Dos amores errados

Um post para vencer a insônia

Quarta-feira eu fui ao Morumbi ver o São Paulo jogar contra o Abelhinhas Venezuelanas FC. O time fez uma apresentação razoável. Eu, torcedor muito do sem-vergonha, cheguei ao estádio pensando que era uma vergonha conhecer apenas três jogadores da equipe: Rogério Ceni, Luiz Fabiano e Gustavo Neri. Na saída, estava feliz: justamente eles marcaram os três gols.
Bom, mas nem é do jogo que eu quero falar. O que sempre me chamou a atenção em todas as vezes que fui ao estádio (três) foram os gritos de guerra da Independente. É um tal de “Tricolor querido / do coração” pra cá, ““Olê olê olá / A cada dia te quero mais” pra lá… Fosse só a torcida do São Paulo, não haveria mistério: todos conhecemos a fama da torcida Tricolor. No entanto, o que se vê em todas as torcidas é o mesmo: declarações de amor desmedido e incondicional de um bando de homens na arquibancada para outro bando de homens divididos entre o gramado e o banco. Se psicanálise não fosse coisa de veado eu bem que poderia deduzir muita coisa desse comportamento.
Esse tipo de amor inexplicável não se restringe ao futebol, porém. Talvez seja desculpável que um esporte tão emocionante desperte paixões assim (não em mim. Sou mais parado em jogo de futebol do que em shows). Mas o que dizer da paixão exacerbada que algumas pessoas nutrem pela Pátria? Lembro-me de uma crônica de Graciliano Ramos — da qual eu transcreveria um trecho aqui caso minha biblioteca fosse minimamente organizada e eu conseguisse encontrar o livro — em que ele reclamava disso. Falava que as canções de louvor ao Brasil estavam se equiparando às baladas de amor melosas. Dizia ele que só faltava alguém fazer versos como “Ai, meu Brasilzinho do coração, como eu te amo”, ou qualquer coisa assim.
Minha pergunta é: como pode alguém amar um time de futebol, ou uma cidade, ou o conceito meio abstrato de Pátria? Talvez eu tenha algum tipo de deficiência afetiva, mas o fato é que eu só consigo amar indivíduos. Amo meus pais e meus irmãos. Amo minha sobrinha que está para nascer. Amo meus amigos. Amei algumas mulheres (só quebrei a cara, talvez devesse experimentar homens). Mas o São Paulo, a cidade de São Paulo, o Brasil? Não, não amo. Torço para o São Paulo porque vi aquele time da segunda metade da década de 80 (Careca, Müller, Pita, Silas), que já era excepcional, ser suplantado na década de 90 por Raí e sua gangue. Além do mais, é uma torcida sem preconceitos, sabem como é. Gosto de morar em São Paulo porque me oferece todas as opções culturais, gastronômicas e de entretenimento possíveis. Claro que eu me aproveito muito pouco disso, mas é sempre bom saber que os cinemas, teatros, museus, bibliotecas, restaurantes e parques estão ali à disposição para quando me der vontade. Gosto também de andar na Praça da República e ver um desafio entre dois grupos folclóricos andinos, um samba de engraxates, um trio de baião e o Agnaldo Timóteo vendendo CDs, tudo isso em cem metros de caminhada. Tenho raízes profundas aqui no Brasil: ao contrário da maioria das pessoas que conheço, não tenho qualquer ascendência conhecida fora do país. Sou 100% brasileiro, e talvez isso signifique alguma coisa. E talvez nada. Enfim, é uma país que combina com a minha índole (ou vice-versa, estou com preguiça de pensar nisso agora).
Mas a que vem tudo isso, vocês hão de perguntar. Bom. Muitos de vocês devem conhecer o Orkut, uma espécie de comunidade virtual ou algo que o valha. Pois muito bem: os brasileiros já são a segunda maior “população” dentro do Orkut. Até aí tudo bem, salve o lindo pendão da esperança, viva o Brasil, país lindo e trigueiro, terra de samba e pandeiro. O negócio é que alguns brasileiros começaram a freqüentar comunidades aqui e ali postando em português. Oras, há italianos, russos, japoneses e espanhóis no Orkut, e eu nunca vi em comunidade nenhuma posts em qualquer desses idiomas (é claro que há comunidades brasileiras, e é claro que nelas se fala português, espero que este parêntese seja considerado desnecessário).
Um russo morador de Nova Iorque chamado Gary resolveu fundar uma comunidade cujo objetivo se resume à pergunta: Que porra é essa invasão brasileira? Na descrição ele fala sobre a explosão brasileira no Orkut, sobre os posts em português em comunidades não brasileiras, e propõe a discussão sobre isso. Houve discussão? É claro que não! A notícia de que existia uma “comunidade anti-Brasil” começou a espalhar-se rapidamente, e a confraria do Gary foi rapidamente invadida por uma horda de brasileiros apaixonados pelo seu país. Quem espera racionalidade de alguém apaixonado? Pois é: o povo começou a ofender o Gary, a jogar “argumentos” tais como “E a invasão do Iraque, hein?” (e o cara nem americano é!), a postar em português só para irritar o sujeito. Resumindo: uma tristeza. Eu entrei lá e senti vergonha e pena dessas pessoas. Tentei iniciar uma conversa amigável com o russo, mas é impossível: é só eu dizer qualquer coisa favorável ao cara e já vem um brasileiro dizer que não, que o Gary tem que se foder, que o Gary tem que se matar, que o Gary é nazista, que a mãe do Gary tem caspa vocês sabem onde.
Eu estou disposto a defender minha família e meus amigos de qualquer ofensa que lhes façam. Todas as vezes em que briguei na escola foi para defender meus irmãos. Recentemente eu fui muito mal-educado (coisa que não costumo ser, acreditem) com uma garota porque ela sacaneou um amigo meu. No entanto, não estou disposto a brigar pelo meu time, pela minha cidade nem pelo meu país. Sou reservista, e é claro que em caso de guerra eu não terei muito como escapar. Mesmo que seja o caso, irei para a guerra a contragosto. Certas pessoas têm orgulho de dizer que morreriam pela Pátria. Eu morreria por meus pais, não pelo Brasil. Ainda assim, compreendo que a grandeza e o heroísmo do gesto possa atrair a alguns. O que eu nunca vou entender, porém, é esse tipo de defesa irracional da Pátria, essa espuma no canto do lábio enquanto se esperneia contra qualquer estrangeiro que se pergunte “Ei, por que esses caras agem assim?”. Tal atitude, além de ser ridícula, apenas levará o referido estrangeiro à resposta que parece mais óbvia: “Porque são imbecis”.

