Imagine que você está na varanda de uma casa de frente para o mar. Ao seu lado está a mulher, homem ou mamífero de médio porte que você ama. As ondas quebram na praia, os coqueiros balançam e você e seu amor sussurram bobagenzinhas enquanto o gancho da rede range um pouquinho. A praia está deserta, a não ser por uma figura que vem se aproximando. Quando chega bem perto, dá pra ver que é um gringo de camisa florida, chapéu de lona, bermuda cáqui com pregas e mocassins com meias brancas. Ele passa em frente à casa, olha para vocês dois e grita (em tradução livre):
— MAS QUE BELO PÉ DE RABO, HEIN? TÁ COMENDO BEM, HEIN? CARALHO! DEVE TER UM PUTA DUM BUCETÃO!
Imaginou? Agora veja isso:
“E que diabos é isso?”, pergunta o leitor. É o gringo chegando. É o que acontece aos 2 minutos e 7 segundos dessa gravação:
Stan Getz não pescou nada da bossa nova. João Gilberto e Tom Jobim estavam no auge da forma, tinham conseguido reduzir o samba à sua forma mais suave. Aí vem o Getz com seu sax estridente e estraga tudo. O sax de Stan Getz é um tapa na cara de todos nós. Coisa chata, entrona, constrangedora.Vejam que mixórdia ele apronta com Garota de Ipanema:
Notem a beleza de João cantando em português, passando a vez para Astrud cantar em inglês em 1’21”. Aí, aos 2’34”, entra o feladaputa do gringo com seu instrumento da banda de Satanás para estragar tudo. A paz só é restabelecida aos 3’48”, quando Tom Jobim mete os dedos no piano e mostra como é que se faz — algo que Frank Sinatra entendeu muito bem nesse disco, mas que não entrou na cabecinha narcotizada de Stan Getz.
Aconteceu assim: depois de muita briga, João, Tom, Astrud e Getz terminaram o que viria a ser o disco Getz/Gilberto. Tchau, muito obrigado, bom trabalhar com vocês. Os brasileiros foram embora, o gringo maldito foi ajudar na mixagem e jogou o volume de seu sax no talo (fonte). Muita gente concorda que o disco precisava ser remixado (fonte). Como não tenho acesso às ferramentas necessárias para tanto, faço uma proposta mais radical: vamos fazer uma cirurgia para extirpar o tumor que é o saxofone do Getz. Eu tentei fazer, mas minhas habilidades com um editor de áudio são semelhantes às de um orangotango. A música que eu mencionei primeiro, Pra Machucar Meu Coração, ficou assim:
03 – Para Machuchar Meu Coracao – minus Getz
Se alguém se habilitar a fazer algo melhor, agradeço.
UPDATE: aqui um texto de Ruy Castro contando a história toda.
também não gosto do getz, prefiro o coltrane.
pena que minhas habilidades num editor de audio são iguais ou piores que as suas.
O melhor mesmo são as “fontes” sobre a mixagem.
Já tive acesso a uma delas, e desejaria ter da outra.
Nesse caso o problema mais grave é mesmo a mixagem, bossa tem que soar tudo baixinho, como se fosse um sussurro.
Pra remixar seria necessário ter acesso às gravações originais. O que dá pra fazer é um processo de compressão/amplificação que ajuda a igualar o volume de todos os elementos, funciona assim:
Primeiro você abre o áudio no seu editor favorito, sugiro o Audacity que é grátis.
Utilize a ferramenta “compressor” pra reduzir o volume dos elementos que estão estourando.
Utilize a ferramenta Amplificador para aumentar o volume geral.
Repita o processo algumas vezes e finalize usando o compressor.
É uma solução sem vergonha mas ajuda. Aprendi isso com o pessoal do site metacast.info
Não fosse o volume do sax, que realmente está fora, estaria ótimo. Ele encaixou bem na melodia.
Não é por nada não, mas eu gostei.