Hoje eu vi meu irmão fazer uma coisa impressionante.

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Tenho um vídeo do meu irmão, de 2001 ou 2002 (não garanto). Ele tinha então 21 ou 22 anos, uma cara redonda e uma barriga saliente. Nada que se compare à minha, mas saliente. No vídeo, ele bate na barriga e diz: “Essa é minha pança”. Aí ele faz uma pausa e completa: “Eu vou perdê-la”.

Pouco tempo depois ele começou a correr.

Meu irmão (o da direita) em 2002

Meu irmão (o da direita) em 2002

Semana passada minha irmã contou que também começou a correr. Correu 4 quilômetros e quase morreu. Meu irmão disse que é assim mesmo. “A primeira vez que eu fui correr no Ibirapuera”, ele contou, “corri quinhentos metros e quase morri”.

Nesses anos todos nós acompanhamos a evolução dele. Ele correu a São Silvestre. Correu meias-maratonas. Correu maratonas inteiras. Em Roterdã (acho que foi Roterdã, não garanto), ele estava correndo uma maratona e viu de longe uma garotinha que saía de uma casa. Ele estava sozinho. Não sei em que posição ele estava, só que estava sozinho, nenhum corredor à vista. Fazia pouco tempo que nosso pai tinha morrido. Era assim que estávamos todos na época: sozinhos. Quando ele chegou perto, viu que a menina tinha bolachinhas na mão. Ela ofereceu as bolachinhas a ele, que começou a chorar. Somos desses.

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O que meu irmão fez hoje é impressionante justamente por ele parecer ser um homem comum. Ele trabalha, participa de reuniões, anda de metrô. É casado, quer ter filhos, acabou de comprar um apartamento. Gosta de Bisnaguinha com Nutella. Ele é como Clark Kent ou Peter Parker: só um cara qualquer. Né?

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Quando ele começou a correr, tinha 22 anos (não garanto). Agora ele tem 35 e já deve estar longe pra caralho.

Mentira.

Quando meu irmão decidiu começar a correr, ele foi ao Ibirapuera, correu quinhentos metros e quase morreu.

Hoje ele correu 21 quilômetros. Mas não foi só: antes disso, ele pedalou 90 quilômetros. E antes ainda ele nadou 2 quilômetros. E depois disso tudo ele veio conversar com a gente, como se tudo isso não fosse nada. Porque é isso que um super-herói faz quando está entre nós.

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Meu irmão hoje

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Hoje eu vi meu irmão fazer uma coisa impressionante: ele reuniu a família inteira em Miami, com o dólar a 4 reais.
— É um pássaro? É um avião?
Vai tomar no seu cu, que não tem pássaro que se sustente com uma cabeça daquele tamanho. É o Beto, meu irmão. Um super-herói.
 

Só quando meu pai morreu descobri que esse era o hino preferido dele na Congregação Cristã no Brasil. Eu não sei se Deus existe, mas tenho certeza que Ele escolheu meu pai e que revelou a ele coisas de que a gente nem suspeita.
Dos senhores és Senhor, a Ti daremos, sem cessar,
Toda honra e louvor, de coração,
Pois quiseste aos pequenos Teus tesouros revelar,
Pelo Teu amor e imensa compaixão
Teus tesouros revelaste
Aos humildes que chamaste,
E por graça os adotaste
Filhos Teus, por Jesus Cristo, o Salvador.
Teus tesouros ocultaste para os sábios, ó Senhor,
Mas Te aprouve revelá-los para nós
E também a todo aquele que se achega ao Redentor,
Atendendo, humildemente, a Sua voz.
Anunciamos neste mundo que Jesus é o Salvador,
Que com graça O enviaste, ó bom Deus;
Mesmo que aqui sejamos odiados, ó Senhor
Nós teremos grande galardão nos céus

“Deus proverá”, meu pai sempre dizia. Hoje eu resolvi testar.
Quase exatamente dez anos atrás, eu estava trabalhando num lugar que me fazia mal, acabando com a minha saúde e corroendo a alma dia a dia. Então decidi que não ia chegar aos 30 anos fazendo o que não gostava. Pedi demissão e foi a melhor decisão da minha vida: arrumei outro emprego em seguida para fazer algo agradável, esse emprego abriu outras portas, cheguei aqui, estava bem.
ESTAVA bem.
Comecei a sofrer de novo, minha saúde afetada, meu bom humor inexistente. Faltam duas semanas para eu chegar aos 40 anos. Então hoje eu pedi demissão.
Foram mais de 6 anos de CQC. Fiz amigos, aprendi muito. Acabou.
Estou morrendo de medo, mas feliz como não ficava há muito tempo. Acho que é a nova melhor decisão da minha vida.

