— C-com li-licença…
— E precisa pedir licença, Moisés? Cê é da casa! Senta aí, fique à vontade. Tá vendo esse bloco de anotações aí? Pode pegar aí e prestar bastante atenção, porque vai começar sua série de cursos.
— C-cursos? Cu-cursos de q-quê?
— Oras, de quê. Você sabe. Decoração, corte e costura, economia doméstica, etiqueta, essas coisas de viado.
— P-porra, mas p-pra q-quê i-isso?
— É que eu estou cansado de ficar aqui em cima dessa montanha, quero uma tenda beeeeeeem bonita pra eu morar no maior luxo. Então vou te passar as instruções para a construção da minha tenda.
— Pe-pega l-leve, Ja-Javé… E-estamos no m-meio do de-deserto, j-já te-temos m-muitas p-preocupações. Se a i-isso a-ainda ju-juntarmos a co-construção de u-uma t-tenda p-pra vo-você, t-tamos na ro-roça.
— Porra, Moisés! Eu não tirei vocês do Egito? Eu não fiz vocês atravessarem o Mar Vermelho? Eu não transformei a água salobra em água doce? Eu não mando maná do céu todo dia pra vocês comerem? Hein, Moisés?
— É v-verdade…
— Então! E só o que eu peço em troca é que vocês construam uma casa pra mim! Vai regular?
— T-tá b-bom. M-mas co-como v-vamos fa-fazer a t-tenda a-aqui no m-meio do de-deserto? N-não d-dá pra ir a-até a Vi-Vinte e Ci-Cinco de M-Março p-pra c-comprar te-tecido com os t-turcos…
— Ô, Moisés, isso aí é má vontade sua. Pô, fala lá com o povo, explica pra eles que você vai construir um santuário para o deus que os tirou do Egito, cê vai ver como eles vão ficar empolgados. Aí cê vai pedir ofertas a eles. É só fazer uma chantagem emocional de leve, uma lavagenzinha cerebral e pronto: Controlar a multidão é fácil, Moisés! Aí quando eles já estiverem na sua mão, você vai especificar as ofertas: Ouro, prata, bronze, lã de todas as cores, linho fino, tecido de pêlos de cabra, peles de carneiro tingidas, madeira de acácia, azeite para as lamparinas, especiarias para os perfumes e incensos, pedras de ônix e outras pedras preciosas para o peitoral do Sumo-Sacerdote e para o éfode.
— É f-foda?
— É foda sim, Moisés. É foda ter que explicar tudo pra um velho caduco feito você. Tá gago das orelhas também? Eu disse éfode! Éfode é o manto sacerdotal.
— E-então p-por que vo-você n-não fa-fala ma-manto sa-sacerdotal l-logo, po-porra.
— Não falo ma-manto sa-sacerdotal porque não sou gago, caralho. Não enche o saco. Anotou aí o lance das ofertas? Então vamos aos detalhes. Primeiro os móveis.
— Mo-móveis? E-então e-era s-sério a co-conversa de c-curso de de-decoração.
— Claroq que é sério, porra.
— V-vai de-demorar.
— Que nada! Coisa de quarenta dias.
— A-ai ca-caralho…
— Não reclama. Anota.
Não entendí, nada.
Não entendí, nada.