Quando eu era criança, achava que Merry Christmas era Hare Krishna em inglês.
Mas, porra, eu era um retardadozinho. Ouvia meu tio dizer:
— Vou botar remédio pras baratas.
E pensava: “Puxa, como meu tio é bonzinho, cuida dos bichinhos doentes…”
Quando o pedreiro veio demolir a casa que ficava aqui nos fundos, fui contar a ele a novidade:
— Sabia que meu pai vai me dar uma bicicleta e eu vou andar de bicicleta aí onde era a casa?
— Ah, que legal! Vai ficar rodando aqui, né?
— É…
Fiquei puto com aquilo de “ficar rodando”. O pedreiro achava que eu era um retardado, um moleque bobo que andava de bicicleta no quintal.
Só de raiva não aprendi a andar de bicicleta.
Fui aprender aos 25 anos.
Bom, não sei fazer curvas ainda. Nem frear.
Eu tinha um amigo imaginário, por Deus! Um amigo imaginário chamado Buduque. BUDUQUE! Chegava pra alguém e pedia:
— Segura o Buduque um pouquinho?
A pessoa achava graça, ficava um tempo com as mãos em posição de quem segurava algo. Depois esquecia, virava pro lado, ia fazer outra coisa. E o bestinha aqui:
— VOCÊ DERRUBOU O BUDUUUUUUUUQUE!
Dava trabalho, o Buduque.
Aos três anos eu fiquei noivo de uma menina. Chamava-se Fernanda, devia ter ano e meio, sei lá. Fiz uma aliança de arame pra ela. Mas aí, aterrorizado pela possibilidade do casamento, dei um gelo na garota. Sumi. Que canalha.
Ainda aos três anos fui internado. Gastrite. Não perguntem, não sei como eu fui ter gastrite aos três anos. Mas me lembro perfeitamente dos quatro dias que passei no hospital. Lembro de um médico que me impressionou por ser preto e por ter um cabelão black power (era 1978, a lama do Dilúvio ainda não havia secado). Lembro de ficar importunando as enfermeiras para me levarem pra casa, de argumentar com uma enfermeira que veio botar fraldas em mim na primeira noite (“Fralda? Eu não uso fralda. Quem usa fralda é criança”), e do constrangimento que foi me ver de fraldas minutos depois.
E lembro da hora do banho.
Ah, o banho! Eu ficava em pé na banheira e começava a dançar e cantar músicas do Sidney Magal, meu ídolo máximo então. Engrossava a voz e mandava:
Tenho
um mundo que é cor-de-rosa
de coisas maravilhosas
que tanto sonhavas ter.
As enfermeiras se acotovelavam na porta do banheiro, todas com cara de óun! Eu tinha meu charme.
Aos sete eu achava que as meninas iam gostar de mim se eu soubesse várias músicas de cor. Sei lá de onde tirei essa idéia, talvez da experiência com as enfermeiras. Aos oito percebi que isso era ridículo: decorar músicas fora a coisa mais estúpida que eu já fizera para pegar mulher. Então pensei em algo mais adulto, mais condizente com a minha idade.
E comecei a imitar o Michael Jackson.
Tão olhando o quê? Eu fiquei famoso na escola! Rodas formavam-se para assistir aos meus primeiros (e últimos, graças a Jeová) passos de break. Depois do recreio eu fazia questão de ser o último a subir, e de passar em frente às salas da primeira série só para ouvir os gritos:
— MICHAEL JACKSON! MICHAEL JACKSON!
Lembro de uma vez que a professora pediu silêncio e um dos garotos argumentou:
— Mas, fessora, é o MICHAEL JACKSON!
A glória, meus amigos! A fama! o poder!
Uma pena que nem isso impressionasse as meninas. Eu ficava indignado com a petulância daquelas pestes.
Muito antes disso eu já sabia que ia ser escritor. Não que percebesse em mim qualquer talento especial, que o talento não deu as caras até hoje. O negócio é que eu não sabia desenhar, não sabia pintar, não sabia jogar bola. Era tudo muito difícil.
Escrever era só botar uma palavra atrás da outra. Quando chegava o fim da linha, voltava e continuava na linha de baixo. No fim da página, era só escrever no verso.
Fácil.
Não tinha como dar certo.