25 comments

  1. Sobre o tal de Gary, eu concordo com vc.
    Agora, esse papo de amor, acho que gira em torno de uma instituição. Seja pátria, família, tanto faz. Amamos a instituição (seja ela qual for) pois fomos criados para isso. Daí o amor pelo país, ou pela fammília.

  2. Tenho a impressão de que a resposta que parece a mais obvia para eles seja a correta. Criei uma comunidade em inglês e já disseram por lá: “I have nothing against brazilians, i just hate the way they think now portuguese is the universal language…i thought it was enligsh…or esperanto ”
    E o amor por instituições é uma flor roxa…

  3. Eu vi isso acontecer em uma comunidade e achei ridiculo, afinal ela foi fundada por alguém que falava inglês. Todas as mensagens era inglês e alguém começou com tópicos em português. Sugeri uma comunidade em português, com o “- Brasil” ao final. Foi criada, mas você acha que pararam de escrever em português? Nãooo..
    E eu não morreria pelo meu país não 😀

  4. não morreria pelo país, muito menos pelo Corinthians (apesar de chorar por ele, de vez em quando). amor incondicional a ideologias e símbolos me parece extremista demais.

  5. o engraçado e’ ver esse povo que destroi o brasil com as falcatruas e tudo mais que a gente sabe, sempre passando por cima dos outros e achando que e’ melhor que o proximo defender com unhas e dentes NA INTERNET quando chega um cara e fala meia duzia de verdades. vale lembrar tambem que eu nao vi o gary ofender ninguem, mas brasileiro tem essa coisa de auto-defesa impressionante.
    caga aqui dentro e defende dos estrangeiros? QUE PORRA E’ ESSA.
    agora, a gente nao pode esperar muito desse povinho orkut/fotolog, ne. e’ so a gente ver pelos blogs e emails que a gente recebe. a internet no brasil e’ dominada por boçais e JeNTi FoFiNHa. e pode me chamar do que quiser, eu nao falei da nossa maravilha de país, falei do povinho de merda que mostra mais as caras do que a “gente de bem” (odeio essa expressao) que vive aqui.
    voce ja viu o perfil do cara que fez a comunidade “nos odiamos o gary”? so isso ja explica tudo. sem mais.

  6. Eu cheguei a uma conclusão similar há algum tempo… o amor ao seu país é uma coisa bela, mas o patriotismo, o fanatismo, o amor desmedido e incontrolável, irracional por qualquer coisa (uma mulher, um time, um país) é uma roubada…

  7. Instuições não nasceram para serem amadas. O problema é que houve, com o passar do tempo, um “trabalho” no sentido de torná-las amadas. “Pátria”, “Nação”, “Povo”… Todos esses e mais outros, conceitos criados em determinadas épocas e seguindo determinados interesses.
    É uma questão complicada essa. Primeiro porque se se escolhe dar um “foda-se” geral, pra onde vão aqueles que não têm consciência disso – aqueles que efetivamente sentem nas costas o peso de toda essa ideologia (na maior parte do tempo, perversa)? Pelo contrário, se decidimos dar a cara a tapa, defendendo o País, lutando por nossos direitos juntos às outras regiões do Mundo, corremos o sério risco de cair nesse fanatismo que de forma alguma é bom.
    Caminho do meio? Sei não.
    O fato é que o Sr. Bob disse tudo: “o amor por instituições é uma flor roxa…”.

