(Deuteronômio 31)
Tendo esgotado o assunto para discursos, Moisés precisava de alguma outra coisa para ganhar tempo. Então resolveu chamar Josué para passar-lhe instruções.
— Soldado Josué apresentando-se, SE-NHOR!
— Q-que p-porra é e-essa?
— Ao saber que iria ter a honra de substituí-lo, comecei meu treinamento militar, SE-NHOR!
— T-tá, t-tá… M-mas p-pára c-com e-essa p-porra de me ch-chamar de Se-Senhor, que é c-capaz do Ja-Javé f-ficar com ci-ciúmes, a b-bicha… P-pelamordedeus, Jo-Josué, q-que p-posição é e-essa? Tá c-com c-cãibra?
— Não, SE… digo, Seu Moisés. Estou em posição de sentido.
— A-ai m-meu s-saco… À v-vontade, s-soldado. Hum. M-melhor assim. O-olha aqui, Jo-Josué: eu c-convoquei o p-povo para um ú-último p-pronunciamento, e d-dessa v-vez você e-estará ao meu l-lado.
— Será uma honra, SE-SENHOR!
— Ô c-cacete, que f-foi isso a-agora?
— Uma continência, SE… Seu Moisés. Desculpe, me empolguei…
— Hu-humpf. V-vamos lá f-fora, que o p-povo e-está esperando.
Os dois foram para a frente da tenda de Moisés, onde o povo estava reunido. Os israelitas estavam impacientes com a espera, apesar do trio elétrico contratado por Eleazar e do chope de graça, então prorromperam em aplausos quando viram Moisés e Josué subindo ao caminhão de som. Os dois esperaram que a banda terminasse de tocar a Dança da Manivela (“Esses caras precisavam atualizar o repertório, seu Moisés…”). Então Moisés dirigiu-se ao microfone e começou a falar:
— M-meus irmãos i-israelitas! Não se p-preocupem, e-esse não é m-mais um d-dos meus d-discursos, só q-quero a-apresentar uma p-pessoa a vo-vocês. E-eu já e-estou com 120 a-anos e não d-dou mais c-conta de-desse trabalho. A-além disso, o Ja-Javé, d-demonstrando i-imensa g-gratidão, re-resolveu que não v-vou e-entrar na T-Terra P-Prometida. Ve-vejam vocês o d-deus bom q-que nós t-temos… B-bom, de-deixa pra l-lá. O f-fato é que s-sinto até um ce-certo a-alívio. V-vocês s-são um p-povinho m-muito do s-sem-vergonha, c-cabeça-dura, b-burro pra c-caralho! A-ainda bem que v-vou me li-livrar de vo-vocês. E q-quando eu mo-morrer, e-esse rapaz é q-quem vai me su-substituir. Com v-vocês, o m-meu a-amigo…
— ERASMO CARLOS!
— Q-quem f-foi o e-engraçadinho q-que g-gritou isso?
[SILÊNCIO]
— V-vai se e-entregar ou p-prefere que o Ja-Javé m-manifeste sua i-ira…?
— Fui eu, seu Moisés…
— V-você, Jo-Josué? M-mas p-por que você f-fala uma b-bobagem d-dessas num m-momento s-solene, p-porra???
— Pô, seu Moisés, foi mal. Mas eu vi o senhor aí mancando, cabelos grisalhos… Achei que fosse o Rei…
— Jo-Josué, me f-faz um f-favor?
— Claro, seu Moisés!
— Fica de b-bico c-calado e d-deixa que e-eu f-falo com o p-povo.
— …
— P-povo de I-Israel! A-apresento a vo-vocês seu n-novo líder, o m-meu a-amigo JOOOOOOOOOOOOOOOOO-SUUUUUUUUUUUUUUUUU-ÉEEEEEEEEEEEEEEEEEE!
[aplausos tímidos]
— P-puta que p-ariu, hein, Jo-Josué? C-carisma z-zero…
— Deixa eu falar com o povo, seu Moisés. Eles vão gostar de mim!
— V-vão p-porra nenhuma. D-deixa c-comigo.
Moisés pigarreou e começou um pequeno e inflamado discurso. Antecipou para o povo imagens do futuro próximo, um tempo de glórias e grandeza para Israel sob o comando do general Josué (que sorriu discretamente ante essa inesperada promoção). Ao fim de seu pronunciamento, o povo aplaudia Moisés e dava vivas a Josué, seu novo líder.
