Reporterzinho de merda

Nesses três anos de profissão, nada me assusta mais do que cobrir eventos. Enquanto estou na redação, estou bem. A redação é um ambiente amigável, com gente que eu conheço e onde eu faço o que gosto de verdade: escrever. Só que ser repórter não é só escrever: é apurar, entrevistar, investigar, sondar, blablablá. Quando saio para cobrir eventos — ainda mais eventos importantes, que duram vários dias e tal — me sinto o último dos manés. Olho para os colegas e todos eles têm suas fontes, informações exclusivas, histórias para contar. Quanto a mim, ando pelo evento, assisto a painéis e palestras, visito a exposição, e não consigo ver nada de interessante. Os mesmos palestrantes repetem os mesmos assuntos para as mesmas pessoas. Nos painéis de debates, cada participante concorda alegremente com o que os outros falam. Nos estandes, duas, três, oito empresas demonstram produtos idênticos, apresentando-os como exclusividades magníficas. Eu não entendo.
E aí está o grande problema: não tenho o desembaraço necessário para abordar pessoas, apresentar-me, puxar assunto. Sou reservado com gente que não conheço, o que não é aconselhável para quem se propõe a ser um repórter. Então observo, escuto conversas, presto a maior atenção e, se achar que vale a pena, me obrigo a chegar perto e dizer, “Oi, sou repórter, queria conversar com você sobre esse negócio aí.” Só que eu raramente acho que vale a pena.
Minha impressão é que não tem nada de novo acontecendo, que “inovação” é só uma palavra que já está saindo de moda, que certo mesmo estava o autor do Eclesiastes. Mas não é possível. Estou numa sala de imprensa cheia de jornalistas, ao lado há outra sala cheia de assessores de imprensa. Essa gente toda não ia convergir para um mesmo lugar se não houvesse nada de novo acontecendo.
Ia?

27 comments

  1. Depende oque você considera oque e novo, muitas empresas normalmente ”criam” coisas novas, fazendo todo um circo, gastando toda uma publicidade, juntando hordas maiores que de Genghis Khan para anunciar sua grande inovação, que normalmente e so um detalhe tosco, mas ja serve pra se aumentas o preço do produto….. E é assim mesmo, como dizem, a propaganda e a alma do negocio, mesmo que não haja negocio!

  2. Só me faça um favor, não invente uma notícia! Senão além de medíocre vai passar a ser mentiroso. Não tem nada mais chato do que ler uma notícia (velha) toda maqueada…

  3. O bom é quando a galera transcreve os releases da Assessoria sem modificar nada. No outro dia, todos os jornais da cidade com o mesmo texto.
    Por isso que eu desisti de ser jornalista e me tornei policial.

  4. midentifico na questão da reserva. mas não sei que fogo na bacurinha que me dá que qnd eu encarno o papel de repórter, viro o amaury júnior. e numa dessas crises de simpatia exarcerbada do meu alter-ego, já fui convidada até pra churrasco de comemoração de bodas de prata.
    O.o

  5. Não só ia, como vai…
    Eu também tenho sempre a nítida sensação de que não há nada de novo.
    Pense bem: mais um motivo para vc. tornar o prazer de escrever em profissão.
    Tá perdendo tempo.

  6. Eii!!
    Tem um selo para vc no meu blog… passa lá para dar uma olhada…
    Vou indicar seu blog a uma amiga minha hehehe… Futura reporter, jornalista e tudo mais… rs
    Sucesso aqui… gosto muito de ler
    Abraço

  7. Não sou chegado seu muito menos te conheço, mas isso tá me cheirando a uma vontade de ouvir elogios danada!
    Faz assim: eu me proponho a te ajudar na busca de uma produtora para filmar a Bíblia Sacaneada no formato de seriado, sendo cada livro uma temporada. Me proponho a fazer uns papéis (como a rotatividade de personagens é grande, eu posso desempenhar vários) e você faz a parte de direção… enfim, pode ser algo único na TV brasileira!
    De qualquer forma você tem bons textos e um bom vocabulário… dá pra um bom repórter! =D

  8. Só lembrando que acho muito legal o site, a idéia da BS (bíblia sacaneada) e os textos paralelos… mas como frequento aqui faz pouco tempo, não havia comentado =D

  9. Por isso que o melhor é sair da redação com uma pauta na cabeça e chegar lá pra entrevistar algum figurão pra tua matéria. Também não curto ficar puxando papo, é a maior furada de todos os tempos e o cara vai ficar tentando te “vender” o produto, serviço ou a própria empresa dele…

