Gringos

Resolvida minha situação, eu tinha cinco horas para gastar no aeroporto internacional de Miami, o famoso MIA. Comprei uma coca-cola (gosto diferente, dizem que a coca-cola brasileira tem canela), tomei um café (um dedinho de espresso da Starbucks, uma merda) e fiquei zanzando com minha mala nas costas.
Enquanto andava, ia reparando nos americanos. Nunca tinha visto tantos deles juntos, e me sentia como um nativo da Judéia dos tempos de Cristo visitando Roma pela primeira vez. Os romanos de hoje em dia são adeptos dos extremos: os magros são esqueléticos, os gordos são imensos; os brancos são lagartixas, os pretos são azuis; os bonitos são belíssimos, os feios são disformes. Quem usa chapéu escolhe os modelos mais estapafúrdios, quem tem bigode o tem imenso, quem tem mullets cultiva essa hediondez até o meio das costas. As mulheres se vestem ou como freiras, com saias que arrastam no chão, ou como putas, com shortinhos e microssaias que revelam nacos de bunda. Nesse caso, a escolha entre os dois extremos nada tem a ver com a aparência: vi belas moças vestidas de forma comportada e barangas metidas a sexy. Uma mulher cujas coxas tinham a circunferência da minha cintura, com textura de estrada de terra depois da chuva, exibia suas carnes sem pudor, cruzando e descruzando as pernas. Acho que a auto-estima das americanas é inabalável.
Essa moça do pernil estava próxima ao portão de onde sairia meu vôo. Sairia. Uma grega de cabelos de mola chamada Kalypso me disse que minha passagem estava duplicada, que o assento marcado já estava ocupado. Eu não tinha nada com isso, mas não adiantou dizer. A mulher foi grossa, como se eu fosse responsável pela cagada, e não o sistema da empresa dela. Ao que tudo indica, esse negócio de relacionamento com o cliente ainda não chegou às terras civilizadas.
A boa notícia é que a grega me mandou de volta ao portão onde atendiam minhas amigas Raquel e Johan-MIA. Raquel não estava, mas Johan abriu um sorriso quando me viu.
— Oh, you are back!
Expliquei o causo todo, ela ficou brava. Eu disse que até teria reclamado, mas a mulher que me atendera parecia o Jabba The Hut. Ela teve um frouxo de riso, enquanto o colega se segurava para parecer sério. O quê, aliás, merece um breve parêntese.

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Excentricidades à parte, os americanos parecem manter o tempo todo um grande esforço para não saírem de seu papel de superiores e sérios. Depois de ir à gringolândia, comecei a pensar que se trata de um teatro para estrangeiros e que, quando estão sozinhos, eles são pessoas normais. Essa impressão foi reforçada enquanto eu aliviava a bexiga em um banheiro do aeroporto. Um negão entrou e foi para o mictório do outro lado. Em seguida, ouvi a voz dele dizendo “Where is my damn penis?!”.

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Mas eu estava lá esperando que a situação se resolvesse. Parecia mais complicado do que eu esperava, porque Johan pediu que eu me sentasse; ela chamaria assim que encontrasse um lugar no vôo. Cinco minutos depois, o outro atendente me chamou.
— Tudo certo. O senhor embarca no próximo vôo, às 13h25min.
— Se eu não estivesse noivo, pedia vocês dois em casamento.
Dessa vez o colega de Johan juntou-se a ela no riso. Menos mal.

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Menos de uma hora depois eu desembarcava em Orlando. Após meia hora na fila, consegui pegar um táxi. Descobri que o hotel ficava longe ao ver o preço cobrado: 58 dólares. O motorista dirigiu no mais absoluto silêncio até metade do caminho. Então virou-se para trás para perguntar de onde eu era.
— Brasil? Lulá? President Lulá?
Era haitiano e parecia felicíssimo por transportar um brasileiro. Falamos de futebol, do vexame do Ronaldo, do jogo da seleção brasileira no Haiti.
No caminho, fui reparando nas diferenças. O mais estranho para mim eram as árvores. Nenhuma delas era familiar; até as palmeiras tinham aparência alienígena. Os passarinhos também eram esquisitos e cantavam em dialetos desconhecidos. Os carros eram imensos e luxuosos: Montecarlos com rodas de capistrânio, Zungaris com teto lunar, Panderos com motor de 25 válvulas, Javoteres com pintura eletrostática.
Tá, é tudo inventado.
Entendo nada de carro.
Mas acreditem, eram uns monstros. Quando eu via algum carro conhecido, um Corolla ou Civic, ficava com dó da pobreza do motorista. Voltei ontem e até agora estou achando que meu Corsa é um brinquedo.