— Posso falar com eles agora, seu Moisés?
— E e-estragar o m-momento? C-claro que não. P-peraí que e-eu vou f-falar umas xa-xaropadas pra vo-você. A-atenção, i-israelitas! A-agora v-vou me di-dirigir ao ge-general Jo-Josué, seu n-novo l-líder. Jo-Josué, vo-você tem que s-ser f-forte e c-corajoso. P-prevejo um f-futuro b-brilhante para v-você à f-frente desse p-povo. Ja-Javé estará c-com vo-você o t-tempo todo, e o a-ajudará a de-derrotar os i-inimigos. E-Então, Jo-Josué, d-deixa de s-ser b-bundão e a-agradeça aos a-aplausos d-desse p-povo m-maravilhoso!
— Parece a Hebe falando…
— Não t-torra m-meu s-saco e f-faz o que eu m-mandei. E-eles já e-estão c-começando a g-gostar de vo-você, não vá e-estragar t-tudo.
— Tá bom. Mas eu posso pelo menos falar com eles agora?
— Hum… M-mais tarde. A-agora eu vou e-entregar aos l-levitas as l-leis que e-escrevi e d-depois v-vamos c-conversar c-com Ja-Javé.
— CONVERSAR COM JAVÉ???
— F-fala baixo e c-continua a-agradecendo os a-aplausos, p-porra!
— CONVERSAR COM JAVÉ???
— É.
— O senhor está me dizendo que eu vou conversar com Adonai?
— S-sim.
— Com El Shadai? Elohênu?
— I-isso, i-isso. Já v-vi que vo-você c-conhece v-vários n-nomes pra ele. Mas q-quero v-ver você f-falar i-isso a-aqui, ó: YHWH!
— Saúde!
— He-hein?
— Ué, o senhor espirrou, então…
— E-espirrei n-nada! Acabo de f-falar o n-nome se-secreto de d-deus. YHWH!
— Porra! Como é que se escreve isso?
— Y-H-W-H.
— Mas isso é impronunciável!
— Eu a-acabei de p-pronunciar! YHWH!
— Er… Né por nada não, seu Moisés, mas isso parece mais um espirro do que nome de divindade…
— B-bah. T-também a-acho… B-bom, p-pode p-parar de se d-dobrar, v-vai a-acabar d-deslocando a c-coluna. A-agora vou f-falar com os l-levitas.
Moisés reuniu os levitas e entregou a eles seus pergaminhos com todas as leis que havia anotado. Instruiu-os para que guardassem os pergaminhos ao lado da Arca da Aliança, e que fizessem sua leitura pública a cada sete anos durante a Festa das Barracas. Feito isso, foi com Josué para o Tabernáculo. Ao se aproximarem notaram uma coluna de fumaça que subia da Tenda Sagrada.
— Xi… Ja-Javé t-tá f-fumando. V-vai ser u-uma c-conversa d-difícil.
— Hum… Não é melhor a gente voltar outra hora então?
— D-deixa de s-ser b-bundão, Jo-Josué! V-vamos lá.
Os dois entraram no Tabernáculo, onde Javé puxava seu fumo e olhava para o nada.
— Ja-Javé, eu t-trouxe o Jo-Josué a-aqui p-para…
— Quieto, Moisés… Esse fumo de Moabe é bom mas dá uma viagem ruim da porra. Estou aqui vendo o futuro de vocês, e não é nada bonito. Os israelitas vão entrar em Canaã. Serão vitoriosos e passarão a morar lá. Mas esse povo é teimoso, não adianta: depois de um tempo, vão começar a adorar outros deuses e eu os abandonarei à própria sorte. Serão derrotados pelos seus inimigos e levados para terras distantes, então saberão que estão sofrendo pela própria desobediência.
— P-porra, Ja-Javé, p-pega leve… O m-menino c-começou ho-hoje no t-trabalho e cê já vem c-com esses p-papos?
— Não enche, Moisés. Tenho que falar a verdade. Eu tava aqui pensando nesse futuro tenebroso que espera o povo de Israel e acabei fazendo isso aqui — disse, passando um pergaminho para Moisés.
— Q-que é i-isso?
— Uma música que eu fiz. A letra fala do quanto os israelitas vão quebrar a cara.
— Quebrar a cara? Bom, pelo menos nossos descendentes terão narizes menores. Hehe…
— Quem é você?
— Jo-Josué…
— Porra, outro gago???
