A primeira sensação é a luz atravessando as pálpebras, uma luz tão intensa que ofusca os olhos fechados. A segunda sensação é uma dor excruciante no tórax. Você quer gritar, não consegue. Tenta se mexer, se levantar, o corpo não responde. Decide abrir os olhos, mesmo com a luz: impossível. Ao redor, bipes, vozes, passos abafados. Alguém mexe no seu peito. Não: alguém mexe dentro do seu peito.
Você se lembra: “hoje em dia o risco é mínimo”, eles disseram. Transplante de coração. Você vinha se preparando para o pior, mas nunca ia imaginar algo assim. Seu cérebro é um celular sem crédito nem WiFi, que recebe chamadas e mensagens, mas não envia nada.
Com um esforço imenso, você consegue abrir um pouquinho os olhos. A luz é desesperadora, a dor é muito mais. No canto da visão o cirurgião tira a máscara. Você o reconhece: Dr. Orestes, o do risco mínimo, balança a cabeça e fala um horário. Está pronunciando sua morte. Você tenta mexer um dedo, piscar os olhos, qualquer sinal que possa chamar a atenção de alguém. Nada. De puro choque e desespero, você desmaia.
Quando acorda, percebe com alívio que consegue se mexer. Mexe os dedos dos pés, das mãos, pisca os olhos. Está escuro, aconchegante, o travesseiro é macio. Quer espreguiçar, mas não tem espaço. Explora ao seu redor. Os espaço é mínimo. Você tenta erguer a cabeça e bate a testa na madeira.