Terapia-tapioca

Eu vou contar um negócio, mas vocês não podem me chamar de bicha. Ok?
Estou fazendo terapia…
 

EU FALEI PRA NÃO ME CHAMAR DE BICHA, CARALHO!

 
Então. Tô fazendo terapia. Acontece que morreu um monte de gente, aí aconteceram coisas no trabalho e eu acabei tendo um piripaque. Fui pro pronto-socorro, diagnosticaram crise de pânico (“Ué, doutor, mas eu trabalho no CQC…”, uma piadoca sem graça que me rendeu olhares estranhos). Deram lá um remedinho e falaram que eu precisava procurar um psiquiatra. Fui à psiquiatra e ela me receitou antidepressivos e terapia.
Logo de cara, achei a idéia uma merda. Sou a favor das pílulas da alegria, mas psicanálise sempre me cheirou a charlatanismo. Só que aí falei com um, falei com outro, muita gente me falou que era legal e eu pensei: “Tá, vamos tentar saporraê”. A psiquiatra me indicou uma amiga dela, marquei a consulta e fui lá.
Já na primeira consulta eu fiquei com vontade de não voltar mais. Contei o que estava acontecendo e falei que estava especialmente indignado por meu pai ter morrido tão novo, aos 66 anos. Os pais dele viveram até os 85. Alguns dos meus bisavós passaram dos cem. E aí ela bota a mão no queixo e comenta:
— Nossa, que família longilínea
Longilínea.
LONGILÍNEA.
Não consegui prestar atenção em nada mais do que ela disse aquele dia. Sempre que ela abria a boca, eu ouvia “Nossa, que família longilínea” e respondia mentalmente: “É LONGEVA, PORRA!”
Mesmo assim, voltei na semana seguinte. Falei dos meus interesses, falei do quanto gostava da Bíblia e tal. No final da sessão, ela disse:
— E agora você está chegando no seu Muro das Lamentações.
(eu olhando com cara de nada)
— Que é uma das passagens mais lindas, né?
(eu olhando com cara de “hein?”)
— Quando Cristo chega no Muro das Lamentações…
(eu olhando com cara de “calabocapelamordedeus”)
— Ele sofre, mas é o momento em que ele se encontra consigo mesmo.
— É… — (olhando com cara de “Pai, perdoai-a…”)
Com coisas assim eu fui perdendo o interesse pela terapia. Inventei desculpas para não ir. Quando ia, falava só de questões comezinhas (comezinhas!): problemas no trabalho, planos para o fim de semana, a castração do cachorro. E sempre qualquer coisa que eu dizia ela transformava numa analogia e esticava essa analogia até não poder mais. Uma vez eu contei uma história pra ela que eu não posso contar pra vocês porque prometi segredo à protagonista. Basta dizer que envolvia uma catota que acidentalmente caiu do nariz dessa pessoa no banco do meu carro. Essa pessoa ficou com medo de levar bronca e eu fiquei mal por isso. Contei essa história e depois entrei em outros assuntos. A cada coisa que eu dizia, ela comentava:
— Está vendo? Essas são as melecas que vão caindo no seu caminho. Você se envergonha, mas talvez fosse melhor admitir, “Olha, derrubei essa meleca aqui”.
Na semana seguinte, contei pra ela o que estava me incomodando na terapia. Falei da família longilínea, do Muro das Lamentações, das analogias levadas longe demais. Ela riu, pediu desculpas, ficou com vergonha. Só que tudo continuou mais ou menos a mesma coisa, então há três semanas eu liguei para avisar que não ia mais.
— Você não vem hoje ou não vem nunca mais? — perguntou a recepcionista.
— Não vou nunca mais.
— E você quer que a doutora ligue para conversar com você?
— Se ela quiser…
Ela não quis. A única reação dela foi depositar os últimos dois cheques (além de tudo, a mulher era desorganizada e deixava meus cheques dando bobeira na gaveta).
Bom, então fui procurar alternativas. Um velho amigo me recomendou muito a terapeuta dele, então telefonei, marquei, fui. Que diferença! Essa nova é uma japonesa miudinha, sorridente, que fala pelos cotovelos.   Ao final da primeira sessão, ela se despediu dizendo:
— Se você resolver continuar mesmo, semana que vem eu quero que você me traga sonhos.
Fiquei olhando para ela durante dois segundos. Por um instante, achei que ela estivesse me pedindo para passar na padaria e comprar sonhos pra ela. Achei que era muita cara-de-pau, então refiz os cálculos e concluí que ela estava falando de sonhos mesmo. Contei isso, ela riu. Pessoas que riem são legais.
Amanhã é a terceira sessão com a japa. Ela escuta o que eu falo, parece que entende e diz coisas que fazem sentido. É quase como se eu tivesse, sei lá… amigos.
(Ai, gente, tô dramática)
Então é isso: estou tomando antidepressivos, fazendo terapia e gostando. Só falta agora comprar um iPhone, começar a me interessar por rapazes e pronto: estou enturmado aí com a geração de vocês (Y, Z, N… sei lá que letra que vocês são agora).

