Um ano agitado

Não posso reclamar de 2008. Tive três empregos, dois endereços, dois estados civis. Foi um ano agitado. Eu e Cartola nos casamos — decidimos de repente, muita gente pensou que ela estivesse grávida. Não estava. Eu ganhava X num emprego que não suportava mais. Pedi demissão, arrumei um emprego para ganhar 1,25X. Esse 0,25X dava para o aluguel, então pedi minha namorada em casamento. “E aí? Vamos casar?” Foi na casa do irmão dela. Ele e a esposa devem ter pensado que eu estava brincando. Não estava. Fomos à casa dos pais dela dar a notícia. Os dois ficaram de boca aberta. “Não estou grávida”, disse minha então namorada. Eles se tranqüilizaram e ficaram muito felizes.
Então veio a parte de procurar apartamento. Ouvíamos falar em gente que ficava um ou dois meses procurando casa. Nós levamos quatro horas. Chegamos aqui sem esperar nada, acabamos nos apaixonando pelo apartamento, pelo prédio, pela rua. Íamos morar na rua das bichas. Tanto melhor: ninguém ia mexer com minha mulher.
Ela quase morreu de ansiedade quando esperava a papelada do aluguel (aluguel é um bom negócio, acreditem). Mas deu tudo certo, e eu me mudei em maio — ela é moça de família, e só viria para cá depois de casada. Na minha primeira noite, dormi em um colchão inflável, emprestado pelo irmão dela. Depois, ele me emprestou uma cama inflável muito chique, que até hoje não devolvi. Aprendi a fazer arroz e macarrão, comecei a lavar roupa e comprar pão. Uma receita de lombo na cerveja, ensinada por uma amiga e nunca usada, virou minha especialidade para ocasiões especiais.
No meio disso tudo, ainda surgiu uma viagem a Orlando — a trabalho, é claro. Dei vexame no aeroporto e vi pela primeira vez os americanos em seu habitat.
Compramos nossa pia lindíssima no Mercado Livre. Compramos por uma merreca uma mesa, quatro cadeiras e um baú de uma peruana que estava voltando para o Peru. Minha mãe nos deu o balcão que usava na floricultura — com uma pequena adaptação, ele virou armário de cozinha com uma prateleira e ganchos para pendurar nossas canequinhas de ágata. A mãe de Daniela nos deu esta mesa que estou usando agora, e vendeu por um preço simbólico o canto alemão. Nossos irmãos e pais nos deram o fogão, a geladeira, o forno de microondas (que será “micro-ondas” a partir de amanhã, vejam que ridículo), o box do banheiro, a máquina de lavar, prateleiras, pratos, copos, talheres, um monte de coisa. Um mês depois da minha mudança, nos casamos.
O casamento não teve nada de mais, e foi muito legal por isso mesmo. Nos casamos num cartório aqui perto, depois a família e os amigos mais próximos vieram almoçar crepes no salão de festas. O salão fica na cobertura do prédio, e a vista vai ficando mais bonita conforme anoitece. Minha marida comprou noivinhos bem adequados para o bolo: o noivo puxa a noiva de dentro da tela do computador. Foi assim que eu a conheci. Bom, mais ou menos.
Não tivemos lua-de-mel: eu estava de volta ao trabalho na terça-feira seguinte. O emprego novo pagava mais, mas era um porre. Eu não conseguia disfarçar meu descontentamento; nunca consigo. Fiz entrevistas em algumas empresas. Em uma delas, disse que aceitaria ganhar menos. O chefe de redação não me contratou porque me achou qualificado demais. Fiquei mais contrariado ainda. O clima da redação, com todo mundo reclamando de tudo o tempo todo, só piorava meu estado. Eu discutia com a chefe em todas as reuniões. Discordava dela em tudo. Menos de um mês depois do casamento, perdi o emprego.
O mês de julho foi o mais difícil. Passei o mês todo fazendo uns bicos. Graças a um colega jornalista de bom coração, consegui um trabalho para ganhar mil reais em três dias. Depois consegui outros dois, cada um pagando 350 reais. Em dez dias, eu tinha 1.700 reais. Achei que daria para viver assim, até descobrir que: a) os prazos para pagamento são muito elásticos e b) não é todo dia que aparecem trabalhos assim.
Então, logo no começo de agosto, recebi duas propostas de emprego. Primeiro, me chamaram para cobrir férias em uma assessoria de imprensa. Um dia antes de começar, me ligaram de uma editora onde eu havia feito uma entrevista quase um mês antes. Eu nem pensava mais naquela vaga. Quando me chamaram para a entrevista, fiquei empolgado. Era uma editora muito diferente das duas anteriores. A redação era independente. O chefe valorizava o texto acima de tudo, e tinha lá suas técnicas de redação. Eu não acreditava muito em técnicas, mas estava curioso. Depois de um mês, no entanto, eu nem lembrava mais. Mas me ligaram, marcaram uma entrevista com o dono da editora. Acertei os detalhes com ele, comecei uns dias depois.
O começo foi bem difícil. A empresa anterior me deixara desconfiado, então eu não conseguia me empolgar com o emprego novo. Além disso, havia as tais técnicas de redação. Eu não acreditava que aquilo fosse funcionar. Eu escrevia, escrevia, e achava um texto pior do que o outro. Entrei em crise. Minhas primeiras matérias grandes ficaram ruins, o chefe queria me bater. E tinha outro problema: eu voltara a ganhar X; não contava mais com o 0,25X extra que me garantiam o aluguel. Um mês de desemprego desequilibrou minhas contas. Fiquei dois meses sem pagar a faculdade nem o cartão de crédito, e sempre estourando o limite do cheque especial. Achava que resolveria isso no fim do ano: terminaria de pagar o carro em novembro, venderia o carro, usaria o dinheiro para pagar as dívidas e comprar um carro velho. Veio novembro, veio a crise, ninguém queria comprar meu carro. Quem queria, oferecia preços ofensivos.
Hoje, último dia do ano, eu penso em tudo isso e acho que tudo acabou dando certo. Eu sempre penso no que faria se ganhasse na Mega Sena; acho que todo mundo pensa nisso. Antes, eu pensava em comprar uma casa, uma chácara, carros, comprar casas e carros para a família, aplicar o dinheiro, viajar, largar o emprego. Continuo com as mesmas fantasias, mas com uma exceção: se eu ganhasse na Mega Sena hoje, acho que continuaria no emprego. Trabalho com pessoas legais, aprendo muito e, pela primeira vez na vida, vejo sentido no meu trabalho. Continuo ganhando X, mas é só questão de tempo. Mesmo em crise, conseguimos comprar o sofá mais legal do mundo. Não consegui vender o carro (ainda, OPORTUNIDADE ÚNICA), mas consegui um empréstimo a juros baixos — cunhados estão aí para isso.
2008 foi o ano em que aprendi a ajudar quando posso e, o mais difícil, a aceitar ajuda quando preciso. Foi o ano em que aprendi a aprender.
E foi o ano em que me tornei devoto de São CPAP.
Hoje vamos à casa de Daniela e Daerson para ver o ano novo começar. Foi um ano agitado para eles também, mas nada que se compare a 2007. Outros amigos vão também, outros casais que passaram por grandes mudanças em 2008. Vou fazer o já famoso lombo na cerveja. Em 2009 eu dou a receita. Por enquanto, feliz ano novo a todos vocês, e obrigado pela paciência.