  8. Meu raciocínio vai mais ou menos assim: as pessoas têm a necessidade de amar (por falta de uma palavra melhor) uma causa. Ou seja, se dedicar até os ossos, sofrer, chorar, defender, brigar, e até morrer pela causa. Alguma coisa a la Che Guevara.
    Mas a maioria das pessoas não têm uma causa. E aí está o problema. Sem causa, fica fácil instigar nelas o amor por um time, uma cidade, um país, uma religião, uma pessoa (Silvio Santos, pra dar um exemplo). E por aí vai.
    Hmmm… Agora perdi o fio da meada… Droga.

  9. Bando de otários… Amam um país que relega o próprio povo ao abandono.
    Quanto ao Gary, estão fazendo igual ao Mula, digo, Lula. Provando que são gente imbecil.
    Brasileiro não sabe respeitar regras. Depois fica aí, ofendendo, sem querer ser ofendido.

  10. Agora, tem uma coisa… Se me aparece um gringo qualquer tirando com o Brasil, eu não sei ficar quieto.
    Ou, outra, se meu Corinthians (meu!) perde, Deus do céu.
    É irracional. Discutia isso dia desses, e a conclusão foi que, de fato, é irraconal. Depois, quando o jogo acaba, as luzes se apagam, o estádio esvasia, dá até uma cera vergonha das lágrimas derramadas. Só que, na hora, não tem jeito.
    E isso não tira a validade do que eu disse antes…

  11. Nunca um texto me prendeu tanto. Li tudo em uma tacada só. Se eu concordo ou não, é outra história, mas foi muito bem escrito.
    :~
    Dá um upa na Gi, garotão!
    😀

  12. só postar em inglês??? tem gente que nem português sabe direito, mas tem internet, e se eles estão em grande número nesse porra de orkut, deixe que falem, ora essa! esperanto, então…
    e o que isso tem a ver com amor à Pátria? cada um faz como pode e como gosta… ou não?

  13. O que sempre me encantou no futebol é exatamente o que você acaba de criticar: o amor dos torcedores por seu time. Agora esse negócio de querer falar português em comunidade que fala inglês não é demonstração de amor – ou é pq não sabe inglês, afinal brasileiro que sabe, e até quem não sabe direito, tem a ridícula mania de ficar colocando toda hora uma palavra em inglês na sua frase – ou está querendo aparecer – outra coisa que brasileiro adora.
    Amor à Pátria só quando ela está sob o signo de “seleção canarinho”.
    Eleger a língua sua Pátria só “Pessoas” que era bilíngue, cresceu falando as duas línguas,mas preferiu o Português, coisa que essas pessoas, se falassem inglês muito bem, não fariam.

  14. No jogo contra o Rosario (aquele que foi pros penaltis) eu tive a prova de que o futebol é realmente uma coisa inexplicável.. no meio de uma semana de merda, problemas, depressão, e todo o azar que um ser humano pode ter, me pego, pulando e berrando o hino tricolor depois que eu vi que estávamos classificados…Ah, e eu não morreria pelo meu país, prefiro ser um desertor do que um defunto…

  15. Tem que respeitar a lingua da comunidade, mas o problema é que não existe língua universal, nos EUA, tem latino que finge não entender espanhol para dar uma de superior, todas as vezes que fui para os EUA sofri alguma discriminação por não dominar a língua.
    hahahuhu o ORKUT é nosso…

  16. Bom desenvolvimento dos argumentos, porém péssima escolha no exemplo Gary.
    Apesar de gostar dos seus textos e admirar o seu trabalho, discordo totalmente da maneira como vc se refere ao comportamento dos brasileiros no Orkut – simplesmente porque vc nao levou um fato relevante em consideração: mais que declaração de amor à pátria, comunica-se em português quem apenas sabe falar português, ora bolas. Daí a vc replicar dizendo que “se nao sabe inglês, não se meta a orkutar, fique só em comunidades brasileiras” é outra história. Até na China é mais fácil falar mais de uma língua, como pode-se comprovar nos dados oficiis, ou no documentário da semana passada na tv cultura…e por uma questao muito simples de acesso ao conhecimento.
    Nem mesmo nossos universitários com seus computadores e seu fascinante acesso à rede têm inglês fluente. Não a maioria esmagadora.

  17. Marco Aurélio, apesar de São Paulo, sinto que a tendencia em ceder a sua cauda é um fato. Dá a bunda logo e pára de chorar… Manda um pvt pro tal Gary e diz que está apaixonado, que tá a fim de dar a bunda pra ele e pronto. É bem mais simples do que vc ficar fomentando a guerra contra o português no orkut em seu blog. E vc faz isso pq sabe que tem um monte de seguidores acéfalos que fazem das tuas palavras, lei.

  18. Hum… se psicanálise não fosse coisa de veado vc poderia se divertir com Psicologia das Massas e Análise do Ego (Vol. XVIII, obras completas do Freudin)

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