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Foram dias de estranhamento, de café horrível, comida gordurosa e pessoas excêntricas. De tanto se esforçarem para ser diferentes, os americanos acabam conseguindo parecer apenas uma coisa: americanos.
Falei dos extremos lá no começo. Pois bem: nesses quatro dias, me deparei com grosserias em diversos níveis. Mas também encontrei pessoas muito simpáticas e prestativas (sem contar as garçonetes, essas só querem mesmo a gorjeta). Johan-MIA foi um exemplo. Na madrugada de quarta para quinta-feira, o oficial de alfândega no aeroporto de Orlando foi outra surpresa agradável. Para começar, falava um português impecável. Olhou meu passaporte, olhou para minha cara, para o passaporte de novo.
— É uma pena…
Gelei.
— Não vamos nos ver na próxima semana.
— …
— Então… Feliz aniversário.
— P-puxa. Obrigado. Muito obrigado.
— Fica com Deus.
Somando-se tudo, minha impressão final dos gringos pode se resumir na imagem da gentileza desse homem.

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Chegando em casa, meu pai me fez uma pergunta típica dele:
— E os americanos? São mesmo tudo aquilo que falam?
Pois são. Para o melhor e para o pior, eles são.

8 comments

  1. Taí, é meio que o inverso dos argentinos não? Um argentino sozinho é (até) normal, já em grupo…
    Mas, assim, tem um episódio de Top Gear que -para mim- escancara o que são os EUA, sempre que bate uma vontade de voltar para lá (ah, snowboard…), eu faço questão de assistir.
    Certeza que você vai achá-lo interessante: é o terceiro episódio da nona temporada, exibido no dia 11 de fevereiro de 2007. Esse só se acha nos torrent da vida, não passa em nenhum canal do Brasil, nem tem box para vender (que eu saiba).

  2. Os americanos? Olha, esbarrei com gente muito boa, outros nem tanto, outros brasileiros morando lá que eram mil vezes mais calhordas do que qualquer americano que conheci. Meu primeiro calote na vida foi de uma brasileira que morava lá, imagine a minha decepção…
    Tive experiências boas andando de ônibus por lá, senhoras que puxavam papo, davam parabéns, desejavam bom dia na rua, essas coisas. São muito educados e simpáticos — ao menos comigo foram.
    Pior foi que eu voltei acostumada a poder andar pela rua tranqüilamente, até umas 22h30, sem medo. Voltei acostumada a andar por calçadas planas, bem cuidadas. Acostumei a confiar que o ônibus chegaria ao ponto no horário. Foi difícil encarar a realidade daqui, porque fiquei dois anos fora.
    (Sobre seu Corsa parecer um brinquedo, pois é… Vá tentar explicar isso para um brasileiro que nunca cruzou o Equador… Corolla e Civic são super comuns e baratos, também, para o padrão deles)

  3. O cara quando nasce troxa. Ele morre troxa. E vc segue esta linha corretamente. Sua lata de lixo, como vc pode ir fazer idiotices na gringa? Não adianta as feitas aqui? ahuahua….abraço e ti desejo um bem GRANDE.

  4. Lembrei do Verissimo, citando Tom Jobim, que dizia, a respeito da infinidade de grocery stores e delicatessen, que é a terra das delicadezas e grosserias.

  5. De todos os povos que conheci este sim era o mais simpatico. Entretanto, existe aí uma diferença importante: os red necks são tão aculturados e autofocados, que não encontram assunto para conversar. Entretanto, dentre aqueles que possuem mais educação e são culturamente globalizados, vc encontra amigos para o resto da vida.

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