Quebrante

Atrasado para o trabalho, trânsito recorde em São Paulo, sem café-da-manhã. Eu já estava fodido mesmo, e resolvi que seria melhor para meu humor parar em um lugar qualquer e comer minha refeição matinal predileta: misto quente e suco de laranja. Parei num boteco perdido na Mooca, numa paralela da Radial Leste, e quase dei meia-volta. O lugar era escuro e sujo, as donas eram meio assustadoras. Mas eu tinha fome, então fiz meu pedido. Má notícia: a chapa estava quebrada. Pedi uma coxinha feita na Copa de 2002 e um guaraná.
Enquanto comia (e pensava no estrago que aquela gororoba faria em minhas vísceras), observava uma das donas do boteco, que segurava um bebê no colo. O moleque tinha pedido maçã, lambido a fruta e não queria mais, então a mãe botou a maçã de volta na prateleira de frutas. Que beleza.
— Pediu tanto e agora não vai comer.
— Esse menino tá com quebrante — disse a que havia me servido.
— Eu também acho. Mas não tem nenhuma benzedeira por aqui.
— Ele está com esse olho triste, sei não. Melhor colocar uma fitinha vermelha no braço.
Olhei para a rua de paralelepípedos e fiquei esperando uma carruagem passar lá fora. Um Corolla me trouxe de volta à realidade: eu estava no século XXI, elas duas estavam erradas.
Meu primeiro pensamento foi de revolta. Aquele bebê (um ano de idade, no máximo) tinha algum problema, e elas queriam resolvê-lo com uma fita vermelha, já que não havia benzedeira disponível. Minha vontade era seqüestrar o moleque e levá-lo a um pediatra.
E então pensei melhor. Lembrei de uma ocasião na minha infância, uma crise de bronquite, uma cruz de metal gelado contra as costas, uma velha que murmurava rezas. Eu estava assustado, mas também aliviado. Em comparação com as injeções a que eu estava habituado, aquilo era um tratamento bastante agradável. Depois dos oito anos de idade, a bronquite sumiu.
Os pais e mães de hoje em dia são uns paranóicos, essa é que é a verdade. Uma tosse, um espirro, uma febrezinha, qualquer coisa é motivo para corridas ao médico. E tome-lhe antibiótico, antitérmico, analgésico, o capeta. Essa nova geração é um imenso laboratório de superbactérias e dores incuráveis: o uso indiscriminado de remédios causa microorganismos mais resistentes, que exigem medicamentos mais poderosos, e assim vai o ciclo.
O que é, então, mais perigoso: a ignorância inofensiva ou a informação paranóica? Eu sei lá. Só sei que amanhã levo uma fitinha vermelha pro moleque.

30 comments

  1. Tudo é questão de euilíbrio, discernimento. Claro que não é lá muito inteligente ou responsável intoxicar uma criança (ou um adulto, um cachorro, que seja) com drogas, justamente porque medicamentos são drogas, e droga é uma droga, ora! AMs também não dá pra entregar pra Deus!
    Acredito na eficiência dos tratamentos de mandinga e pajelança por um princípio simples: placebo! Fé funciona, mas dentro da gente. Do contrário, garanto que todo pastor e fiél ganhava na loto toda semana.

  2. Marco Aurélio!
    São mesmo, extremos. A ignorância da medicina pelos antigos e exacerbação dela pela cultura de massas: o mercantilismo de medicamentos.
    Vi reportagem na TV certa vez em cidadezinha qualquer do Brasil, um plano de vacinação infantil (ou soro fisiológico, não me recordo) que empregou benzedeiras.
    Mas achei inteligente. O povo tem fé nas benzedeiras e nada como conscientizar essas para levar a medicina preventiva, vencendo certas resistências nos pais e mães.

  3. Tá provado, homeopatia funciona. Leva a fitinha vermelha e manda ele tomar quatro bolinhas de açúcar de 47 em 47 minutos, enquanto canta o hino do Corínthians. Fizer isso durante quatro semanas e três dias é tiro e queda, menino…

  4. Isso é uma coisa que eu sempre digo: não acredito em bruxas, mas que elas existem, existem.
    O negócio das benzedeiras é uma coisa que não precisa acreditar para que funcione.
    Sempre foi assim quando eu era pequeno. E vai ser com meus filhos.

