Requiém para uma leitora insuspeitada

Eu sou um tiozão. Tenho plena consciência disso. Nunca sei do que esse pessoal da tal blogosfera está falando. Um exemplo: fiquei sabendo graças a esse post do Ruy Goiaba que o que eu pensava ser uma piada interna entre meia dúzia de amigos é na verdade um fenômeno de grandes proporções e ramificações várias.
Esse intróito todo é para vocês terem uma idéia do choque que minha própria ignorância me causou quando a Fer escreveu sobre a morte de uma tal de Tina. Quem seria Tina? Pelo visto uma briguenta qualquer de internet, essa gente que entra em blogs para arrumar encrenca com seus autores. Mas então fui lendo mais sobre ela e descobri que era uma senhora de 56 anos, moradora dos EUA, que há tempos sofria sérios problemas de saúde. O nome completo, Tina Oiticica Harris, me soou familiar. Resolvi caçar nos comentários do JMC. Dessa vez a minha ignorância me proporcionou um nó na garganta.
Vejam, por exemplo, o primeiro comentário da Tina neste blog, feito em 16 de julho de 2006 no post Elias, a seca e a viúva:

Profano, desacarado, hilário, bem escrito, tomara que você volte logo para que dê mais diversão aos fariseus. Afinal, é dando que se recebe.

Nada de encrenca, de provocação, nada. Só uma nova leitora manifestando seu gosto por minha prosa capenga.
No dia 4 de agosto veio outro comentário de um post bíblico:

Como me privei durante tanto tempo da tua prosa inteligente, bem escrita e tão hilária. Aliás, hoje é feriiado judeu, destruição do (s) templo(s). Jejum até o anoitecer.

E assim se seguiram os comentários de Tina, sempre elogiosos, beirando o constrangedor (para mim). No meu post de ano novo 2006/2007, lá estava ela, carinhosa como sempre:

Melhores votos de um grande 2007 com realizações de teus sonhos. Sempre fico esperando pelo feed da minha re-educação judeo-cristã, um dos pontos mais altos das minhas leituras deu pra ver que são chãs, quase todas?
Espero que o livro venda de montes e o resto é ficar na torcida … do Botafogo.

Outros comentários vieram até junho de 2007, quando, salvo bug no sistema de busca desta joça, ela desistiu de interagir por aqui.
Recebo todos os dias uma enormidade de contatos de leitores, nos comentários ou por e-mail. As participações de Tina, esparsas no decorrer de pouco menos de um ano, se perderam nessa massa, destacando-se apenas por seu caráter positivo. Agora, lendo um pouco mais sobre ela, começo a pintar a imagem de uma mulher que sofria e encontrava na web um meio de manter o viço. Talvez eu devesse ter trocado algumas mensagens com ela, nem que fosse para agradecer por elogios tão rasgados. Em março de 2007 ela me mandou um e-mail avisando de um erro no feed do blog. Desperdicei a oportunidade de responder. Talvez nos engajássemos numa briga qualquer e hoje eu tivesse alguma história para contar ao marido de Tina. Não o fiz, e só o que tenho é essa sensação de besta e sem sentido de perda.
Mas prefiro pensar que fui de alguma utilidade para essa mulher. Parece que Tina se alegrava lendo blogs, e em seus comentários ela deixou bem claro que gostava de minhas bobagens, que ria de minha caricatura das sagradas escrituras. Então penso nessa senhora fragilizada pela doença e imagino-a lendo esses textos com um meio sorriso no rosto, fugindo da realidade por alguns minutos para transportar-se aos tempos de Elias. Ela devia se identificar com aquele profeta rabugento, boca dura, encrenqueiro e provocador. Elias subiu aos céus em um redemoinho. Tina foi mais discreta.

