— Bom, Moisés, acho que já chega de leis, né?
— Q-que b-bom! A-as l-leis que vo-você p-passou já s-são su-suficientes pa-para f-formar u-uma s-sociedade ju-justa e ha-harmoniosa?
— Sociedade justa e harmoniosa é o cacete, Moisés! Que papinho mais gay! Quero nem saber se as leis são suficientes ou não, só sei que a cerveja acabou e eu tô de saco cheio. As leis são essas aí, virem-se!
— T-tá b-bom, e-então. Po-posso ir e-embora?
— Péra. Desce lá, chama o Arão, o Nadabe, o Abiú, os setenta líderes do povo e volta aqui. Eles vão vir com você só até o meio do caminho, onde vocês vão me adorar.
— T-te a-adorar?
— É, porra. Puxar meu saco, beijar meu rabo, lamber minhas bolas. “Ó, Javé, você é tão foda, o mais foda dentre os fodas, aleluia”, essas coisas. Gosto disso. Depois de me bajularem bastante, você vai subir até aqui pra levar um papo rápido comigo e eles vão ficar por lá mesmo.
— P-porra, se é p-pra t-trazer os ca-caras s-só até o m-meio d-do ca-caminho, p-pra que t-ter e-esse t-trabalho to-todo?
— Não seja burro, Moisés. O negócio aí é a tal da adoração. É isso que eu quero. Porque me apetece, e você não tem nada com isso. Então desce lá, faz o que eu mandei e não discute.
Moisés, que era gago mas de besta não tinha nada, percebeu que não era hora de discutir mesmo e desceu o monte. O povo lá embaixo já estava preocupado com ele, e todo mundo se juntou pra saber das novidades. Primeiro ele avisou aos líderes do povo que teriam que ir ao monte para beijar a bunda de deus, e depois dirigiu-se ao povo:
— Se-seguinte, po-povo de I-I-IIIIIIIIsrael! De-deus m-me pa-passou d-dez ma-mandamentos e m-mais u-uma po-porrada de l-leis, e e-eu v-vou re-repassar t-tudo pra v-vocês!
— Hum… Moisés?
— S-sim, A-Arão?
— Primeiro esse negócio de “passar”, “repassar”, cê tá pensando que tá no SBT? E outra: Deus não falou pra gente subir lá com você? Não é por nada não, mas se você for falar para o povo todas as leis que você levou esse tempo todo pra ouvir, a gente não sai daqui essa semana. Sem querer ofender, mas essa sua gagueira atrapalha nesse tipo de coisa. Cê não tomou nota das leis?
— T-tomei.
— Então pronto! Tira várias xerox das leis e distribui pro povo. Aliás, tenho uma idéia melhor! Manda pra gráfica, faz uma capa legal e a gente vende. Veja que multidão, e todos vão precisar ter uma cópia das leis. Vamos encher o cu de dinheiro, mano!
— P-porra, A-A-Arão, não s-sei n-n-não… G-ganhar di-dinheiro u-usando o no-nome de d-d-deus n-não pa-parece c-certo…
— Bobagem sua! Isso é o futuro! Estamos fundando uma religião aqui, Moisés, e religiões precisam de dinheiro. Ou a gente ganha nosso dinheiro assim, na boa, ou então vamos ter que fazer alguma coisa ridícula, sei lá, se embrulhar num lençol cor de abóbora, raspar a cabeça e sair no meio do povo vendendo incenso e livrinhos.
— N-não, me-melhor f-fazer u-uma c-coisa o-o-organizada.
— Então! Esquece esse negócio de discurso e vamos logo lá pra perto do monte pra fazer a tal da adoração.
— C-calma, A-A-Arão. T-tô ca-cansado, n-não v-vou v-voltar lá ho-hoje n-não. P-preciso d-dormir um p-pouco.
— Ok, beleza, não tem pressa.
Na manhã seguinte, Moisés constriu um altar de pedras ao pé do monte, e ali ergueu doze colunas representando as Doze Tribos de Israel. Feito isso, mandou que alguns rapazes queimassem animais em sacrifício e matassem touros como ofertas de paz. Moisés pôs a metade do sangue dos animais em bacias e derramou a outra metade no altar.
— Porra, Moisés, pra que essa carnificina toda? Não bastava a gente puxar o saco do cara e beleza?
— C-cá pra n-nós, A-Arão, o Ja-Javé é d-doido p-por sa-sangue…
— Caralho, se eu soubesse que o cara era assim nem tinha entrado nessa. Bom, queima aí seus sacrifícios, que eu vou montar a banca pra vender os livros.
A venda foi um sucesso, claro. Afinal de contas, sabendo que as coisas mais absurdas podiam ser punidas com a morte, ninguém queria morrer por ignorância da lei. A tiragem esgotou-se rapidamente. Depois que todos deram uma lida rápida na lei, assinaram um termo de responsabilidade, dizendo que fariam tudo conforme as ordens de Javé. Não eram nem doidos de fazerem de outro modo, com um deus louco e sanguinário desses à solta. Então Moisés pegou o sangue das bacias e aspergiu sobre o povo.
— E-este s-sangue se-sela o a-acordo d-de vo-vocês com Ja-Javé.
— Porra, Moisés, vai borrifar sangue na puta que te pariu!
— C-como di-disse? Q-quer de-despertar a i-i-ira de d-deus???
— Não, não, claro que não, longe de mim, ora, veja só! Desculpa aí.
— HUMPF! E-então to-tome-lhe s-sangue na fu-fuça, e ca-cala a b-boca.
Vemos que Moisés aprendeu algumas lições de autoritarismo durante o tempo que passou com deus. Depois de todo esse ritual, ele, Arão, Nadabe, Abiú e os líderes de Israel continuaram seu caminho. E depois de tanto sangue pra todo lado, deus até que ficou de bom humor, porque permitiu a todos que subissem até onde estava, e não só Moisés, como estava combinado, puta merda, que período comprido, cheio de vírgulas, não acaba mais?
Almoçaram com deus, tomaram cerveja e cachaça de alambique, contaram piadas sujas e jogaram truco até anoitecer.
— Bom, Javé, tá tarde, precisamos voltar lá pra baixo.
— Ô, beleza. Mas voltem sempre, gostei da companhia de vocês.
— Be-beleza. A-até m-mais.
— Você não, Moisés. Lembrei de umas coisas que eu preciso te falar.
— Pu-puta que p-pariu…
— Calaboca…
deus com maiúscula nem o Diabo perdoa