A bicha

A ansiedade é uma bicha histérica que mora dentro de mim e tenta o tempo inteiro tomar o poder dentro da minha cabeça. Qualquer coisinha que aconteça desperta a bicha. Bastou um comentário que não entendi, um olhar meio torto, um rumor sem comprovação e pronto: lá vai a bicha dar piti. “VAI PERDER O EMPREGO, BOFE! O QUE VOCÊ VAI FAZER SEM EMPREGO?” “GENTE, E ESSAS MANCHA NAS SUAS CANELA? É CÂNCER, ISSO AÍ! VAI MORRER DE CÂNCER NA CANELA!” “TÁ TODO MUNDO MORRENDO E VOCÊ É O PRÓXIMO, BI!” “TRINTA E SETE ANOS! TRINTA E SETE! CREDO!” E por aí vai.
Quando a bicha começa a dar piripaque é um inferno. Ela grita, ela sapateia, rodopia, e eu não consigo pensar, não consigo trabalhar, não consigo dormir. Ano passado a tresloucada conseguiu me paralisar de vez: tive uma crise de pânico, fui atrás de especialistas, me deram remédio pra tomar. No começo desse ano, percebi que o remédio me deixava estranho. A solução do médico foi dobrar a dose, o que me deixou duplamente estranho.
Porque, vejam, o remédio não exorciza a bicha. Na verdade a merda do remédio nem cala a boca da bicha. O que ele faz é envolver a bicha em algodão, plástico bolha e plumas (o último item só para agradar a feladaputa) e abafar a voz dela. Ela continua tendo suas crises, só que eu estou como que longe dela, alheio a ela, não consigo ouvi-la direito. Mas ela está lá e passa sua mensagem de alguma forma. Quando algo que seria perturbador me acontece, eu penso: “putz, se não fosse o remédio eu ia estar arrancando os cab… as unhas agora”. Só que eu passo o dia desconfortável (sem nem estar menstruado) e durmo mal. É a bicha lá, toda embrulhada, dando um jeito de mandar sua mensagem com mímica, código Morse, sei lá.
Eu até nem acharia tão ruim se fosse só a bicha. O problema é que o remédio não faz isso só com a ansiedade. É meio que a mesma coisa com qualquer sentimento, emoção, sensação ou veadagem. “Olha, uma pizza.” “Olha, uma frase de um livro.” “Puxa, uma música.” “Uia, Scarlett Johansson pelada em cima da mesa dançando Cara-Caramba-Cara-Cara-Ô.” Tudo parece alheio a mim, tudo está longe, e eu também não me importo. Estou feliz. Olha como sorrio, estou feliz. Muito feliz. Nossa, que alegria. Jeová me segure, que assim eu não agüento tanta alegria. Vou rir. Tô avisando que eu vou rir, hein? Tô sentindo a risada vindo. Prepara aí. Prepaaaaaaaaaaaraaaaaaaaaa…
Rá.
É muita alegria. Uau.
Então por minha própria conta (porque o médico é só um emissor de receitas cor-de-rosa mesmo) voltei à dose original do remédio. Comecei ontem, deve levar um tempo ainda pra fazer alguma diferença. E espero que faça diferença, porque nem eu me agüento mais. Tem horas que dá até saudade da bicha histérica.
 

18 comments

  1. Atingi meu nível máximo de risada no detalhe das plumas! Sozinho em casa, lendo um texto naquele silêncio, e num trecho como o das plumas é gatilho pra gargalhada que beira o ‘ROFL’. O cão deitado que dormia aqui pulou de susto com a risada. Esse raciocínio lateral que você usou pra medicação está espetacular. Ansiedade é igual café; até certo ponto serve de combustível, dá energia. Ao tomar demais, começa a dar crise nervosa, tremedeira, desconforto. Por um lado, é bom aproveitar o que a tecnologia da medicina farmacêutica desenvolve. Talvez essa sensação de estar estranho seja pela medicação atual não ser a ideal. Sugira mudar o medicamento. Imagino que você já tenha assistido Limitless, estou certo? Busque o estado de Limitless, aliás o protagonista no filme é escritor também hein? Vai que você vira Prefeito de SP, era uma boa hein?