 
 
 
 

38 comments

  1. kkkkk….muito foda Marco. Teve uma época que eu tbm passei por umas seções. Por final de relacionamento e coisa e tal. Os amigos achavam que era besteira, doença de rico, ou que eu tava de viadagem. Mas tbm desisti, cheguei tomar uns comprimidos mucholokos, mas consegui sair sozinhu. Minha mente ficava a mil, pensava de tudo, demorou um pouco, até eu consegui fazer essa bad de pensamentos sumir. Até hj tenho uns lampejos de depre, mas não fica muito tempo. Costumo dizer que bolei um respirador pra mergulho de pensamentos. Sempre me salva, quando perco algum trampo, namorada ou qualquer objetivo que não deu certo. Tenho certeza que vc tbm vai descobrir um modo de se virar em situações assim. Uma dica é procurar fazer coisas que ti dão alegria, sem fazer vc lembrar o porque ficou mal.

  2. hauahuauhauhuhauhauhuhauh!!! RI ALTO! saudades de vc! E bem vindo ao meu clube de pilulas da alegrua. Ainda não achei uma japa. Deixei a minha também pq tudo ela dizia que eu ainda tinha uma menininha dentro de mim que não deixava eu crescer. Tudo era a tal menininha! E os sonho da Baleia? Pois é, vc interpretou melhor! hahahahah.

  3. cara.. melhor coisa q vocÊ faz é acender uma tronca de erva medicinal… vai melhorar sua vida, e não é pesada e viciante como os antidepressivos…

  4. Cara,
    Sei como é. Eu perdi as contas das vezes em que falei para amigos o quanto terapia era para fracos e frescos, até o dia em que precisei fazer. Quando fui procurar um, o principal quesito é que o terapeuta tinha que ser médico, e não psicólogo. Afinal de contas, a mensalidade de um curso de psicologia é mais barata que uma sessão num bom consultório, e muitos que precisam de tratamento vão para as cadeiras dessas McUniversidades.
    Fiz poucas sessões que me ajudaram muito. Consegui sair da inércia, comprei uma bicicleta, perdi peso, estou fazendo dança de salão, caligrafia (eu sei), estou escrevendo mais, estou vencendo várias barreiras psicológicas que me impediam de fazer muitas coisas.
    Quanto aos remédios, dá uma lida neste artigo:
    http://revistapiaui.estadao.com.br/edicao-59/questoes-medico-farmacologicas/a-epidemia-de-doenca-mental
    É sério, depois de saber como são aprovados os medicamentos para distúrbios mentais você vai pensar duas vezes antes de colocar um comprimido na boca novamente.
    Abraços.

  5. todo mundo que nunca precisou de terapia fala que terapia não presta ou é uma perda de dinheiro.
    eu sou muito grata à minha psicóloga e, se preciso for, mato e morro por ela.
    meu namorado foi depressivo durante muito tempo e ele curou a depressão dele com o método EMDR. se tu veres que a tua cota de antidepressivos só vem aumentando ou trocando com o tempo (como aconteceu com meu namorado) e você continua o mesmo, tenta catar um profissional especializado em EMDR aqui http://www.plazacounselingservices.com/emdrnobrasil.html. não sei se a esli ainda atende, mas foi ela que ajudou meu amor.
    segue firme na terapia. hora da analogia: é que nem guardar dinheiro. leva tempo, às vezes dói porque você quer fazer alguma outra coisa e não pode. mas, no fim das contas, vale muito a pena.