— Sou gago não senhor. Só estou intimidado diante da presença grandiosa e da glória infin…
— Cala a boca, palhaço! Moisés: cante essa música aí para o povo e ensine a letra a eles. Essa música será o hino de Israel e todos deverão sabê-la de cor. A ironia aí é que no futuro, quando estiverem no exílio, os israelitas continuarão a cantá-la, e o farão com remorso no peito.
— T-tudo b-bem.
— Então tá. Pode ir.
— Er… E eu, Javé?
— Quem é você???
— E-esse é o Jo-Josué, Ja-Javé…
— Que Josué?
— Jo-Josué. O n-novo l-líder do p-povo.
— Novo líder? Ué, mas não é você o líder…? Ah, lembrei! Você vai morrer logo! Mas e aí, qualé a desse Josué?
— E-eu sei lá! V-você que e-escolheu e-ele como n-novo l-líder!
— EEEEEEEEEEU???
— É, Ja-Javé…
— Puxa, é mesmo. E aí, Josué, preparado para a tarefa que o aguarda?
— Seu Javé, eu queria dizer que estou muito feliz de poder servir ao meu deus e à minha pátria, e que farei de tudo para não decepcioná-los nessa empreitada que será a invasão de Canaã, de forma que…
— Cala a boca.
— … todos saberão que Javé é deus e que Israel é seu povo escolhido, porque desde o dia em que o senhor chamou nosso pai Abraão nos tornamos um povo separado dos outros e…
— CALA A BOCA!
— Er… Desculpe, Javé.
— Porra. Primeiro um gago, agora um falador. Eu não dou sorte mesmo… Olha Josué, seja forte e corajoso. Você irá liderar o povo de Israel na tomada de Canaã, e viverá dias de glória graças à minha ajuda.
— …
— Tá me olhando por quê?
— É só isso?
— É, ué. Queria o quê? Tapete vermelho, bandinha no coreto, vagabundas?
— Ah, sei lá… É que isso tudo aí o Moisés já me falou.
— Ah, então faço minhas as palavras dele. Agora podem ir, que eu vou lá em cima procurar alguma coisa pra comer. Moisés, não esquece de gravar a música.
— T-tudo b-bem.
— Beleza. Té mais.
— Tchau, Ja-Javé.
— Seu Javé, devo dizer que foi uma honra estar aqui e conversar com o senhor, uma vez que sua fama o precede e que todos os seus feitos têm sido…
— CALA A BOCA!
Depois dessa bela e instrutiva conversa com deus, Moisés e Josué saíram do Tabernáculo.
— E agora, seu Moisés, vamos fazer o quê?
— V-você eu não s-sei. Q-quanto a m-mim, v-vou e-ensaiar com a b-banda. Q-quero g-gravar essa m-música a-ainda hoje…
Trio elétrico??? Sinto uma pitada de Joseph Heller aí, com a estátua de Michelãngelo e etc. boas influ~encias, boa criatividade, boa interpretação… é show. Abraços por trás!
Gil, acabo de ser “notificada” de que hj é o Dia dos Amantes! Digo notificada pois simplesmente me avisaram mesmo, ninguém me mandou rosas vermelhas acompanhadas de um bilhetinho obsceno (merda!). Vc não vai falar nada sobre o tema?!? Bjs!
hmm eu ri um pouco.
Que tamanhozão de texto… e-NOOOOR-me!!!
Não tenho nada pra comentar não, isso é só para o sistema gravar meus dados.
Cara esse texto é muito engraçado… Conhecendo a história então fica mais cômico ainda… Muito bom mesmo… Ri pra cacete já… Valeu… Abraços
Cada vez melhor, hein Marcão? Tô gostando de ver…
Muito bom, Marco. Ri pra caramba…
Cara.. vc eh louco!! Estuda o livro sagrado pra ser profano… mas é criativo!!! Lá pelo meio até rolou uma preguiça.. mas a gente supera… Toda honra e toda glória a YHWH!!!
Outro dia eu volto por aqui pra xicotiá mais.. gostei! ah!! q q vc eh heimm?! Um Judeu fã de Jesus?!
hahhhaahahaha adorei… ri pra caramba 😀 continua assim
Carai mano, falta poquíssimo para acabar o pentateuco!!!
Quem diria hein!
HAHAHAHAHAHAHAHA!!!! PUTA QUE PARIU!! Dança da manivela foi foda!!