15 comments

  1. pois é. até eu sei da história dessa senhora, veja só. no fim a web acaba sendo pra mim uma belo horizonte on line, ou seja, um ovo. isso é que é rede.
    sobre o post abaixo, da mariana ferrão. agora, toda vez que vejo a moça – que agora está na globo -, não consigo prestar atenção em absolutamente nada do que ela diz. só fico olhando os olhos e me irritando.
    beijos

  2. Pois é, o poder dos blogs…
    Alguém como você que escreve e gera conteúdo novo, inédito (coisa que eu tentava fazer), tem a capacidade de realmente mudar nosso estado mental, despertar riso, alegria, raiva. Fazer pensar, concordar ou discordar. E de bônus, ainda dá um espacinho pra gente participar também.
    Pena que a maior parte dos blogs só redirecione conteúdos externos, manjados, e a única coisa que agregue seja um link de Adsense…
    Sei lá, acho que esse caso fez muito blogueiro repensar sua importância, sua responsabilidade. Espero que estejamos estimulando novos criadores de conteúdo.
    []’s

  3. Ô fi, mas que má lhe pergunte esse ignorante afastado do que acontece no mundo: Dona Tina morreu di quê??
    E a quela blogueira australiana de 108 anos? Gente… Deve ser cada história…. visshhhh….

  4. e marcão, você influencia o pensamento de muitos individuos, um artista do tempo contenporaneo, o blog hoje tem a importancia que o quadro tinha na epoca de Van Gogh, e o JMC e a sua pintura, que mais de mil pessoas(comu no orkut) apreciam no seu dia a dia, eu tenho menos de 1 terço da sua idade, e se tem algo que eu vou levar pro resto da minha vida e o Marco Aurelismo no jeito de encarar a vida, algo que se tiver a chance irei repassar aos meus filhos.
    Continue a pintar sua filosofia, pois nos continuaremos a aprecia-la

  5. Tu fala assim porque não conheceu a Tina raivosa, que ameaçou um cara de deportação e me desejou fracasso em meu PhD nos EUA. Mulher ignorante, no sentido de faltar com educação quando discutia com pessoas que não concordavam com ela. Tu nunca teve nenhum problema com a Tina pois fez com ela o que eu deveria ter feito desde o início: ignorou-a.
    E não, eu não fiz nada para ela agir assim comigo. Pelo menos, nada que fosse digno de tamanho ódio.
    @Ricardo Menicatti
    Se não estou enganado, ela morreu em decorrência da hidrocefalia, doença da qual sofria há tempos.

  6. Bem isso que o marcus falou. No meu post sobre a morte da mulher, vários blogueiros de todos os extremos do espectro (os desconhecidos cujos blogs são lidos apenas pelos amigos, e os Cardosos/Nick Ellis/Inagakis) comentaram falando que tiveram exatamente a mesma experiência que eu e o marcus – a mulher chegava elogiando, e no dia seguinte inventava uma discussão IMENSA com você por causa de duas palavras isoladas em um texto qualquer que você escreveu 5 anos atrás.
    Aliás, até o Pedro Nunes se envolveu com a mulé. Se tu quer ter uma opinião mais abrangente dela (ou acha que eu estou exagerando), pergunta pra ele.

  7. Meus pêsames para uma pessoa que era no mínimo original. Ou seja, ela mesma.
    Marcaurélio, continua assim fi. Senta o dedo. Falando bem ou falando mal, de gente que fala bem ou fala mal.
    Afinal de contas, o mundo é isso.
    P.S.: Tu vazou do Sanfra?

  8. Fiquei triste, ela era grande inspiração para minhas tirinhas e morreu justo no dia que eu iria começar a dar andamento no site, quack! Mas a blogosfera vai sentir falta das brigas dela, com certeza!

  9. Ai, que esse post me deixou com lágrimas nos olhos… Eu não conhecia a famosa Tina, nem mesmo estava sabendo da sua morte (ando totalmente por fora do que rola na blogsfera) mas quando vc disse imaginar que ela encontrava alento para o sofrimento na web, me lembrei de meu pai. E é exatamente isso que acontece. Meu pai adorava seu blog e se divertia horrores com ele e outros tb. Hj fazem 3 meses que ele faleceu e fiquei imaginando o quanto as bobagens escritas aqui e em outros blogs o ajudou a esquecer a dor e o sofrimento causados pela doença.

  10. A Tina era polêmica,sim.Era do tipo que não levava desaforo pra casa,como se dizia antigamente,e,provocada,chutava o pau da barraca legal.Mas,como dizia minha finada mãe,desengano da vista é furar os dois olhos;se lhe interessar,procure que achará a razão toda do ódio,e do amor também,que ela inspirava.

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