29 comments

  1. já para mim 2008 não foi muito bom. e talvez tenha sido pior ainda pq entrei nele com 457 expectativas e de todas elas apenas duas se concretizaram. uma pena. aí lembrei de 2006, que até hoje foi o melhor ano da minha vida, e me dei conta de que foi o ano que conheci o JMC através de um amigo, olha que coisa!!!! entrei 2009 sem muitas emoções… quem sabe assim fica melhor, não é?? feliz ano novo para vc e para a ana cartola!

  2. Realmente casar não é brincadeira, arcar com todas as despesas do lar, os solteiros que me desculpem mas guardar dinheiro morando com os pais é piada de mal gosto!
    Emfim, seu blog é ótimo e que 2009 seja afude!

  3. 2008 pra mim foi um ano meio turbulento. Depois de 6 anos, saí de uma empresa e estou voltando pra outra onde trabalhei 6 anos antes de entrar nessa última! hehehhe
    20% a mais de salário, 10% a menos de carga horária.
    Dívidas sempre temos, mas acho que até o meio do ano resolvo minha vida.
    Acho que 2009 será um ano bom pra mim. Novos ares, nova vida e mais tempo livre.
    Mas chega de problemas… o ano mal começou e já estou aqui reclamando da vida e chorando pitangas.
    Marco, um feliz 2009 pra você e esposa. Que esse ano seja um ano com saldo positivo e que ambos ganhemos na mega sena.

  4. Pô, quem diria q o lombo na cerveja viraria uma cybercelebrity… Amazing!
    Que vc e sua marida tenham um ano novo muito feliz, cheio de coisas e pessoas especiais como você.

  5. Bicho, D´us ajuda quem casa de coração. Sério, experiência própria. Não ache que seus cunhados são deus, por favor. Isso seria idolatria e de extremo mau gosto. 🙂
    Feliz ano novo!