Eu também tenho flashbacks de idiotices cometidas quando criança. E como adolescente. E de cretinices tão recentes quanto… semana passada. Uma vida muito embaraçosa, a minha. Mas nunca cheguei a ter um amigo imaginário, hehehehe…
vc é um doido… mas tem criatividade
Ah, não tinha como dar certo?
Que vontade de te bater quando você escreve esse tipo de coisa, principalmente depois de escrever esse tipo de coisa tão bem escrito.
Bah!
Tenho medo de você. Talvez porque eu me veja em você. Às vezes penso que no futuro serei um cara como você (sem o mesmo talento, obviamente). Assustador, não?
A despeito do seu segundo nome ser de dicionário, realmente você tem intimidade com as palavras, o que dá gosto especial em te ler. Parabéns!Adorei muito
Putz, decorar letra de música não funciona não? Si fudi, então…
E meu ódio por você só aumenta.
O consolo (ops!) é saber como estava o Santo Pernil de SETE QUILOS que você, para variar, perdeu neste domingo… (risos histéricos esfregando as mãos e babando)
Puto.
hahahahaha
Muito bom, Marco.
E não deu certo mesmo.
Tudo mundo sabe que o talento por trás do Balde de Gelo é a Daniela.
[s]
Mas John, amigos imaginários são indícios de inteligência e criatividade.
Marco Aurélio, ainda bem que li hoje nessa manhãzinha tão cinza e molhada… ganhei o dia!!!
Pombas, também tentei decorar músicas e imitar o Michael Jackson pra impressionar meninas (!). Depois, tentei conhecer um monte de livros, e foi pior que decorar músicas…
Ah, e eu achava que aquelas kombis com letreiros de “aluguel” vinham cobrar o aluguel nas casas… medo!
Eu TE AMO, Porra!
e te amo mais ainda agora que eu sei que você dançava com o Michael, que quando era negão era tudo na minha vida.
è vero que te amaria mais um pouquinho se a gente botecasse antes de acabar o ano, que tal?
beijos
dançava COMO Michael Jackson…
Parece muito a minha vida. Mas meu amigo imaginário se chamava LICKY.
Quem já te viu dançando “Billie Jean” nunca nunca esquece. Malemolente você, viu negão?! Ui, tesouro!
Michael Jackson? Cê achava isso ruim? E eu que quando pequeno imitava o Genivasl Lacerda?
Quando criança, adorava montar legos, essas coisas. Desenhava antes, pra ver se dava tudo certo pra fazer o que eu queria, usava todos sem faltas, cores combinando e tal.
Não tive dúvidas: resolvi ser arquiteto. Não tá dando certo.
Deveria ter sido vitrinista de loja de brinquedos…
Eduardo, você me fez lembrar da história do Sidney Magal. Enfiei ali no meio do post.
Porra, li o post de cabo a rabo num piscar de olhos e, quando terminei, percebi que eu estapara a merda de um sorriso bobo na cara desde a primeira linha! Ah, acabei de encomendar o Balde. E puxa-saco é o caralho!
Talvez nem todos os escritores descobriram seu talento desde a infância.
Acredito que isso se reflete muito do sofrimento e/ou experiência que a vida lhe proporciona, entende ?
Talvez o Blog tenha lhe ajudado, a Internet, os Amigos, o Polzonoff, sei lá.Pode ser também que isso nem seja um talento, pode ser apenas uma fase duradoura, pois não duvido que no final de Janeiro você deixe uma mensagem no blog dizendo que mudou de profissão e não está mais interessado em escrever.
E se isso acontecer ?? Aonde você pois este “Talento” ??
Por mais que você planeje, nunca sai 100% do planejado… você sabe disso.
Pô. A importância do Polzonoff pra mim é tão óbvia assim? Caraio.
Quer que eu responda ?
É óbvia sim.
O lance do Hare Krishna/Merry Christmas é hilário.
Puxa, é inevitável não rir.
Muito bom.
Hehehehehe! Caralho, quando vc falou do garoto bobo andando em círuclos com a bicicleta, só lembrei de mim mesmo. Eu gostava de andar de bicleta rodeando o quintal. Eu ficava me imaginando numa proganda nacional, andando de biciclenta e cantarolando sorridente e feliz: “para ser feliz é preciso ser… Há um mundo bem melhor, todo feito pra você…” Essas são as duas únicas frases que lembro da musiquinha, só consigo lembrar a melodia, o que nada adianta nesse minuto. Ri demais quando li o seu texto. Aliás, fiquei fã também daquele blog antigo que vc tinha: “Sonhos, sonhos são”. Perfeito! Muito bom esse aqui também.
