Um dos pseudo-argumentos que usam para me criticar é aquela velha falácia de que teríamos profecias bíblicas se cumprindo nos dias de hoje. Aí você vai ver, são passagens gerais demais, que podem se aplicar a várias situações. Profecia por profecia, prefiro afirmar que Rubem Braga profetizou a eleição de Luis Inácio Lula da Silva para o cargo de Presidente da República numa crônica de junho de 1935 intitulada “Luto da Família Silva”. Leiam, vale a pena:
A assistência foi chamada. Veio tinindo. Um homem estava deitado na calçada.
Uma poça de sangue. A Assistência voltou vazia. O homem catava mono. O cadáver foi removido para o necrotério. Na seção dos “Fatos Diversos” do Diário de Pernambuco, leio o nome do sujeito: João da Silva. Morava na Rua da Alegria. Morreu de hemoptise.
João da Silva — Neste momento em que seu corpo vai baixar vala comum. nós, seus amigos e seus irmãos, vimos lhe prestar esta homenagem. Nós somos os joões da silva. Nós somos os populares joões da silva. Moramos em várias casas e em várias cidades. Moramos principalmente na rua. Nós pertencemos, como você, à família Silva. Não é uma família ilustre; nós não temos avós na história. Muitos de nós usamos outros nomes, para disfarce. No fundo, somos os Silva, Quando o Brasil foi colonizado, nós éramos os degredados. Depois fomos os índios. Depois fomos os negros. Depois fomos imigrantes, mestiços. Somos os Silva. Algumas pessoas importantes usaram e usam nosso nome. É por engano. Os Silva somos nós. Não temos a mínima importância. Trabalhamos, andamos pelas ruas e morremos. Saímos da vala comum da vida para o mesmo local da morte. Às vezes, por modéstia, não usamos nosso nome de família. Usamos o sobrenome “de Tal”. A família Silva e a família “de Tal” são a mesma família. E, para falar a verdade, uma família que não pode ser considerada boa família. Até as mulheres que não são de família pertencem à família Silva.
João da Silva — Nunca nenhum de nós esquecerá seu nome. Você não possuía sangue-azul. O sangue que saía de sua boca era vermelho — vermelhinho da silva. Sangue de nossa família. Nossa família, João, vai mal em política. Sempre por baixo. Nossa família, entretanto é que trabalha para os homens importantes. A família Crespi, a família Matarazzo, a família Guinle, a família Rocha Miranda, a família Pereira Carneiro, todas essas famílias assim são sustentadas pela nossa família. Nós auxiliamos várias famílias importantes na América do Norte, na Inglaterra, na França, no Japão. A gente da nossa família trabalha nas plantações de mate, nos pastos, nas fazendas, nas usinas, nas praias, nas fábricas, nas minas, nos balcões, no mato, nas cozinhas, em todo lugar onde se trabalha. Nossa família quebra pedra, faz telhas de barro, laça os bois, levanta os prédios, conduz os bondes, enrola o tapete do circo, enche os porões dos navios, conta o dinheiro dos Bancos, faz os jornais, serve no Exército e na Marinha. Nossa família é feito Maria Polaca: faz tudo.
Apesar disto, João da Silva, nós temos de enterrar você é mesmo na vala comum. Na vala comum da miséria. Na vala comum da glória, João da Silva. Porque nossa família um dia há de subir na política…
Antes que digam alguma coisa, esse aí não é um desses textos de autoria duvidosa que circulam pela internet. Está no livro 200 Crônicas Escolhidas, e originalmente estava em O Conde e o Passarinho.
exatamente da onde você escolheu estas familias, ditas poderosas, para o seu belo texto ?