Adultos sempre me irritaram. Me irritam hoje, me irritavam muito mais quando eu era criança, e infinitamente mais na pré-adolescência. Vinham sempre com os papos de como-você-cresceu, te-carreguei-no-colo, te-dei-banho, e eu pensava: “FODA-SE”. Queriam o quê? Que eu fosse anão e não crescesse nunca? Que eu tivesse tomado banho sozinho quando bebê? Que eu tivesse carregado eles no colo? A impressão que eu tinha era de que os adultos todos tinham esquecido de como era ser adolescente, pré-adolescente, criança. Devia ter um ponto na vida, eu pensava, em que caía um disjuntor dentro da cabeça e todas as memórias antes da vida adulta se apagavam. E aí eles ficavam chatos, conversavam coisas chatas entre eles, e coisas muito mais chatas comigo (quando conseguiam me ver, porque eu fazia questão de me esconder deles, os chaaaatos). Prometia a mim mesmo que quando eu crescesse isso não aconteceria. Que eu lembraria de como era ter 5, 8, 12, 16 anos, e falaria com as pessoas dessas idades sempre com isso em mente.
Hoje sou adulto — dizem. Trabalho, sou casado, pago contas, adotei bichos. Gosto de pensar que consegui cumprir minha promessa a mim mesmo. Quando falo com alguém mais jovem do que eu, tento me colocar no lugar da pessoa e não ser condescendente. Tento lembrar que talvez eu possa ensinar alguma coisa, mas que o mais provável é que eu aprenda.
Só que hoje, dia em que minha sobrinha Ana Júlia completa 12 anos, eu mal consigo conter o impulso do como-você-cresceu, te-carreguei-no-colo, te-acudi-quando-você-chorava-que-nem-uma-louca-no-berço-toda-ranhenta. É difícil porque eu lembro daquele bebê, daquela criança, e é difícil aceitar que a pessoa atual, com opiniões e gostos definidos, com um senso de humor lindo e um mau humor genético, com cabelo azul e personalidade de todas as cores, tenha um dia sido aquela criança. E aí dá um curt-circuito na cabeça. Peraí. Quem é você? Cadê o bebê que estava aqui?
Não é só isso: eu vejo minha sobrinha como um ponto numa linha do tempo que vem da minha avó, passa pela minha mãe e minha irmã, chega até ela. As mulheres que definiram quem eu sou, que moldaram minha personalidade, deixaram essa herança para Ana Júlia, que segue nessa função aí de melhorar o mundo.
E é tão lindo ver no que ela se tornou! Ana Júlia sempre foi generosa; dividia tudo com os outros. Hoje a generosidade se estende para questões mais complexas. Ela fica genuinamente indignada com o preconceito e com a injustiça. Não do jeito vazio e falso do militante, mas do jeito apaixonado e preciso que só a juventude tem quando encontra a generosidade.
Juju, eu não sei o que te dizer. Eu já tive 12 anos, mas nunca fui uma menina de 12 anos; isso faz toda a diferença. Eu também não sei o que é, numa fase da vida que já é difícil, ter a complicação extra de adaptar-se a outro idioma, outra sociedade, outra cultura, uma gente que não é a nossa. Deve ser muito difícil até conseguir expressar, falar sobre isso. Mas eu sei que você vai conseguir, já está conseguindo tirar de letra essa nova realidade. Porque assim como sua mãe, sua avó, sua bisavó, você é muito mais forte do que parece.
Nossa, como você cresceu!
Te carreguei no colo!
Não te dei banho porra nenhuma, porque eu sou preto mas não sou seu escravo.
Feliz aniversário, Juju. Te amo.
Gosto muito de ler suas histórias de família.
Voltei a postar com mais frequência 🙂
Na minha adolescência lia o Jesus, me chicoteia. Então esses dias estava num grupo que compartilha livros em PDF pelo what’s e alguém compartilhou um PDF seu…. Me lembrei do blog, me lembrei de vir aqui sempre ler. Por onde andas? E o projeto da biblia? Não vai terminar? Termine, por favorzinho!!!! Rs Amo os textos. Com carinho, Ane Gusmão