Sua língua parece estranha dentro da boca. Você detesta notar a própria língua. Assim que notada, ela ganha volição. Ela parece grande demais para a boca, uma lesma úmida e obesa. Onde é o lugar certo da língua ficar? Grudada no céu da boca? Com a ponta nos dentes? Na… parte de baixo da boca? Você tenta lembrar o nome certo do lado oposto ao céu da boca. Chão da boca? Piso da boca?
Perceber o próprio corpo funcionando é estranho. A respiração, por exemplo. Ato involuntário, função do tronco encefálico, a parte mais primitiva do cérebro. É automático. Então por que você está reparando na sua respiração agora? Você pensa se está respirando certo. Se está fazendo barulho. Se está oxigenando direito o… O quê? O sangue? Como funciona esse negócio de respiração? Sabe Deus…
Há coisas que estão ali sem que você se dê conta, e você se irrita quando as percebe. O nariz está sempre no seu campo de visão. Já notou? Pois notou agora, e a única coisa que você vê é seu nariz. Ele se agiganta, toma a paisagem, ocupa a tela.
É estranho como o cérebro ama a obsessão. Considere o ohrwürm, earworm, verme de orelha: de repente você está com uma música na cabeça. Ou pior, um trecho de música. A mente está funcionando bem, e de repente vem o bug, o verme, em forma de LA LA LARANJEEEEIRA SATISFEITO SORRI ou NOSSA, NOSSA, ASSIM VOCÊ ME MATA ou Ô ANNA JÚLIAAAAA-AAAAAA-A-AAAAA-AA-AAAAAA ou aquele DERINDÁUN DÁUN DÁUN, DERÊ, DARADANDÁUN, DERIDADÁUN DÁUN do Skank. Pronto: a música se plantou na sua cabeça, vai ficar tocando em loop, e você está preso a ela.
Que inferno.
Você percebe que está sentado torto. Isso é péssimo para a coluna. Você se ajeita. A postura está certa agora? O pé está plantado no chão? A coluna está ereta? Tudo é uma questão de manter a mente quieta, a espinha ereta e o coração tranquilo. Se você conhece essa música do Walter Franco, ela está na sua cabeça agora.
O cérebro é uma doideira.
Mesmo as coisas que você evita pensar podem ser plantadas na sua cabeça. A imagem dos seus pais transando: por que você pensaria nisso? Por que você imaginaria seus pais nus na cama de casal da casa onde você cresceu, o pênis ereto de papai penetrando a vagina de mamãe? Isso é doente, para de pensar nisso! Pense em outra coisa, rápido! Pense na sua língua, sinta como ela é estranha dentro da boca. Evite pensar na língua do seu pai fazendo você-sabe-o-quê.
EU FALEI PARA EVITAR!
Pense em outra coisa, qualquer coisa. Pense nos seus mamilos roçando na roupa. Pense numa coceira bem no meio das costas, justo naquele ponto inalcançável que faz você esfregar as costas na quina da parede. Pense naquilo que seu pai te disse há tantos anos, mas que ainda dói…
Pense naquilo que você falou muito tempo atrás, que até hoje te mantém acordado. Que vergonha!
Pense no tanto que você é uma fraude. Mais cedo ou mais tarde eles vão te descobrir.
Há quanto tempo você está sem piscar? Taí outro movimento involuntário. Piscar é importante para limpar e lubrificar os olhos. Esse ato involuntário desliga temporariamente o circuito visual do cérebro, por isso você pisca e nem nota. Exceto se o fizer de forma voluntária, claro.
Por que você está piscando?
Onde está sua língua agora?
Por que é que dói tanto quando a gente morde a língua sem querer, mas dói nada quando morde de propósito?
Pare de morder a língua!
Melhor exemplo de sugestionamento que já vi…