  2. Força, velho. Sou só um ano mais novo que você, mas já sinto quase tanta ansiedade quanto. É uma idade triste, a época do meio termo e um pouco mais, sabe? Nem velho, nem novo; mais para velho, nem pobre nem rico; mais para o pobre e assim vai.Segura a onda e volta a escrever, talvez te alivie. Pelo menos, aliviaria a mim, que entro sempre aqui esperando um texto genial e não encontro nada. Aí, a minha ansiedade é que aumenta. Graças à Deus não tomo remédios. Sou um machão à moda antiga. É veneno? Quero puro, sem gelo. Escuta, já tentou o Concerta? Meu primo toma, o sujeito era um porra-louca, sem a menor noção, e depois de tomar, virou outro: um zumbi.Responsável como ele só, mas um zumbi. Chato como evangélico chato, mas não se pode ter tudo, meu velho. O patrão dele adorou e a família, para dizer a verdade, também.

  3. Ahhh e aquela idéia de largar tudo e mudar pra jericoacoara? Tenho certeza que a bicha ia largar você assim que visse aquele monte de italiano oferecendo “tinquenta rrreais” pras mocinhas na praia!!

  4. Aposto que no dia que você fizer essas suas sobrancelhas sua bicha histérica toma jeito na vida 🙂
    Piadinhas a parte, acho que todo mundo tem sua bicha interna. A minha, por exemplo, além de chata, é mais ou menos assim: http://www.youtube.com/watch?v=tCqcPQntrKc
    Ainda não procurei ajuda médica… mas sinto que não vai demorar muito. De qualquer forma, se acha que diminuir a dose vai te fazer sentir melhor, manda ver. Mas comunica ao médico (eles reclamam, mas no fim eles acabam aceitando, afinal, não querem perder o cliente, digo, paciente) 🙂

  5. ” Ano passado a tresloucada conseguiu me paralisar de vez: tive uma crise de pânico…”
    Crise de “pânico” no CQC!? Além de tudo, a bicha é lou-ca!

  6. Boa sorte, cara. Quando resolvi parar com meus remédios, fiquei apavorada. Mas não deu problema nehum, na verdade. Quem sabe, parando os remédios, agora que você conhece os dois lados do assunto (bicha louca e bicha envelopada), você não convive melhor com ela!

  7. como paniquento que sou, posso te dizer que a melhor coisa é terapia (cheia de louça-rárárá). no começo não via muito sentido, mas vc vai montando o quebra-cabeça e percebendo coisas que nunca imaginou poder te afetar (tipo trauma de infância-mas é verdade) e o legal é que vc passa a se conhecer realmente… fora que alguns remédios broxam… Boa Sorte ae

  8. CAra, o JL tá certo. remédio é paliativo, mexe com os sintomas, doma a histeria, mas não está tratando a causa.
    Ficar só nisso só vai causar dependência (química ou psicológica) e a “bicha” vai continuar lá.
    Na terapia, a bicha vai se expor, se colocar enquanto ser quimérico, alegórico e egotrípico (rs).
    Vai fundo nessa, assim, vc se tranquiliza de dentro pra fora, e não na base de se dopar.
    Boa sorte e força aí.

  9. Rapaz, tu já pensou em praticar uma atividade física? Faz bem pro corpo, pra mente e pro espírito. Tu conhece gente diferente, solta ‘us bicho’. Experimenta que tu vai gostar.

  10. Acompanho o JMC desde o início da Bíblia Sacaneada, e espero que as coisas já estejam sob controle, ansiedade dominada etc. e coisa e tal. Você é um cara muito legal. Nesse caso, a rima é involuntária. Abração, Marcorélho

  11. Felizmente, ou não, você não está sozinho… Minha bicha interior vive dormindo, mas quando resolve acordar grita até me deixar surdo (e canta beyoncé sem parar)… Ri com seu depoimento, mas fiquei pensando no que eu diria sobre mim :S

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