Monte Santo, enfim

Mais de 60 anos depois que meu pai foi para São Paulo, e 15 anos depois da última visita dele à terra natal, finalmente estou em Monte Santo. Vim aqui para deixar de ser uma árvore troncha.

Já explico.

Cheguei ontem a Salvador, dormir em Feira de Santana, hoje de manhã segui viagem. Contei no grupo da família que pretendia passar por Caldas do Jorro antes, e minha mãe me disse que uma prima do meu pai morava lá.

Caldas do Jorro tem esse nome porque o pessoal do “O Petróleo é Nosso” inventou de furar o chão pra caçar petróleo na década de 1940. Depois de mais de 1.800 metros de perfuração, finalmente jorrou… água. Água quente, 48 graus centígrados. Frustrada a ideia do combustível fóssil, o lugar virou estância hidromineral que atrai turistas até hoje. Dizem que as águas são medicinais, “melhores que as de Vichy”. A prefeitura garante que elas surgem de um lençol freático inesgotável. Na minha idade, eu já sei que nada no universo é inesgotável. A MIM NÃO ME ENGANAM

Pois lá fui eu para o Jorro encontrar a prima do meu pai, Zenaidinha. Pouco antes da entrada da cidade, um aviso:

Você está preparado?

Tenho nem roupa para um evento desse porte. Já em Caldas do Jorro, estava parado na praça central, que é o lugar onde as pessoas vão tomar banho de água medicinal, quando ouvi meu nome. Era o filho da Zenaidinha. Tinha visto uma foto minha, viu um careca barbudo com cara de perdido, soube logo que era eu. Eu tinha acabado de tirar essa foto:

Não quis ir lá fazer uma foto frontal com as pessoas lá, fiquei com vergonha. Meu pai fez uma foto muito melhor em 2009 (que, olhando agora, acho que não é da praça, mas do Jorrinho, que fica um pouco antes na estrada que vai para o Jorro):

Bom, o filho da Zenaidinha me achou, me levou até a casa dela, depois fomos ao bar. Zenaidinha tem um bar na praça, onde ela insistiu que eu almoçasse. “Você não come bode, né”. Eu nunca tinha comido, mas não tenho essas frescuras. Aceitei o bode, e foi a decisão acertada. É uma carne muito gostosa.

Eu, Zenaidinha, o filho dela, e um cara que tava lá falando ao telefone

Almocei, vim pra Monte Santo. Entrei na igreja, subi uma escada que talvez estivesse interditada e tirei essa foto:

Eu queria subir até a torre, mas a escada que vai até ela é gordofóbica:

Fui ao Museu do Sertão, bibib, bobobó. Depois eu conto.

Estou agora no hotel. Hotel, não: o Monte Santo Palace Hotel. Cheguei no dia mais movimentado da cidade, o dia da feira. A feira já estava se desmontando quando cheguei, mas o trânsito ainda estava caótico. Tem muita moto aqui, muita mesmo. As leis de trânsito são meras sugestões, e dar seta não faz parte da cultura local.

Agora está mais tranquilo, só permanece na praça o camelô dos CDs piratas e caixinhas de som bluetooth. Estava tocando Roberto Carlos quando voltei ao hotel depois do passeio pela cidade. Agora está tocando uma música em que o sujeito diz que chorou na vaquejada quando ouviu a música que o faz lembrar da ex. É bonita, a música.

Não sei se vou fazer um diário da viagem ou coisa assim. Até comprei um caderno e uma caneta verde pra isso (tinta verde me faz lembrar do meu avô Júlio, que era daqui, não sei por quê; acho que as cartas que ele escrevi ao meu pai eram em tinta verde e fiquei com isso na memória). Caderno e caneta estão aqui, mas eu logo me canso de escrever a mão. Só de pensar em contar uma história completa, já me ataca a tendinite. Digitando é melhor, mas acho chato abrir um documento do Word e escrever coisas que ninguém vai ler. Aí lembrei aqui do velho blog, onde QUASE ninguém vai ler.

Ficamos assim, então: não sei o que vai ser esse registro. Não sei nem se vai ter registro. Mas queria dizer que finalmente vim a Monte Santo, e que vinha rindo à toa dirigindo pela estrada, achando belíssima a paisagem da caatinga, as plantas e aves que não conheço. Meu projeto para essa viagem é saber das origens da família, mas é muito difícil eu saber algo além do pouco que já sei. Nós, desse grande clã chamado Brasileiro Pobre, não temos muito registro de nada. Nossos antepassados são como os mastodontes que viveram aqui muitos milênios antes deles: viveram, tiveram suas alegrias, suas lutas, deixaram filhos, talvez tenham visto os netos, morreram, e não tinha ninguém para escrever “Fulano viveu aqui. Ele era assim, assado.”

Não sei bem quem foram meus antepassados. Mas estar aqui na terra deles me dá uma sensação boa. É outro tipo de raiz, mas é alguma raiz. Não sou mais uma árvore troncha.

Fóssil de mastodonte encontrado em Monte Santo e exposto no Museu do Sertão

5 comments

  1. Grata surpresa no meu feed de RSS! Pode postar que pelo menos 1 leitor está garantido!
    Minhas raizes também são nordestinas e me identifico com o fato de não ter registros da nossa árvore genealógica.
    Abraços!

  2. Eu venho as vezes na esperança de você ter continuado. E hoje, páááá!!! Tem várias coisas pra ler!! Eu sou leitora das antigas. Gostei desse post sobre suas raízes, as minhas estão mais longe, mas quem sabe, não? ;o)

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