Goiabeira

A árvore marcada com a seta verde é uma goiabeira. Está ali há quase 60 anos. É só uma goiabeira: tem aquele tronco manchado e dá goiabas. Mas é também a goiabeira que meu sogro plantou na beira do Tietê, na época em que o rio era limpo e cheio de curvas. Olha a distância da goiabeira pro rio hoje em dia:

Seu Ângelo me explica que antigamente havia uma ilha nesse trecho do rio, a Ilha dos Amores, que ia desde a Ponte da Vila Maria até o ponto onde hoje fica a Ponte das Bandeiras. Não havia Ponte das Bandeiras, nem avenida Santos Dumont: o bonde vinha pela Avenida Tiradentes, atravessava o rio por uma ponte de madeira e seguia pela Voluntários da Pátria, do outro lado. O trem passava onde hoje é o canteiro central da Avenida Cruzeiro do Sul. Seu Ângelo subia o rio de barco até a ponte da Vila Maria. Aí largava o barco e voltava nadando.
Há anos eu ouço falar da goiabeira, mas só fui apresentado a ela no começo do mês, quando fui pagar o aluguel. Ela fica num terreno que pertence aos donos da casa onde eu moro. É um terrenão. Lá no fundo ficava a oficina mecânica do pai do meu sogro. “Trabalhou feito um condenado”, diz seu Ângelo. Ele consertava os caminhões que carregavam areia para as obras do centro da cidade. A areia vinha toda da Vila Guilherme. A família que hoje é dona da minha casa fez fortuna coletando a areia das lagoas do bairro e vendendo para as empreiteiras. Um bonde especial, fechado nas laterais, trazia a areia até dentro do terreno. Ficavam aqueles montes perto de onde viria a ser a goiabeira. Depois vinham os caminhões e levavam aquela areia toda para o Centro. O Edifício Martinelli foi construído com areia da Vila Guilherme. Não há mais lagoas: foram aterradas, a terra foi loteada, a família que vendia areia entrou para o ramo de imóveis.
Os ladrilhos do terraço do Martinelli também saíram daqui — de uma fábrica que funciona até hoje numa travessa da minha rua. Ao lado fica a casa onde funcionava a escolinha que seu Ângelo freqüentava aos quatro, cinco anos de idade. Aprendeu a ler lá. Há anos ele me conta essas histórias, mas essa foi a primeira vez que ele pôde contar enquanto andava pelo cenário onde elas aconteceram. Eu, que me comovo fácil, fiquei meio sentimental pelo resto do dia.
Seu Ângelo diz que nunca comeu uma fruta da goiabeira que ele plantou. Quando chegar o tempo de goiaba, pretendo roubar algumas pra ele.

8 comments

  1. Cara, como vc conta histórias do passado…
    Histórias de São Paulo, de um jeito nada acadêmico..
    Acho lindo! Ótimo!! rsrsrs
    Ei, fui na platéia do CQC no dia 16.. quase quase fui falar com vc, mas não levo jeito pra tiete… o que eu acho uma limitação pra mim!! rsrsrs
    Valeu

  2. vc é um cara muito bacana. sua sensibilidade pra observar e transcrever é dom que se nasce com, não se adquire simplesmente.
    vida longa broder
    Sergio

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