Garotos

Todo mundo se lembra do primeiro dia de escola. Eu, esquisito que sou, lembro melhor meu primeiro dia de aula na segunda série. Naquele chuvoso fevereiro de 1983 (não riam!), lembro-me de olhar para o lado, para a fila da primeira série, e pensar: “Que pequenos!”. Eu acabara de sair da primeira série, era difícil acreditar que tão pouco tempo me separava daqueles anões. Quando se tem oito anos, o mundo se divide em três tipos de pessoa: as que apanhariam de você, as que lhe bateriam e seus amigos. Eu olhava — com um olhar superior e condescendente — para aqueles garotos mofinos e calculava que poderia bater em até dois deles, se a oportunidade e o motivo surgissem.
Hoje percebo que a vida do homem é um constante desprezar da geração anterior. Com o tempo, vamos nos acostumando a conviver com quem é um ou dois anos mais jovem, mas sempre há uma geração que consideramos ridícula. Na adolescência, nos envergonhamos do que fazíamos na infância. Aos vinte, olhamos com horror os bandos de adolescentes. Já estamos na faculdade, sabemos de tudo, temos namorada e emprego. Agora, aos trinta anos, certas passagens da casa dos vinte me parecem embaraçosas. E, claro, agora eu sou homem feito: vou me casar, aluguei um apartamento, tenho uma carreira. Lá no fundo, porém, a verdade é que invejo aquele Marco Aurélio de vinte e poucos anos, e me apavoro com a constatação de que ele está morto.
Mais uma diferença entre homens e mulheres: elas amadurecem com o tempo, nós apenas fingimos amadurecer. Imbuídos desse papel, achamos que ser homem é olhar para os mais jovens como um menino de segunda série olha para seus colegas da primeira. Penso em Daniela, que é minha amiga há doze anos. Ela amadureceu muito de lá para cá: aprendeu, aperfeiçoou-se, tornou-se uma pessoa melhor. Então olho para mim e vejo que continuo o mesmo. Comum a nós dois só a queda dos cabelos, só que os dela voltaram a crescer.
Pensando bem, é triste. Assim vamos vivendo, sempre a olhar com desdém para a geração anterior e sendo tratados como crianças pelos homens mais velhos. Até que chega a hora em que nos damos conta da presepada toda, concluímos que homem nenhum amadurece mesmo, e finalmente somos livres para ser crianças novamente, sem máscaras.
Mas aí é tarde demais.
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Eu pensei nesse negócio todo ao ver esse vídeo:

Notem como Paul McCartney é cruel ao arremedar sua versão de apenas cinco anos atrás. Agora ele tem barba, é um homem de quase trinta anos, está rico e famoso. Tem barba, pelamordedeus! Ele ri, mas o riso não é autêntico: é o desespero de saber que o tempo não volta, que os amigos que gravaram Help! com ele já não são mais tão amigos, que o grupo está se desfazendo. Se John Lennon não estivesse tão chapado de heroína, era capaz de dar-lhe um safanão.

17 comments

  1. “Assim vamos vivendo, sempre a olhar com desdém para a geração anterior e sendo tratados como crianças pelos homens mais velhos. Até que chega a hora em que nos damos conta da presepada toda, concluímos que homem nenhum amadurece mesmo, e finalmente somos livres para ser crianças novamente, sem máscaras.
    Mas aí é tarde demais.”
    bunda mole que sou,até me arrepiei lendo isso.
    parabéns pelo texto,cara 🙂
    (e pelo casamento,pelo apartamento…) :}

  2. Cara… que análise foda! Eu, beatlemaníaco há mais de 20 anos (comecei cedo, falta um ano pra chegar nos 30), não percebi isso.
    Mas é isso mesmo. O pior é o remorso que me dá quando lembro da forma que tratei algumas ex-namoradas.

  3. Cara, frequento aqui há muito tempo e fiquei bem feliz com sua (relativamente recente) conversão em fã dos beatles. Afinal, o que é a filosofia cotidiana pós-moderna sem análises que envolvam comparações com a carreira deles?
    Gostei muito dessa de hoje, mas eu tenho que discordar um pouco. Acho que eles meio que já se sacaneavam desde o estouro da beatlemania. No próprio videozinho que você postou de Help, pra mim parece que eles tão meio que sacaneando o ridículo do playback, né não?
    E nesse vídeo do get back sessions, eles zoam até “I’ve got a feeling”, que naquela época tinha acabado de ser composta! Ou seja, os caras tavam doidões e tavam rindo de si mesmos.
    Não que isso invalide a análise, que pra mim tá perfeita!

  4. não chore porque acabou, fique feliz porque aconteceu, acenda uma lareira, abra um whisky e cante auld lang sine.
    muitas pessoas acreditam que quando morremos vamos para a parte mais feliz da nossa vida e vivemos la para sempre, sem preocupação, sem tempo, sem espaço, um pouco dogmatico, mas eu gosto de acreditar nisso, e bem chegando nos meus 20, abandonar as brincadeiras de 15 para conheçer novas, mas nunca me esqueçendo de brincar,porque pra que levar a vida tão a serio, nunca sairemos dela vivos mesmo por isso marção, faça oque lhe der da telha faça o seu sonho imcompleto de quando estava na segunda serie, viva, não sobreviva

  5. Esse papo é só para homem ?
    Bem, se for, vou meter o bedelho mesmo assim.Simples e claro seu texto, principalmente em se tratando do Marcurélio que conheço.Mas devo lhe dizer que essa constatação não é exclusiva sua, faz parte do “amadurecimento” da vida de muitos,ops, mas vc. acha que homens não amadurecem.Eu diria que vcs. amadurecem,mas não tem culhões para assumir isso hehe.As mulheres amadurecem sim e assumem isso – mesmo com algumas crises de “Ai, cadê meu bumbum durinho ?”.No entanto, esse assunto não tem nada a ver com gênero, mas sim com a capacidade de encarar e compreender a vida como ela é.Simples, cara.Mas é meio f… A filosofia budista nos ensina que nada é permanente,absolutamente nada. É duro acreditar e aceitar, mas é isso: nada é permanente. Aos 41, também já olhei para trás – centenas de vezes – e vi uma Ana que não existe mais e de quem tenho saudades.Mas perái, se a gente chegar aos 30 e poucos, ou aos 41, do mesmo jeito que éramos aos 20 e poucos (não sei pq. essa expressão me lembra Fábio Jr.), é porque alguma coisa tá errada. Nossos 20 e poucos estão presentes sim, de alguma forma, no que somos hoje.Deixa de tanta reflexão e casa logo !!!
    Ah, eu tenho certeza quase absoluta que criancinhas também têm máscaras…
    Bjs e desculpe o post longo.Me empolguei.

  6. Cara é bem por aí mesmo. A nostalgia é inevitável, e quando chega, da aquela sensação que vc descreveu como ver aquele cara de 20 anos atrás morto. E aí já era né?

  7. É Marco Aurélio, não adianta a vida é feita de mudanças e, mesmo contra a nossa vontade a gente muda com ela… Mas, eu também tenho saudades da Sara que morreu… Parabéns pelo post!

  8. Excelente post,bem verdade(quase) tudo o que você falou,apesar de achar que homens também amadurecem,assim como as mulheres.
    A propósito,também não lembro de meu primeiro dia de escola rsrs

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