeito meio sincopado e terminou com um agudo impressionante. O coro de “Já ganhou!” durou dez minutos. Ainda no meio da ovação dirigida ao irmão, Caim subiu ao palco. Olhou com ódio para o público e começou sua interpretação intimista e sofrida de Se Eu Quiser Falar Com Deus, e foi tão aplaudido quanto Abel.
Terminado o concurso, deus subiu ao palco para anunciar o vencedor. O resultado justo seria o empate, mas Caim arriscara-se cantando uma música cuja letra chegava a questionar a existência de deus, vejam só. Movido mais por despeito do que por critérios musicais, deus anunciou Abel como vencedor e entregou a Caim o Troféu Abacaxi. Abalado com a injustiça e a ironia cruel de tudo aquilo, Caim arrebentou o violão na cabeça de Abel e saiu correndo do palco. Abel morreu como conseqüência de traumatismo craniano grave, e deus condenou Caim ao pior dos estigmas: sair pelo mundo sem destino, cantando em churrascarias.
Com isso, deus criou o exílio e Caim inventou o assassinato e inaugurou essa tradição de sempre morrer um nas duplas sertanejas.

Ao chegar à terra para começar a cumprir sua sentença, Lúcifer olhou em volta e foi obrigado a concordar com deus: De fato, tudo era bom. Bom demais. Perfeitinho, sabe? Um pé no saco, pra falar a verdade. “Bom, tá na hora de agitar um pouco isso aqui”. Pra começar, foi logo mudando de nome, não aconselhado por alguma numeróloga, mas pelo desejo de mudar mesmo tudo. De lá pra cá ele ganhou tantos apelidos que já não temos como saber qual foi esse primeiro nome; chamemo-lo Canho.
Pois continuando a observar as coisas da Terra, o Canho interessou-se logo pela vida do primeiro casal. O homem, apesar maior e mais forte, era dominado pela mulher. “Adão, meu pé tá doendo”, e lá ia ele massagear os pés de Eva; “Adão, quero fazer uma feijoada hoje, me traz um mamute”, e Adão ia pegar mamute na unha; “Adão, vai pentear macaco”, e lá ia o pobre diabo (não confundir com o Canho, que não era pobre nem rico) com seu pente de osso tentar organizar a fila de orangotangos e bugios impacientes por um penteado.
“Hum, já vi quem é que manda na parada por aqui…”, pensou o Canho. Já sabendo que deus, por pura diversão, havia proibido o casal de comer do fruto de uma certa árvore do Jardim do Éden, entrou no corpo de uma cobra inocente que ia passando e foi falar com Eva.
— Ô! Ei! Psiu! Mulé!
— O que é isso? Desde quando cobra fala?
— Você nasceu semana passada e tá pensando que já sabe de tudo, é? Escuta, minha filha, é verdade que deus proibiu vocês de comerem do fruto daquela — apontando com o chocalho — árvore?
— Sim, é verdade.
— Que absurdo… Mas por que isso?
— Ele diz que teremos o conhecimento do bem e do mal se provarmos do fruto.
— Ora, e você quer melhor que isso, conhecimento? Vocês vão saber tudo sobre as coisas da terra, do céu e do mar, o movimento das estrelas, o ciclo das chuvas e das marés, vocês poderão construir moradas resistentes e confortáveis. Deus não quer porque tendo o conhecimento vocês também conhecerão a natureza dele, e o bichão morre de medo disso.
— Não vem com papo. Estamos proibidos e pronto.
— Hum… Vocês vão saber os números da Mega Sena sempre que acumular…
— Não.
— Você vai saber quais serão as tendências da moda do próximo verão meses antes…
— Ôpa.
Bom, o resto todo mundo já sabe: deus ficou muito puto por ter perdido uma nota no Bolão do Fruto Proibido, amaldiçou o homem, a mulher e a cobra (que não tinha nada com isso), expulsou todo mundo do Éden e ainda criou a segurança truculenta ao colocar anjos e espadas flamejantes guardando o portão do jardim.

Tá bom, tem gente que não vai gostar dessa idéia de deus como um eterno sonolento. Então eu mudo: o cara gostou tanto de criar tudo isso aqui que nunca mais parou, todo dia inventa um negócio. Por exemplo, logo depois de criar a Terra, resolveu fazer um reality show no céu, nos moldes de Big Brother e Casa dos Artistas. O sucesso foi aquele que vocês devem imaginar. Mas logo na primeira semana os participantes votaram em deus pra sair do programa. Muito puto, cancelou o programa, expulsou Lúcifer (que começava a se destacar no grupo, feito um Supla celestial) e o condenou a vagar sobre a Terra. Estava pronta outra de suas invenções: a ditadura.

No princípio criou deus o céu e a terra.
Deus existiu desde sempre, mas sem consciência disso. Sua existência era um sono povoado por sonhos difusos. Mas uma vez ele teve um sonho muito claro: sonhou que tinha criado a luz, o céu, a terra, o sol, a lua, as estrelas, os mares, os peixes, os animais terrestres, as aves, o homem e a mulher. E viu que tudo era bom. O sonho foi tão intenso e tão surpreendente para quem vivia no meio do Nada absoluto, que ele chegou a entreabrir os olhos. Ao fazê-lo, percebeu que tudo havia se realizado. Sem entender o que estava acontecendo, pensou “Só me faltava essa…”, virou pro outro lado e voltou a dormir. E o resto vocês já sabem: tá lá, dormindo até hoje.
Ou então: ele acordou com uma música muito chata na cabeça e decidiu, “Melhor eu fazer alguma coisa, tô ficando irritado com essa merda”.

Talvez agora seja tarde demais, mas fiquei sabendo que esse negócio de blog é uma promiscuidade da porra, eu ponho seu blog no meu blog, aí você põe o meu blog no seu blog, aí nós dois botamos o blog de fulano nos nossos respectivos blogs e fulano faz o mesmo por nós, assim como sicrano e beltrano, que não poderiam ficar fora dessa, por mais que quisessem. Resumindo, é uma lambança entre blogueiros que faria corar o mais empedernido dos gomorritas.
Ora, por favor, sou um rapaz respeitável, de formação protestante tradicional, não devo ser exposto a esse tipo de putaria. A outros tipos, sim, podem expor-me à vontade.

Pois é. Aqui estou eu fazendo blog. Quem diria. Eu não queria fazer blog. Juro que não. Tô falando que não, porra! Imagina, fazer blog… Parece que é algum barulho que o cara faz. “Olha, aquele ali faz blog”. “Sério? Por onde???”.
Triste, triste. Mas meu cérebro anda sofrendo um ataque de escorpiões sádicos e eu preciso fazer algumas punções no pobre coitado pra deixar escorrer o veneno. Ou vai ver nem é nada disso, vai ver é só a viadagem de sempre.
De um modo ou de outro, sejam quais forem as conseqüências, a culpa é da Bárbara, que tanto insistiu para que eu me tornasse essa abjeção, um fazedor de blog. Humpf!