Um há braçu.
Muito engraçado… Lembrei de bons momentos da minha infância.
Eu quando moleque tinha plena convicção que o mundo antigamente era preto e branco.
Oras…
Eu estaria rolando de rir com esse post. Lúdico: eu até lacrimejaria. Se não fosse a tórrida decepção ao depara-me com a realidade: eu sou da época em que a lama do dilúvio ainda não havia secado.
Faça-me o favor!! Da segunda geração do Noé é o raio que o parta!!!
adoro te ler.
Caraleo. Eu li esse texto ouvindo uma música chamada “Mesmo que mude” da Bidê ou balde.
Dava pra fazer o clipe, porra.
vc é fodão, velho… escreve pra caralho. nao é só colocar palavra atrás de palavra, pode apostar.
ó meu comentário… viu? eu nao escrevo!
“Eu ficava em pé na banheira e começava a dançar e cantar músicas do Sidney Magal”
HAHAHAHAHAHAHA
Já disseram que quem nasce pra rei nunca perde a majestade.
Eu já acho que quem nasce pra gay nunca perde a baitolage.
(o m de ‘baitolagem’ foi intencionalmente suprimido. Licença poética, sabe como é. Uso esse maravilhoso recurso da escrita quando me dá na telha. Se tiver algum problema com isso, vá reclamar com o Marco, que autorizou meu comentário)
Parece que antes você era normal.Mesmo assim escreve bem.Feliz Natal!
Como você conseguiu aprender a escrever?
Beijundas!
Ah. Por que você não disse antes que era tão fácil assim escrever. Eu já teria criado um blog há muito tempo.
Maravilhoso, este texto. Adoro quando vc ri de si mesmo.
Quando eu era criança eu queria ser caminhoneira.
Mas “já de saída minha estrada entortou…”
E eu não sei dirigir nem carrinho de feira.
hahahaha!!!Eu tbm tinha um amigo invisivel…um não!!Um monte!! E gostava de enturmar eles com a galera que andava comigo…acho q todo mundo achava que eu era completamente louca!!:)
Adorei o post!!!
Bjoooo
Não consigo te imaginar dançando break. Na verdade, não consigo te imaginar quanto criança. Você sempre foi careca com cara de velho? Coloca uma foto aí do mini-Marcos Aurélio, nem todo mundo tem imaginação fértil…
Me arrisco em dizer que foi seu melhor Post! Ou pelo menos está entre eles. Parabéns!
Até q enfim um post leve, sem a palavra CARALHO, PQP, entre outras..
Parabéns pelo livro Balde de Gelo…
Bom final de ano, Marco.
Pois é, Marco! Sidney Magal era sexy naquela época e Genival Lacerda que nunca foi nada? Eu colocava a mão em cima da barriga, perto do dito cujo e tome forró pra cima…
Mas ainda sim deve ter sido engraçado você de fralda, em cima da banheira dançando Sandra Rosa Madalena.
Eu sempre leio seus post e nunca comento, mas dessa vez não posso deixar de escrever o quanto você é genial!
E concordo com o Nando Viana – o Messias, se não o melhor, um deles com certeza!
Abraços.
Adorei vir aqui para conhecer o blog, e parabéns pelo livro.
Haha, lembro-me que no primeiro período fizeram um casamento de dois ‘coleguinhas’ meus…A noiva de vestido vermelho, e o noivo todo empetecado…A professora quase caiu de costas ao ver aquela cena no mínimo…curiosa.
Realmente, escrever é bem mais fácil que andar de bicicleta.
Ainda bem que você nunca tentou andar de skate para impressionar as meninas…
sobre amigos imaginários, soh uma coisa a dizer: naum eh pq vc não os vê, q eles não existem!
¬¬ mas enfim, pelo menos o meu tinha asas e sabia se segurar sozinho…
^^
ja ne
Quando era pequeno, corria pelado atrás das minhas primas até conseguir beijá-las… mas odiava quando elas diziam que eu era bonito e que gostavam de mim… QUERIA VIRAR PADRE!!!
Mas nada que uns antidepressivos e terapia não resolveram!!! 🙂
Cara, gostei do teu blog!!! Descobri por acaso e achei muito bom!!!
Um abraço!