  10. Mano, essa sua cabeça tá fritando a cada dia. Enfim, não está errado não. É bem isso mesmo. Mas evento foi feito para melhorar e ampliar relacionamento, não para lançar produto. Preste atenção. O que mais interessa está nas conversas entre executivos nos estandes (de preferência nas salinhas reservadas para reuniões). Tem jornalista que tenta gerar polêmica sobre um ou outro tema, mas geralmente esse tipo de fonte é especialista em soltar frases de efeito para deixar essas figuras da redação cheias de empolgação. No final, são só frases de efeito. Os painéis não apresentam nada de novo porque os participantes se encontram antes para definir o que cada um fala, qual a seqüência e assim por diante, portanto, um cirquinho armado. O resto? É balela e papo furado mesmo.

  11. O porta-voz daquela empresa lá que te falei (por msn, antes, lembra??) era bem bacana e falava sobre web 2.0 do ponto de vista das empresas – acho que evento é isso, procurar uns assuntos interessantes p/ cobrir, e com ele o lance era fazer uma dessas reuniões em uma salinha reservada, como o Edu falou) Rsrsrs. Mas o problema é que o conceito de “novidade” = notícia anda um pouco desgastado. De fato.

  12. Bom, uma coisa você já tem de bom: distanciamento crítico. Seria ótimo se todos os jornalistas tivessem um pouco disso. A maioria dos jornalistas tem suas manhas, suas fontes, seus cacoetes, seu jargão. No fundo, fazem tudo a mesma coisa, e se deixam levar por interesses que não o interesse público. Em outras palavras, são basicamente uns baba-ovo.
    Tem uma história que eu vi numa palestra ontem, de um editor do Estadão que reclamava que jornalista em começo de carreira (os focas) tinham que pensar para ver uma pauta. Não tinham “reflexo de pauta”. Como se o jornalista devesse ser um autômato, sem pensar nem refletir, pegando as pautas no ar.
    Aliás, muito interessante essa palestra, se quiser te passo o link com ela.

  13. Basicamente, esses eventos geram “notícia” fácil. Vai na coletiva, anota a mensagem da empresa e escreve. Pega um tema, passa em três estandes e transcreve o que ouviu. Esse tipo de comportamento responde por 80% do que é publicado, do menos pior ao terrível.
    Há, claro, alguns jornalistas que entram no estande da Telefônica, chamam o Valente de canto e sabem de coisas que deixariam até o Hélio Costa enrubescido. Esses não publicam. Motivos vários.
    Bom, garimpe. Mas perder a vergonha ajuda sim.

  14. Seguinte, ó chará
    Faz do mundo tua redação e pára com essa frescura. O maior reporter que conheço é gago de virar celebridade no youtube: o Carlos Wagner e tem 7 ou 8 Prêmio Esso na prateleira de casa. Não tem essa de reporter tímido ou introvertido. Ou é, ou não é. Vc acha que o produto ou serviço que o louco tá empurrando é igual ao do concorrente? Diz isso pra ele e pede pra ele provar o contrário. Não tem que puxar assunto. Tem é que encurralar. Tenha certeza que eles ficam bem mais assustados do que vc, ao serem expostos. A (falsa)segurança deles não vai além do terninho de grife pagao a prestação. Reporter não foi feito pra rabiscar relise. Tem que meter o dedo na ferida.
    Abs, sorte e senta a pua
    Marco Poli

  15. É tudo culpa da entidade chamada GerentE dE MarkEting (com sotaque de Curitiba, pra ficar mais legal). O Gerente de Marketing é aquele cara que é pago pra deixar a empresa bem na fita. Mas ao invés de se preocupar primeiro com o SER, ele se preocupa com o PARECER.
    Ou seja, as empresas prestam um servicinho de merda, mas posam de “inovadoras”. A gente às vezes até as conhece como clientes e sabe que tudo aquilo é balela. Bradesco, Net, Tim, Vivo, Casas Bahia, Visa. Mas todo mundo compra.
    E pra fazer a empresa ficar bem na fita, o Gerente de Marketing paga um media training. Que é tipo uma aula de adestramento para executivos. Ai ninguém mais consegue ser autêntico. Você até consegue meia dúzia de caras que dão um caldo. Mas ai o Gerente de Marketing pega eles pelo braço, faz uma lavagem cerebral e um belo dia você liga pro cara e ele ta falando que nem robô. Pronto, mais uma fonte se foi.
    Falar com jogador de futebol é mais empolgante do que falar com executivo, ultimamente.

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