NOTA: Eu tinha pensado em escrever alguma coisa, imprimir várias cópias e distribuir para os convidados. Mas isso seria uma coisa chata. Aí eu pensei em meio que decorar o texto e fazer um discurso. Mas sou um cara tímido pra essas coisas. Além do mais, ia acabar chorando e, como vocês sabem, homem não chora. Então decidi que não havia lugar melhor para eu falar sobre o casamento da minha irmã do que aqui.
Muito bem, mas quem é Relssona? Digamos que se o mundo fosse governado não pelos adultos, mas pelas crianças de dois anos, Relssona seria o nome da minha irmã. Já explico. No longínquo ano de 1977, minha família (que na época consistia em apenas três pessoas) preparava-se para um salto na escala social: Eu e meus pais sairíamos finalmente dos dois cômodos em que morávamos, sem água encanada e com banheiro do lado de fora, para uma casa de verdade, com sala, dois quartos, um banheiro decente. E era assim: a casinha de dois cômodos ficava na parte baixa do terreno, a casa nova ficaria na parte alta. A construção da casa foi entregue a um pedreiro de confiança, amigo da família, chamado Édson. Eu achava muito legal esse nome, Édson, e admirava sua sonoridade com a fascinação fervorosa que só os meninos recém-chegados ao mundo conseguem ter.
E nessa mesma época minha mãe estava grávida. Eu queria muito que meu irmãozinho se chamasse Édson, mas não sabia ainda que duas pessoas podiam ter o mesmo nome, então escolhi um nome parecido, inventado por mim: Errélson.
— Mas Marco, esse nome não existe!
— Claro que existe, eu não tô falando? Errélson!
— Hum. E se for menina?
— Se for menina?
— É.
— RELSSONA!
Agora que penso nisso, a convivência comigo devia ser um inferno… Mas essa idéia de Relssona não durou muito, graças ao talento diplomático do meu pai. Lembro-me nitidamente de um dia em que ele chegou em casa, já sabendo que teria uma filha, e foi logo perguntando:
— Você quer que sua irmã se chame Ana Paula ou Ana Cristina?
— Não sei. Qual você gosta mais?
— Ana Paula.
— Então eu quero Ana Cristina.
Com isso meu pai tirou da minha cabeça a idéia da Relssona, sem no entanto tirar o orgulho que eu sentiria de ter escolhido o nome da minha irmã.
E quando ela nasceu, meu pai, sempre tão comedido, endoidou: Comprou um saco de balas maior que ele e saiu correndo pela rua, dando balas para as crianças que encontrava e repetindo “Minha filha nasceu, minha filha nasceu!”. Imagino as mães vendo aquela cena, um homem louco correndo pela rua e distribuindo balas.
— Filhinho, não come isso não. Deve ser tóchico.
Sei que foi o maior barato. Eu não sabia ainda como era esse negócio de ter irmãos, mas acho que até que me saí bem para um primogênito de primeira viagem. E lembro-me especialmente do dia em que, depois de uma tarde inteira tentando, consegui enfim fazer a Cris ficar em pé e dar mais de três passos.
— Vamos dar um susto na mãe!
Corri para a cozinha e ela veio andando daquele jeito cauteloso de quem acabou de descobrir o poder das próprias pernas.
— Olha quem tá vindo ali, mãe!
Minha mãe levantou os olhos da máquina de costura e viu aquela coisinha gorda andando na direção dela. Acho que essa foi a primeira vez que eu quase causei um ataque do coração na velha.
Bah, se eu for contar tudo vou ter que fazer um blog só para isso. Afinal, foram 25 anos de convivência, com todos aqueles altos e baixos do relacionamento entre irmãos. Sei que as únicas vezes em que briguei na escola foram para defender minha irmã. E assim segui, sempre querendo defendê-la, sem desconfiar que ela não precisava disso. Porque minha irmã é uma mistura de uma alegria esfusiante com uma tristeza muito profunda, mas acima de tudo ela é uma mulher forte.
Sempre fui um irmão ciumento, então vocês podem imaginar minha reação quando o Jairo veio aqui em casa pela primeira vez. Fui muito educado e cordial com ele, porém frio. Firme. Aquela cara de “O-que-você-pretende-com-minha-irmãzinha-seu-bastardo”. Mas ele tem a manha de desarmar qualquer um, fomos conversando e percebi que estava ali, finalmente, um cara digno da Relssona. E, pombas, um cara que fez minha irmã começar a ler bons livros e escutar boa música, só podia ter muitos créditos comigo.
Por isso estou feliz com o casamento de Relssona. Ela não se casou com um zé-mané qualquer: Esperou surgir em sua vida um zé-mané especial, que lê Nick Hornby e ouve Belle & Sebastian. O Jairo entrou em nossa família definitivamente, com seu senso de humor apurado, sua inteligência e simpatia, sua cara de passarinho.
Estou feliz. Mas também estou triste, oras. Porque não vamos mais dançar feito retardados pela casa. E porque agora eu me deito num sofá, o Beto no outro, e não vai ter ninguém para brigar pelos sofás. Ah, é um monte de coisinhas, aí cê junta tudo e fica um bolo aqui na garganta e o coração pequenininho.
Mas há uma vantagem imensa em sermos quatro pessoas em casa agora: Quando pedirmos pizza, cada um vai comer dois pedaços e pronto.
E tem outra coisa, uma frase do Zé (aquele meu tio que tem TODOS OS DISCOS do Pink Floyd):
— Eu também já passei por isso. E hoje vocês são meus sobrinhos.
É isso aí. Cris, Jairo: EU QUERO SOBRINHOS, PORRA!!!