  5. hehehehe boa comparação nunca tinha pensado nisso, mas eu ainda prefiro os medicamentos, se e para nos tornarmos uma drogaria, eles logo logo inventam um remedio contra isso

  6. As doenças que só são curadas com benzedeira são:
    *Quebranto
    *Jeito(Tá com torcicolo? Benze de jeito.)
    *Mau-olhado(Quando o ramo de arruda não funciona, tem que benzer também.)
    *Espinhela-caida.(Essa é foda.)
    *Vento-virado. (Sabe aquela criança que não sossega…)
    Sabodoria popular, nas minha Minas Gerais tem disso até hoje.E funciona viu.
    Abração

  7. Quando minha mãe tinha uns 35 anos, eu tava com 5 e tinha um boneco do Fofão. Alguma tia gorda deve ter me dado, mas eu até que gostava dele. Eis que então, quando aquela onda de alerta contra os Fofões-do-capeta começou, todas as mães da minha rua, TODAS, inclusive a minha, se reuniram num terreno baldio pra queimar os Fofões de suas crias. Foi bizarro.
    De vez em quando sempre pergunto à minha velha: Mãe, com mais de 30 anos você realmente acreditava em boneco do capeta, por causa de um BOATO?
    Bons tempos…

  8. Seu blog é legal. A cada 6 meses eu crio um, e nas primeiras 72 horas de vida de cada blog eu escrevo alguma coisa, depois abandono. Estou contribuindo para o aquecimento global da internet.
    Admiro sua persistência em postar em blogs, não é todo mundo que tem paciência.
    <–
    Ei, minha cara aqui é igual a de todo mundo!
    Por isso que eu não gosto de blogs.

  9. Pois sabe de uma coisa? A fitinha vermelha normalmente resolve muita coisa (nem que seja para acalmar os nervos do doente – ou mãe do doente, no caso), mas normalmente quando a coisa aperta, pouca gente adepta da pajelança deixa de ir ao pronto-socorro, né não? Nisso, eu que sou atéia e fã do método científico acabou saindo em desvantagem, porque fico sem a possibilidade de curtir as maravilhas do placebo.

  10. Segundo um amigo meu a culpa por falta de benzedeira é das igrejas evangelicas pois a maioria das pessoas que benze quando fica mais velhas começa a freguenta culto, e os pastores com medo da concorrencia diz que é pecado, e dizem que somente Deus e os pastores curam.
    “Deus é o destino, Jesus o caminho e eu o pedagio” de um pastor conhecido.

  11. E deve-se levar em conta a sabedoria popular… As m~es geralmente sabem quando é algo mais grave (nem sem, é verdade :P).
    Enquanto num é.. não há nada q uma cruz gelada e uma agua benta rezada com 4 credos na testa não resolva… 🙂

  12. O negócio é Vidrex. Não tinha aquele filme em que o velho botava Vidrex em tudo? Então. E funcionava.
    Eu não tenho Vidrex em casa.
    Passo Vicky. Vicky também resolve qualquer parada.

  13. Minha ex-sogra punha quebrante no meu filho, e ela mesma dizia que tinha olho ruim.
    Quem salvava o pobrezinho era minha vizinha, a velha saía de casa e era aquela choradeira sem fim, eu pegava o moleque e levava para casa da vizinha, tinha que ser antes das 18 horas, ela benzia e o moleque dormia que era uma beleza.
    Também benzeu minha mãe que caía pelo menos umas duas vezes por mes, nunca mais.
    Vai lá saber, mais sempre que posso, passo numa benzedeira porreta e funciona.
    Beijim

  14. Talvez um exorcista resolva. Ou uma simples constatação: o moleque não gosta de maçã.
    Ora, eu também não gosto, prefiro pêra.
    Será que foi falta da fitinha vermelha ainda na infância?

  15. # Quando eu era criança, também fazia muito o que esse moleque fez: pedia, lambia e não comia. Só que, ao invés de amarrar fitinha vermelha, ou dar antibiótico, minha mãe me dava era uma palmada de bambear os dentes.
    # Bem, funcionou. Estou curada.

  16. Ainda bem que benzendeiras não utilizavam supositórios e afins, se não a boiolagem comeria mais solta do que já come por aí. A coxinha estava uma “diliça” certamente.

  17. Muito gostoso seu estilo de escrita, vc tem um jeitão popular parecido com o Voltaire. Parabéns…Essa história do quebrante muito legal. Achei seu blog por acaso uma colega aqui da FEBEM quis sabero significado da palavra quebrante e acabei parando aqui. Abraços

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