Uma vez minha cunhada achou um pitbull andando aqui na nossa rua. Eu fiquei só olhando pela janela. Nunca tinha chegado perto de um pitbull, só conhecia a reputação da raça. Eu tinha medo.
Minha cunhada é veterinária. Ela me disse que precisava sedar o cachorro para cuidar dele. Ele tinha sangue coagulado no pescoço e no peito. O pescoço tinha furos a intervalos regulares. “Arame farpado”, ela disse. Eu não entendi, então ela me explicou: os furos eram porque a pessoa excelente, imagem e semelhança de Deus que havia abandonado o cachorro, tinha esse costume de amarrar o bicho com arame farpado.
Ela deu sedativos enrolados em carne para o cachorro. Aumentava a dose e nada do bicho dormir. Então veio o que eu mais tinha medo: ela ia ter que dar uma injeção num pitbull, e precisava da minha ajuda.
Na primeira picada, ele arrebentou a focinheira. Em nenhum momento ele fez menção de nos morder, só tentou fugir pra dentro de casa.
Algumas tentativas depois, ela conseguiu botar o cachorro pra dormir. Eu ajudei a cuidar dele. Estava cheio de carrapatos, de berne e tinha uma bicheira em cada furo do pescoço (bicheira é um amontoado de larvas de mosca incrustado na carne, a única coisa que eu conheço que é mais nojenta do que berne).
Quando acordou, o cachorro já tinha um nome, dado pela minha outra cunhada: Brucutu. Ele passou um tempo lá. Um mês ou dois, sei lá. Eu passava por lá, dava um bifinho ou um coco (coco é o único brinquedo de morder capaz de resistir mais de cinco minutos com um pitbull).
Brucutu foi adotado por um rapaz simpático. Ele dorme na cama do dono e deita a cabeçorra no colo da mãe dele quando ela senta pra fazer tricô.
Eu nunca tinha ligado pra cachorro na minha vida. Nessa época, cheguei a pensar em adotar o Brucutu. Não deu, mas quando o Rondeli apareceu abandonado aqui na vizinhança, eu não deixei escapar. Foi a melhor decisão que tomei na vida.
Aprendi que cachorros precisam de companhia humana. Nós inventamos o cachorro pra isso. Depois de quatro anos com o Rondeli, aprendi também que a gente precisa de companhia canina.
Lendo esse artigo aqui, lembrei do Brucutu. Ele sofreu tanto nas mãos das pessoas, mas nunca pegou raiva da nossa espécie. Pitbulls não são monstros: são cachorros e precisam de companhia.
(e se você quer um cachorro, adote)

IMG_5753Em agosto de 2009, pouco mais de um ano antes de morrer, meu pai voltou a Monte Santo. Monte Santo é aquela cidade no sertão da Bahia onde aconteceu a história do capoeirista. Não foi a primeira vez que Seu Lindauro voltou à terra natal. Só que dessa vez teve um detalhe: ele levou uma câmera, uma Canon Powershot A710 emprestada pela Ana Carlota. Acho que ele nunca tinha usado uma câmera antes.
Hoje abri esse álbum de fotos e fiquei olhando cada uma devagar. Meu pai viajou com a irmã, e tem fotos que foram tiradas por ela. Gosto de imaginar que ele fez todas as fotos em que não aparece. Não sei bem quem são essas pessoas. Meu pai explicou na época, não guardei nada. Muitas dessas fotos parecem clichês de filme nacional de seca. Não ligo. Em cada rosto desses aí, de gente bruta, vejo traços dos meus avós, do meu pai e dos meus tios, meus, dos meus irmãos, dos meus primos, dos meus sobrinhos. Fico pensando que estou vendo Monte Santo, que nunca conheci, pelos olhos do meu pai, saudosos de infância. E que a existência dele, que foi tão curta aqui na Terra, se projeta no presente e no futuro, sobre nós que ficamos aqui miudinhos de saudade.
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Acabo de saber que além do povo que protesta pelo Twitter e acha que tá mudando o mundo (não sei pra que mudar o mundo, mas vá lá), existe gente muito pior, que “ajuda” bichos pelo Facebook. Nego vê um cachorro atropelado na rua e posta no Facebook. “Gentem, vi um cachorro atropelado, tá bem machucadinho, coitado. Será que alguém pode ajudar? Se ninguém ajudar, o pobrezinho vai morrer.” AJUDA VOCÊ, FILHO DA PUTA! VOCÊ VIU O BICHO SOFRENDO, NÃO FEZ PORRA NENHUMA E AINDA ACHA QUE É UMA BOA PESSOA PORQUE POSTOU ISSO NO FACEBOOK! MOSTRAR QUE É LEGAL É MAIS IMPORTANTE PRA VOCÊ DO QUE UM PRATICAR ATO ANÔNIMO DE BONDADE! VOCÊ É UM MONSTRO! MORRA COM UM TIRO NO CU!
Ai, gente. Eu fico TÃO nervosa…

As idéias precisam encontrar outras idéias diferentes delas, de outra linhagem. Aí elas podem se conhecer e ter ideiazinhas filhotes. Só que o que mais se vê é gente que só convive com quem tem idéias iguais. Essas idéias da mesma linhagem ficam se reproduzindo.Essa reprodução consangüínea é que gera as ideiazinhas retardadas que a gente é obrigado a aturar todo dia.
Todo mundo conhece gente que votou no outro candidato. Vai lá, conversa, tenta entender. Tem coisas boas lá, garanto.