      1. No, mi permetta, no io… Scusi, noi siamo in quattro, come se fosse antani anche per lei soltanto in due oppure in quattro anche scribai con cofandina, come antifurto, per esempio.

  6. Caraca, entrei até no meu dicionario Aurélio aqui, nunca mais esqueço dessa pelavra “Longeva”, que eu não lembrava, mas graças a Deus nunca disse pra ninguem que tinha uma familia longilinea, heheh…
    ps.: Concordo com o Radunz, pra mim é a melhor terapia que já fiz, e sempre que faço fico feliz pois extravaso as raivas e frustrações e ainda por cima perco uns quilinhos!!! Melhor terapia do mundo! (e essa é de macho hein marcu!!!)

  7. Ai Marco, eu simplesmente AMO o jeito que você escreve. Sério. Um jeito descontraído mas que prende a atenção.
    E olha, vou confessar: a parte que a japinha falou dos sonhos, a primeira coisa que pensei foi você levando sonhos de padaria para ela.

  8. Passei pela mesma coisa: a 1a psicóloga só me olhava e balançava a cabeça… eu me acabando em lágrimas e nem um lencinho!!!! A atual é foda… faz umas conexões que me deixam de queixo caído e tá finalmente me ajudando.
    Quanto aos anti-deprê: são só p/ interromper o ciclo de crises. Pense em alguma coisa pra substituir, como alguma atividade física, ou sei lá… algo q produza endorfinas! Eu tomei fluoxetina por 2 meses e troquei pela meditação e yoga 3 vezes na semana. Pense nisso! Melhoras! Cara, leio seu blog desde 2002!

  9. Marco, não quero parecer intrometido, mas tomo a liberdade de comentar seu texto pq leio o JMC há muuito tempo (2003).
    Caguei de rir com tuas piadas, me impressionei com a qualidade do blog quando bons blogs eram raros. Lembro de te mandar um email quando a minha fé foi pro vinagre e vc me respondeu com uma paciência e educação sem tamanho.
    Não dá pra dizer como foi legal da tua parte dar uma força dizendo: “Cara, se tem deus mesmo, eu to aqui. Ele que venha trocar uma idéia.”
    Lembro de um post que me emocionou bastante. Onde vc chorou baldes ao som the Aretha Franklin.
    “A de agora é a velha tristeza, minha companheira desde sempre. Não tem razão de ser, apenas é parte das minhas características, tanto quanto a calvície, os dentes ruins ou o gosto pelas palavras. Às vezes eu mando nela, às vezes ela manda em mim. E hoje ela resolveu tomar as rédeas com toda a força.”
    Vc arrumou os dentes, e poderia ter feito um tratamento pra nascer cabelo. Ou comprado uma peruca. Essas coisas a gente muda, arruma, joga fora.
    Na minha opinião, os seus mais belos trabalhos surgem quando o verniz melancólico que SEMPRE existiu (pelo menos naquilo que é permitido aos seus leitores lerem) nas entrelinhas vem a tona.
    Desejo sorte na tua terapia velho. E o meu comentário se resume em: Me parece que o velho Marco Aurélio só estava em hold.
    Sou teu fã brother!
    Parafraseando:
    “Creio na morte, única amante absolutamente fiel.
    Creio na estupidez humana, única força com que se pode contar sempre.
    E creio no humor, única forma de encarar a primeira e suportar a segunda.”

  10. Sete anos atrás dei um pirada e fui em um psiquiatra que me receitou remédios e terapia.Usei os remédios até ele mandar parar. Fiz a terapia até receber alta. Enfim, muita gente pode dizer que é normal, mas eu tenho dois especialistas que comprovam isso e quer saber? Eu não me acho nada normal!Ainda me atolo nos mesmos problemas de antes.Vai ver que normal é isso, viver aos trancos com as indagações da existência e os problemas do cotidiano.

  11. Marco, ia te dizer que quando alguém faz o que você fez nesse post (“Oi, meu nome é Marco, eu tomo antidepressivos e faço terapia.”) aparecem mil ‘terapeutas’ de plantão para te dizer o que fazer da tua vida.
    Ia te dizer isso, mas pelos comentários você já percebeu néam?
    Soa bem batido, mas não tem outro jeito de dizer: siga em frente e ouça seu coração. O que você precisa nesse momento de vida é isso? Então que ótimo ter achado uma japa no caminho.
    Desejando de coração o seu bem!
    “Oi, meu nome é Melissa, eu já tomei antidepressivos e faço terapia feliz da vida!”