  6. Oi Marco,
    Faz um bom tempo que acompanho seu site e este foi o post mais legal que eu lí, pois, fala das suas conquistas e isso é muito bom.
    É bom ver as pessoas a quem admiramos felizes !!
    Sucesso no novo ano =)

  7. Um ano novo porreta pra vc e marida. E problemas, todos nós temos. Por isso te desejo muita força, paciência e amor para que juntos, vcs consigam superar todos os obstáculos e malas que, com certeza, continuarão aparecendo por aqui… rsrsrsrs.
    Tudo de bom!

  8. A primeira vez que li seu blog, a sátira à Bíblia, já faz alguns anos. Na época você não tinha uma marida, pelo contrário, queixava-se da sua solidão, e eu pensava comigo: “como um cara tão divertido e espirituoso desses tá sozinho?”. Isso deve ter sido lá por 2004/2005, sei lá. Fui frequentadora assídua e depois desencanei, parei de ler. Em 2008, por acaso, reencontrei seu link e voltei a ficar fã, porque você é irresistível. Cara, você não imagina a minha alegria quando li que você ia casar! Soltei um “Nossa, o Marco Aurélio vai casar!” eufórico. Me perguntaram: “Quem?”. Deixa pra lá, até eu explicar que nunca te vi na vida, não somos amigos e não tenho nada a ver com você ia demorar algum tempo e ainda seria tachada de louca. Mas essa história toda é só para dizer que este post me deu vontade de te escrever porque é humano, real, bonito, não uma piada, um sarcasmo, mas um momento em que você compartilhou sua vida com a gente, com tudo de bom e ruim que aconteceu. Coisas boas e ruins acontecem às pessoas boas e ruins, o que as diferem é que as boas olham para trás com orgulho, as ruins, com ressentimento. Ótimo 2009 para você e sua marida. Que vocês continuem olhando para trás com orgulho e para frente com esperança.
    beijo grande

  9. Marco,
    adorei seu post sobre o alugar o ape, genial. Moro fora do Brasil,e moro de aluguel!!! Claaaro, queia comprar um ape aqui (Holanda), meu marido quase me bateu (exagero).
    Aluguel é e sempre será um belo negócio.
    Adoro seu blg e seu estilo, me lembra muito o estilo de escrever do meu irmão, que por acaso se chama Marcos.
    Feliz Ano Novo pra você e pra Ana Cartola.
    Ana Lú

  10. Po! 2008 foi um ano foda pra caramba para você. E eu acho que pra todo mundo. Eu terminei o ensino médio da escola mais foda do mundo, arrumei uma namorada perfeita, agora tou prestando vestibular. O que mais me deixou feliz foi ver que agora, na virada do ano, eu tinha muito pouca coisa que queria mudar, muito contrário de todas viradas de ano. Tudo que eu planejei na virada de 2008 se cumpriu. Agora eu preciso me aperfeiçoar apenas.
    Sucesso em 2009!

  11. Como eu tenho dito, 2008 nasceu para ser ruim. Não sei se somos esticados ao extremo como elásticos nas mãos de Deus, mas quando questiono a Ele a razão de tudo isso o que obtenho não é uma resposta, mas outra pergunta:
    Ainda vai me obedecer se eu não te responder?

  12. Tenho mania de fuçar blogs e sou assíduo a uma meia dúzia de 7 ou 8 deles. Pra falar a verdade eu nem sei como vim parar no seu. Aquela coisa de clicar no link qu ete leva a mais 10 links e aqui estou eu. Grata surpresa. Entrou para meus favoritos, pelo seu estilo e pelo seu conteúdo. Incrível como, com apenas este post lido, você fez com queme sentisse íntimo. Talvez porque tudo o que você passou em relação ao seu casamento, eu esteja também vivendo. Que 2009 seja realmente um grande ano pra você. Abraços e sucesso!

  13. Corélio, fazia um tempão que não comentava aqui (well, nem visitava, na verdade – shame on me …), mas antes tarde do que mais tarde:
    Você está soando diferente neste post. Sei lá, mais tranqüilo (trema forever), sereno. Casamento faz bem, meu caro.
    Feliz 2009 pra vocês.

  14. Cara, vc já ouviu muito isso, mas, eu queria reafirmar: vc é um talento incrível. Venho sempre aqui me inspirar no seu “ritmo” para “alimentar” os meus famigerados leitores. Enfim, lendo sua peleja de 2008, fiquei pensando naquela merda que dizem que os grandes gênios têm reconhecimento tardio… Vc já ganhou centenas (se não milhares) de fãs… isso é um forte indício de um grande sucesso, não, é? Mas espero, sinceramente, que chegue logo sua “megassena” (agora é assim, né?)! Um grande abraço

  15. Cara,
    Nunca tinha vindo ao blog; cheguei e já me deparei com esse belíssimo texto seu. Acho que tem muito a ver com o que eu passo hoje, espero que valha a pena no final.
    Gostei muito do jeito que escreve, inspira simpatia!
    Grande abraço!
    Acompanharei!

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