Nosso plano ontem era visitar o Museu da Guerra e mais alguma coisa. Não deu tempo: mesmo com as exposições das duas Grandes Guerras fechadas, a visita levou 4 horas. Há uma exposição sobre a vida de uma família em Londres durante os bombardeios alemães da II Guerra. E depois disso, a exposição sobre o Holocausto. Lembram que eu falei da capacidade humana de produzir arte depois de ver Billy Elliot (o musical)? Então: a gente tem essa outra capacidade também. Eu resisti bravamente até quase o final da exposição. Só que aí veio o modelo em escala de Auschwitz. Ao lado da maquete, uma pilha imensa de sapatos atrás de uma vitrine. Antes de entrar nas câmaras de gás, os prisioneiros tinham que tirar os sapatos. Eram muitos, muitos pares de sapato. Cada par pertenceu a uma pessoa cujas cinzas foram usadas para fertilizar o solo alemão. Quando a gente chega a um lugar em que tem que tirar os sapatos — um restaurante japonês, a casa de uma pessoa com TOC — a gente sabe que na volta vai se calçar de novo e voltar pra casa. Em Auschwitz, não.

Não sei se vocês sabem, mas eu e Ana Cartola estamos em Londres. Chegamos na quinta-feira, para dormir. Ontem, sexta, tentamos ir ao London Eye mas estava ventando muito e o bichão estava fechado. Então ficamos bundando por ali. Fomos até o Big Ben, passamos em frente à Abadia de Westminster (estava fora do horário de visitas) e descobrimos ali perto um lugar que serve o típico chá da tarde inglês. Pedimos o típico chá da tarde com capuccino e chocolate quente, porque chá é coisa de fresco. Empanturrados de bolinhos, pãezinhos e outros bagulhinhos fomos caminhando até o Palácio de Buckingham. Depois andamos mais ainda até Trafalgar Square, entramos na National Gallery. Faltavam duas horas para fechar e não deu pra ver nem um quarto do que tem lá; vamos voltar um desses dias.

Hoje amanheceu um diazinho tão safado que achamos que íamos dar novamente com a cara na porta do London Eye. Para nossa surpresa, estava funcionando. É bonito lá de cima, o funcionamento e as dimensões da roda gigante são impressionantes mesmo, mas sou mais o Corcovado.

Depois disso, nada saiu como o planejado. A idéia era visitar dois museus (o de História Natural e o de Ciência). Descobrimos que toda a população da cidade tira os finais de semana para visitar museu. Filas enormes, deixamos para outro dia, decidimos ir aos parques (Kensington e Hyde). Começou a chover forte, os parques cheios de poças, atomanocu, vamos pra um caralho qualquer.

Lembrei do Borough Market, dica do meu irmão. Fomos andando para a estação em Kensington até que encontramos a igreja St. Mary Abbot. Lindíssima, meio sombria. Demos a volta, saiu um negão pela porta lateral. Uma negona. Outro negão. Porra, vamo entrar aí.
Entramos na igreja. Lá dentro, aqueles pretos chiques, sabe? Homens de terno muito bem cortado, Mulheres de chapéu. Tinha uma com um vestido branco cheio de brilhos e uma bunda que devia ser deixada para sempre no altar como prova da existência de Deus.
Não contem pra Ana Carlota que eu reparei na bunda da moça dentro da igreja, ok? Tenho certeza que ela nem notou, porque eu sou muito discreto.
Era um casamento. O vigário (é assim que a gente chama padre de igreja anglicana?) desceu até os bancos, conversou com os convidados, entrou e voltou todo paramentado. Som de órgão, mais convidados chegando. O padreco subiu ao púlpito, disse que estava tudo pronto, só estavam esperando a noiva — “que é um item meio que importante para a ocasião”, disse o vigário.
(Todo mundo é witty nessa terra. Mais tarde pegamos o metrô e o condutor desejou a todos uma boa tarde, um feliz ano novo. “E não impeção o fechamento” — fecha porta, abre porta, fecha porta, abre porta, fecha porta, abre porta — “das portas”. Timing perfeito.)

O casamento estava para começar, então não íamos ficar lá dentro. Saímos pela porta lateral, encontramos a noiva já pronta para entrar pela porta de trás (e o noivo se preparando pra entrar pela porta de trás da noiva, que eu não sou inglês, sou brasileiro, porra!)
Saímos, bebemos e comemos num pub, fomos ao teatro ver o musical Billy Elliot. Eu ainda não estou preparado para escrever sobre Billy Elliot. Só digo que eu não sabia que a humanidade ainda conseguia, nesta nossa época, produzir tanta beleza.
 
E agora vou ali chupar uns soldados, que marinheiro é salgado e preciso controlar a pressão.