  12. Eu já fiz terapia e percebi que, pra funcionar, você precisa respeitar o terapeuta (e para isso, ele precisa ser respeitado). Como você vai se abrir com uma pessoa se você não quer ouvir essa pessoa falar poruê sabe que “lá vem m*”?
    A questão é a seguinte: você vai no mecânico, sai de lá com o carro funcionando; vai no dentista e sai de lá sem o dente; vai no barbeiro e sai de lá com o cabe… desculpe Marco, você entendeu. E quando vai na terapia até sai melhor, mas no outro dia parece que tá tudo péssimo de novo. Tem que ter paciência… e muito é como você muda os seus pensamentos e as suas atitudes quando está fora da consulta (minha terapeuta era da linha comportamental, e foi a que eu achei mais lógica).
    Boa sorte na terapia, e não desista!

  13. Vc tem que voltar a trabalhar com a gente. A gente te cura. Qdo vc chegou na Plano, vc tbm era depressivo e tals. Dai melhorou, né?!! Viu??!! 🙂

  14. Existem bons e maus psicanalistas. muito além disso, tem o fato do vínculo que é criado depender de questões muito pessoais dos dois individuos ali. Tenho certeza que outras pessoas adorariam a sua primeira analista – apesar que o método dela parece meio esquisito, levando literalmente como descreves.
    Sugiro só que não foque tanto nas resistências que se formam com esse tipo de ideia sobre terapias e terapeutas. É preciso que certas posturas sejam abandonadas para a efetivação do mecanismo de mudança. =]
    Boa sorte.

  15. Na minha opinião esta primeita terapeuta é daquelas que acabaram de sair da faculdade ou fez apenas o curso acadêmico e agora coloca em prática o que aprendeu lá. Eu já passei por algumas assim e realmente este troço de ficar analisando e procurando um significado simbólico em tudo é um saco! O povo faz umas analogias nada a ver com seu contexto e o pior é que se você discordar está vendo uma “projeção” ou tendo uma “resistência” por que está mexendo com conteúdos dolorosos, sinal de que a terapia está funcionando. Fala sério! A pessoa de propõe a ser terapeuta e não se especializa. Meus melhores terapeutas foram os mais “loucos” e não tinham nada de tradicionais.

  16. Oi Marco. Estou muito feliz em ter vindo parar aqui no teu blog hoje. Eu o lia, há muitos anos e parei há tantos outros (confuso). Parei aqui hoje nem lembro o porquê. Dei uma lida no teu 2010 e fiquei imersa em tudo que você e sua esposa passaram. Achei tudo muito doído e importante ao mesmo tempo; Achei uma coisa maravilhosa a história de sua educação religiosa em contrapatida ao tipo de humor que escolheu para o seu blog, e mais ainda seus questionamentos religiosos/filosóficos/existenciais após o ocorrido com seu herói…Acredito que você precise mesmo de terapia devido a essas barras todas que passou, ninguém tem que passar por isso e sair ileso. Depois de alguns problemas tive que tomar antidepressivos, foi estranho, nem me reconheço nas lembranças, foram poucos meses, emendei na terapia, depois na dança de salão e estava livre de novo. (óbvio que os problemas que tive, apesar de ruins, nem se comparam as suas perdas). Estar aqui hoje foi especial para uma auto análise. Obrigada, e se me permite conselhos, busque sim uma terapia, uma atividade prazerosa que lhe proporcione endorfina, se dedique mais do que nunca ao trabalho e se una cada vez mais a sua esposa e a alguma crença, mesmo que seja não crer!

  17. Seguinte: na linha de terapia. Existe a ADI / TIP, no site da wwww.fundasinum.org.br explica alguma coisa, mas nao dá para saber o que é sem fazer. Vc nao viaja na maionese, realmente tem uma linha direta para o inconsciente, que é um troço vivo. Para resumir, você em tres semanas resolve a parada que quiser. Fui numa palestra deles no Rio e tinha cem pessoas uns 90 psicólogos e psiquiatras a metade fulo de raiva porque essa terapia acaba com o lenga lenga e vai no ó do borogodó. Falei.
    PS agora notei que tudo qto é doido resolve estudar psicologia, eu hein…

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